quarta-feira, agosto 31, 2005

Bota band-aid que sara

E a semana, afinal, está a exceder-se.

19h05 minutos, alguém escreve "Brilhozinho, vou-me embora" e o telefone toca:

"Eu gosto muito de ti. Só pode ser coisa que venha de uma outra vida. Sou teu fã. Love. Stucky"

Lindo! Desculpem o ego, mas eu tenho um anjo em Itália que olha por mim. E este foi o senhor que hoje escreveu assim:

Stucky diz:
O Importante é gozar, beijar na boca e ser feliz...que se foda o resto!
Stucky diz:
Se ferir de novo
Stucky diz:
bota band-aid que sara!!!

Os loucos

Isto acontece todos os dias.

Olhem com olhos de ver para quem passa na rua carregado de sacos de plástico, para quem está sentado num banco de jardim a falar alto, para quem pede um cigarro na esplanada com a maior displicência, para quem faz desenhos lindos num guardanapo de papel. Tirem os olhos do chão e reparem nos loucos.

A Rua Viriato perdeu o seu louco de estimação e todos estamos um bocadinho mais pobres.

Eu tenho saudades do Afonso. Penso nele todos os dias, deitado, vegetal, numa cama de hospital, uma sombra do que foi, de certeza, penso se lhe terão cortado as barbas cinzentas, e se ele já conseguiu arranjar forma de beber um Favaios fresquinho (a Magui arranjou forma de fumar numa enfermaria do Santa Maria...).

A Organização Internacional do Trabalho, que está aqui sediada, também tem saudades do louco do Afonso. O Afonso não dizia coisa com coisa, às vezes era mesmo mal educado, não eram raros os dias em que já não se aguentava nas pernas ainda a manhã estava a começar, mas, apesar de tudo isto, de não ser um santo, a rua está mais pobre. Garanto-vos que sim.

Os empregados do Laçinho estão desolados e não é pelos enormes stocks de garrafinhas pequeninas de Favaios que estão guardadas no armazém e que o Afonso consumiria em menos de uma semana.

Um louco protegia a nossa rua. Destruía os parquímetros da EMEL. Arranjava lugares de estacionamento onde ninguém suspeitaria, avisava quando os "verdes" andavam a bloquear rodas com um prazer retorcido.

Isto acontece todos os dias.

A cidade está cheia de loucos bons.

Na semi-via-rápida da avenida Estados Unidos, um homem de meia idade, cabelo grisalho, senta-se à beirinha do separador central, com as perninhas na faixa da esquerda de quem vai para Entrecampos, e arrisca, todos os dias, ficar sem pés.

Há alguns anos, nesse mesmo separador central, onde os chopos estão cada vez mais altos e mais velhos, uma velhota carregava sacos e sacos e sacos até ao Santo António. Ninguém sabe o que tinham os sacos.

No banco de jardim, a mulher de trinta e pouco anos, magra, rosto anguloso, que tinha um filho da minha idade, que também estudava na Gago Coutinho e era muito tímido - ficava a um canto no recreio -, discute com alguém. Gesticula, chora, argumenta, desesperada, com esse alguém que mais ninguém vê.

Na Avenida da Igreja, uma velhinha, muito magrinha e bonita, cabelos brancos, presos há uns bons meses atrás com ganchos, passeia despida e com um sorriso nos lábios. Às vezes traz uma gabardine, e quando vem assim vestida, vai beber a bica ao Biarritz, pega num guardanapo de papel e faz desenhos maravilhosos.

Na Carcassone, meia dúzia de metros abaixo, um homem, meio século de vida, não mais, muito magro, rosto craquilhado por rugas profundas, meticulosamente desenhadas pela demência, e com dois faróis muito azuis como olhos, vai pedindo cigarros nas esplanadas dos cafés. Tem um sorriso franco e ninguém lhe resiste. Chega ao Júlio de Matos, com o bolso cheio de cigarros e vende-os aos loucos que não têm ordem de soltura.

A primeira mulher licenciada em Direito, pela Faculdade de Direito de Lisboa, aos noventa e muitos anos, vestia uns trapos andrajosos e, com o cabelo branco até ao rabo, distribuía comida aos gatos vadios das traseiras da Estados Unidos da América.
No seu duplex, que tinha uma mezanine muito bonita, muito moderna - foi das casa mais bonitas que vi, apesar da imundisse, não me esqueço - tinha desenhado, a giz branco, por todas as paredes da casa, grandes circunferências, "ós" por todo o lado.

Todas as noites, põe o seu fato dos anos 70, às vezes vai de boina, e, impecável, diz adeus aos automóveis que passam pelo Saldanha. Este é o louco que vibra quando estranhos lhe acenam com uma apitadela.

Isto acontece todos os dias.

Eu quero acreditar no que me diz o meu tio louco (este vê demónios, ouve vozes e tem dois doutoramentos), que todos os seus "colegas" de doença sabem o preciso momento em que passaram a linha ténue entre aquilo a que chama sanidade, para a demência.

Eu quero acreditar nisto.

Porque isto acontece todos os dias.

Mesmo aqui ao lado.

Esta é para o Afonso. O louco da Viriato.

E o reumático voltou

Ao menos, olho pela janela, e o tempo está, finalmente, a mudar.
Venha a chuva. E já agora, no preciso momento em que os primeiros pingos começem a espalhar, pelo ar, o cheirinho a terra molhada, venha a sétima.

Terça-feira é dia de Andy

Esqueci-me que hoje era dia de Andy; esqueci-me - ainda por cima era a vez dele de pagar; acabou por não ser: um chula-me literariamente, outro chula literalmente :-) -, mas ele relembrou-me da efeméride semanal. E ainda bem.

O senhor do "é melhor não" (eu não espalho os nossos segredos, senhor holandês, ninguém percebe esta porque eu não contei, mas eu gostava muito, apesar de ninguém acreditar se eu contar, dás-me permissão para contar?) diz, ao jantar, com um golpe de charme implacável, que me tira o chão de tábuas de madeira por debaixo dos pés - atira isto sem aviso, ao lusco fusco, com o barulho das ondas e o vento do Guincho a fazer com que a cena seja ainda mais perfeita -, que para ele é já é religioso: terça-feira é dia de Diana. E continua, sem piedade: revela que, todas as manhãs, abre o mail, vê a correspondência e logo a seguir vem para este quintal, ver o que andei a cavar nesta terra esupidamente fértil, onde as palavras nascem, crescem e dão flor a um ritmo alucinante, pouco natural - qualquer dia esgoto a força desta terra, e não terei outra opção a não ser avançar para um pousio forçado.

As terças-feiras eram dias maus. Desde que a tradição das reuniões da associação dos socorros mútuos começou - e começou no dia do "é melhor não" -, o segundo dia da semana é mais feliz (é uma pena, mesmo, os astros não se quererem alinhar a nosso favor).

Mas eu esqueci-me, hoje, que era dia de Andy. Ando com a cabeça na lua e ao almoço, a Cat, que me viciou em Blasted Mechanism, reparou logo: "o que é que tu tens que estás tão bonita, tão feliz, tão luminosa?? Estúpida, estás mesmo o máximo, os teus olhos brilham...". E isto é mesmo verdade, o que ela diz, os dois espelhos cá de casa nunca viram tantos sorrisos, tanto branco dos meus dentes, e eu, ao almoço, feliz e com uma covinha na bochecha direita, falei à Cat do meu assado, da minha alhada, do meu chulo literário, mas, há coisa de um mês, naquele mesmo Magnólia, a Cat viu-me chorar, chorar convulsivamente, sem me importar com quem estava a olhar para o espectáculo, pelo mesmo senhor, pela mesma letra do alfabeto, e nesse dia, a Cat preocupou-se comigo a sério, porque eu estava desesperada, porque nesse dia abateu-se sobre mim uma tristeza muito grande e ela vaticinou que isto não vai resultar, que não pode dar certo nunca, porque, mais cedo ou mais tarde, vou andar a pedir-te, minha musa literária (que te deves estar a torcer com ciúmes do senhor holandês; eu sou má!), provas a torto e a direito, a pedinchar evidências da minha importância na tua vida. Que até podia dar certo se eu me sentisse verdadeiramente importante, mas nesse dia, e na semana que se seguiu, o meu lugar na tua vida foi relativo, fui posta a um canto, remetida ao silêncio e aos meus monólogos febris, religiosamente depositados, várias vezes ao dia, na tua conta de Gmail.
Continua assim, continua diferente, invulgar, intenso, está cada vez melhor, sabe cada vez melhor, mas acho que já comecei, tipo CSI, à procura, de lupa, das tais provas, por mais subtis e praticamente invisíveis que sejam.

A Cat conhece-te, Andy, há muito tempo. Conhece-te sem jamais te ter visto. Sabe que tens os olhos verdes, que fazes umas ruguinhas lindas junto ao canto dos olhos quando te ris, que tens uma cicatriz enorme no nariz, que as tuas mãos fazem quase duas das minhas, sabe até a história do "é melhor não" (e, depois de muito tempo sem acreditar, acha que nós somos arraçados de super-heróis, que só assim se explica).

A Cat ouviu a minha explicação para o brilho nos olhos, acreditou, mas no final da petit salade de mozarella que me serviu de forro ao estômago ao almoço, chamou-me à atenção para o facto de, durante uma hora, eu só ter falado praticamente de ti, senhor Vring.

Terça-feira é dia de feira da ladra. E de Andy. Com exclusividade, pelos vistos.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Mas o melhor do dia estava ainda para vir...

O melhor do dia

Chega-se ao sítio onde se deixou o automóvel a meio da manhã e não está lá nada. Fica-se meio desorientado, com arrepios e suores frios: será que eu deixei o carro noutro sítio e não me lembro? Semi-ataque de pânico - será que me roubaram o miúdo e nunca mais vou vê-lo?

Nos micro-milésimos de segundo em que não os neuro-transmissores não equacionaram a hipótese mais lógica - falta de alimento nos parquímetros - vi como gosto do meu carrinho, como não passa desta semana o banho anual. Como recompensa pelo rapto.

O Pacto com o Demónio do estacionamento foi à vida... Assim como foram à vida 100 euros. Grande semana. Começa muito bem.

No CD passa esta, muito bonita, muito rara. Adoniran Barbosa sobre letra de Vinicius de Morais. Canta Elis Regina:

Bom dia tristeza
Que tarde tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando até meio triste
De estar tanto tempo longe de você
Se chegue tristeza
Se sente comigo
Aqui nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar

Dia estranho. Este

Dia estranho, este, com uma cacimba miudinha (cacimba é o nome que a Magui dá às ténues neblinas que às vezes descem sobre a cidade, mas a cacimba que se abateu hoje foi sobre a minha cabeça, sobretudo sobre o meu coração - gosto da sonoridade desta palavra, a cacimba).
Falhou todas as expectactivas, esta segunda-feira. É o que dá o raio das expectativas; o mundo só me dá aquilo que eu quero quando não estou à espera. Já devia saber. Já foi assim tantas vezes, ainda na sexta foi assim, não sei porque é que não aprendo e não estou nunca à espera de nada.

Dia estranho, este.

Estive a limpar os My Documents, fiz isto e acolotro para não escrever sobre a idiotisse do serviço de manhã com os presidentes do Sporting e do Benfica, fartei-me de chorar com as conversas que tive com o senhor meu ex-anjo (não reparaste, pois não, na outra janela, não reparaste que eu estava a chorar?),

"Mas tb eh verdade q jah me custa ver-te assim, por causa desse tipo/ n chores mais/ diz ao sebastião q a culpa eh minha/ eu tenho os ombros largos / diz que eu te destrui a vida (esta conversa foi a laranja e foi muito bonita. mesmo)"


e a propósito "desse tipo", deu-me para abrir mais uns baús e senti-me tremendamente estúpida com as esperanças tontas que lia em todas as conversas que tinha com o Andy no messenger (e estou convicta que, quando reler as nossas conversas, daqui a uns tempos, as vou achar igualmente ridículas. Por enquanto, acho-as deliciosas), há uma boa, em inglês:

"Just tell me why you are pissed with me/ i'm not, i'm just sad you disappeared. that's all. but i'm not stupid, i get the message. And to end this stupid conversation i'd just like to tell you i find terribly rude of you the fact you dont answer my phone calls, my sms, my IM's. Just tell me to get lost and I will/ Why should I tell you to get lost?/ It wasnt and it isnt my intention to be rude/ I'm sorry. (e esta foi a última conversa que tivemos até eu o ir entrevistar...) "

Dia estranho, este. Dia em que eu soube que tens penado muito em nós. Acto falhado delicioso.

São sete e meia da tarde e os textos para o patrão ainda não estão escritos, está difícil.

domingo, agosto 28, 2005

O fim-de-semana

Fim-de-semana em estado de graça igual a poucas linhas neste blog.

Fico triste, porém.
O meu vício em StatCounter diz-me que houve alguém de quem gosto muito (tenho que te arranjar um outro nome; já estou farta do senhor holandês... talvez o senhor do "é melhor não...", ou, retrocedendo uns bons meses atrás, o senhor do "eu levo-te a casa, mas é só isso") passou por cá várias vezes e não teve nada para ler - valeram-te os arquivos, não foi, querido? (esta coisa do Stat é mesmo pidesca).

Senhor Vring, isto de andares aqui várias vezes ao dia, coloca-te como potencial chulo literário de fim-de-semana. Bom, na verdade, já tiveste esse profissão, também em part-time, no início de 2005 (apesar de não o saberes). É que eu não suporto mesmo a ideia de não teres nada para ler quando aqui passas, e as visitas de hoje levam-me a concluir que o Mar deve ter estado uma merda e que o vento não apareceu para fazeres a tua terapia marítima, em cima de uma prancha de Windsurf.

[Ao meu leitor anónimo do ip 83.132, que muito me honra com as suas várias visitas diárias, um grande bem haja pela sua presença assídua]

As dores nos ossos desapareceram - os mais cépticos dirão, decerto, que foi da pomada que eu comprei na Farmácia que paga pouco mais de 100 euros à minha mãezinha; eu digo que foi pela dose de felicidade estupidificante que tive na sexta-feira. A semana em que acaba a silly season e em que finda, também, o estacionamento à porta de casa e à porta do pasquim, começa dentro de um fechar e um abrir de olhos.

Apesar da agrura do estacionamento, da imensa falta de inspiração literária, estou em pulgas para que comece a semaninha. É só um pressentimento. Que vai ser uma grande semana.

PS - Ao casal de "pastores" M&M: tenham juízo. Sejam felizes. Com ou sem roupeiros.

sexta-feira, agosto 26, 2005

De olhos fechados, o tempo passa mais devagar

De olhos fechados, o tempo passa mais devagar.
Por isso é que sempre que estou contigo fecho os olhos - perco imensa informação, mas ganho tempo. O sentir eleva-se quando estou de olhos bem fechados.

O Tempo fez um pacto, faz já muito tempo, com os amantes.
A troco de nada. Gosta dos amantes. Pede-lhes, em troco, apenas, que fechem os olhos.
E quando as pestanas se colam, o Tempo emite uma ordem aos seus melhores soldados, os segundos, e estes arrastam-se, pachorrentos, como se estivessem muito cansados e com calor; vão dengosos e pesados, aproveitam a primeira sombrinha que encontram na espiral do Tempo, e sentam-se. Eventualmente, se guardaram o papo seco do almoço, dão umas migalhas aos pombos que por ali andam, falam a um outro segundo que passa em câmara lenta e, cujo ritmo de caracol, denuncia que também está de conluio com algum par de amorosos; os segundos são protectores do amor e fazem greve geral aos relógios que os prenderam e condenaram a trabalhos forçados eternos num pulso, num bolso, ou numa torre; convocam uma manifestação no Marquês de Pombal no país do Tempo, para denunciar a situação de exploração laboral milenar de que são vítimas, mas tudo com muita, muita calma.

Os poucos segundos que se rebelam contra as ordens do Tempo (como em tudo, também há segundos do contra), que querem continuar ter o tempo exacto de um segundo, inventam planos maquievélicos para separar os amantes, mas têm um final trágico - ficam colados às pestanas de quem está de olhos bem fechadinhos (por isso, agora reparem se, depois de estarem de olhos fechados, com aqueles que amam, não vos dá para esfregar muito os olhos... São os restos mortais dos segundos que lá ficaram encurralados...).

Nunca, meu querido chulo literário, um número par, me trouxe tanta alegria.

[Lamento, caros leitores, esta é mesmo para não entenderem.]

Marcas de amor

Quando eu te digo que quero o corpo marcado por este amor, surge-me à frente dos olhos esta imagem:

marcas

quinta-feira, agosto 25, 2005

Morra a Kodak. Pim!

Grandes notícias me deu a Lusa ontem, ao final da tarde, antes de me pisgar para casa com as insuportáveis das dores nos ossos:

Rochester, EUA, 25 Ago (Lusa) - O grupo Eastman Kodak anunciou hoje o encerramento de unidades de produção nos Estados Unidos e na China, com a supressão de 900 postos de trabalho. Segundo o grupo norte-americano de produtos de vídeo e fotografia, estas medidas inserem-se num vasto plano de reestruturação adoptado em Janeiro de 20 04 e que pretende enfrentar a "a aceleração do declínio da procura de filmes e f otografias analógicas".
Muito afectado pelo advento do filme e da fotografia digital, o grupo Kodak prevê vir a suprimir até 25 mil postos de trabalho, de modo a poupar até 1, 8 mil milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros) em custos fixos.

Com o devido respeito aos trabalhadores, estou muito contente. Pela parte que me toca, faço uma festa de arromba quando esses filhos da puta, que perderam as 300 fotos do nascimento da minha filha, encerrarem de vez.

Pela perda dos registos e do cartão digital, propuseram-me uma indemnização de 250 euros. Na carta em que fizeram esta "generosa" oferta, cometeram um erro imperdoável: afirmavam que o incidente não tinha sido muito grave.
Mandei-os pôr os 250 euros no cú e nunca mais pus os pés numa Kodak. Nunca mais vou pôr. E já tenho alguns amigos solidários ao manifesto anti-Kodak.

Morra. Morra bem depressa.

Quero que a Kodak seja apenas uma memória. Para mais tarde recordar.
PIM!

Dependências

Mas porque é que nunca mais chove?
Os meus ossos - todos eles, já não são só os joelhos, não há uma única articulação do esqueleto que não me doa; dor fininha, daquelas que não mata, mas mói - estão a prever um dilúvio, uma carga de água, uma daquelas debaixo da qual eu, um dia, este Inverno, ou no próximo (ou noutra vida mesmo) te quero beijar, ficar parada no tempo, alheada da chuva que cai (valerá decerto a constipação de caixão à cova - fui muito gráfica outra vez?).
Porque é que não chove? Nada, nem uma gota tímida para amostra, para desassenhar (existe, este verbo?) os meus ossos - o céu está azul, está mais fresco, é certo, mas o céu está azul, uma ou outra nuvem de nortada, as minhas favoritas, as que parecem carneirinhos e dão largas à imaginação de quem se dá ao trabalho de olhar para o céu, mas são todas branquinhas, parecem algodão doce; as escuras, as carregadas de água, estão a enquadrar o beijo de outros amantes, noutra freguesia qualquer, numa parte recôndita do globo (haverá alguém a beijar-se à chuva neste preciso instante???)

A Qui Qui vai hoje para a terrinha, duas semanas, 15 dias, e eu não sei como vão ser as noites sem ela. A Qui Qui ilumina-me as noites.
Eu estava às escuras, não paguei a conta, com certeza que foi isso, e o senhor do pedestal decidiu cancelar o fornecimento de electricidade às minhas noites. A resolução do contrato foi sem aviso de corte, sem hipótese de pagamento, mas o fornecimento de luz foi gradualmente diminuindo. A luz foi ficando fraquinha, fraquinha, chegou a um ponto que era uma daquelas velinhas que estão na moda - as tea candles -, mas eu sempre me contentei com pouco, com muito pouco.
A chama é fraquinha, quase não se vê, está à direita, em primeiro lugar (porque é que continua em primeiro lugar? Porque é que continua lá, de todo? Esquecimento? Ou és mais um a gostar só do que eu escrevo e a dispensar o resto do pacote?)

A Qui Qui é um neón nas minhas noites. Faz-me companhia à janela. Somos vizinhas de um bairro típico virtual, falamos às nossas janelas de tudo, encostadas aos parapeitos pintados com sardinheiras, brincos de princesa e buganvílias.

Dianas

Estas somos nós, as Dianas, eu ainda com aparelho nos dentes, numa noite de excessos na minha casa velhinha.

A Qui Qui vai para a terra, ter com a avó, e eu declaro-me aqui dependente da minha mana pequenina.

Como se chama às pessoas que são estupidamente atreitas a dependências? Há uma designação científica? É uma patologia? Uma fragilidade? Alguém me sabe dizer?

quarta-feira, agosto 24, 2005

Silêncio

"O mais importante para os amantes é saber ficar em silêncio. Quando se diz uma coisa matam-se todas as outras. Reduzem-se as possibilidades. E mesmo assim tudo o que quero é estar à conversa contigo."

Li estas linhas aqui, gostei muito do que li, mas quero ouvir o silêncio.

Vou estar caladinha.

Fotografia

Eu estranhei logo, franzi o sobrolho, vinquei, ainda mais, a ruga que tenho a meio das sobrancelhas, quando a Magui te deixou dar-lhe dois beijinhos.
Na minha família ninguém se beija. Somos alérgicos a demonstrações públicas de afecto; nem quando a minha mãe estava nos cuidados intensivos a beijei. Quando me deixaram entrar, menos de dois minutos, dei-lhe a mão.
[O coitado do Ricardo quase ficou traumatizado quando ela se negou a dar-lhe uns beijos e, ela adora o Ricardo, não tem nada a ver com gosto ou desgosto. Não é muito polida socialmente... Não somos, aliás.]


O senhor holandês, desgraçado, ontem conheceu a família Addams toda - a de duas e a de quatro patas.
E eu achei logo lindo, ele querer subir, alertei-o que ele podia morrer de alergia, por causa da quantidade imensa de gatos, de cães e pássaros que existe por metro quadrado em casa da Magui, mas ele quis subir.

De manhã, no café das velhas, disse à Magui que ia jantar com o Vring. E que levava a Carolina, já que ela não estava no mood de baby sitting. A minha mãe disse que ia espreitar o espécime da janela, para ver se ele era estrupício (foram estas mesmas as palavras).

Depois de o senhor holandês ter reaparecido do outro lado do oceano, e de termos escrito umas linhas giras, um em cada ponta do atlântico, durante três ou quatro dias - e de eu o ter perdoado por tudo o que ele me fez, quase imediatamente -, eu não contava à Magui que o via, que me encontrava com ele, porque sabia que ela achava que eu estava a ser parva.
A Magui não é banana como eu, não perdoa as ofensas de quem a ofendeu, muito menos de quem ofendeu os seus filhos - o seu passaporte para a eternidade, como ela diz acerca de mim e do Leonardo e, mais recentemente, da Carolina, que é a sua cara cuspida e escarrada, essa sim, parece sua filha. Eu não lhe dizia que ia jantar com o Andy, era até engraçado, parecia uma adolescente a namorar às escondidas da mãe, ou a dizer que ia dormir a casa de uma amiga para, na realidade, ir à discoteca.
Mas ele quis subir, conhecer a família (a família é bonito; dá um toque siciliano à coisa, e, de facto, nós somos arraçados de mafiosos, os Oliveira-Ralha, com a nossa Mama no comando da sua prole) e, puta da coincidência: estava lá tudo - o mano e a cunhadinha linda, pronto, foram feitas as apresentações e o Andy não teve uma reacção alérgica muito má (nem aos bichos, nem à família), só começou quando já estávamos de saída.
Gostou do "paraíso" da Magui - uma reserva natural, um santuário, onde gatos e cães convivem alegremente, onde pombos bébés dormem numa gaiolinha em cima dos bancos da sala dos bichos (temos uma sala cagona para as visitas, onde quem tem quatro patas não entra), com felinos de todas as cores, feitios e idades a rodeá-los.
O jantar foi uma maravilha, o sítio é lindo, ao pé do mar, caipirinhas, a Carolina a portar-se lindamente, um anjo, nem bateu às outras crianças. Houve silêncios. Mas não dos perturbadores, dos que me fazem dar à perna de stress.

Na minha cabeça, esteve em repeat one esta:

Eu, você, nós dois
Aqui neste terraço à beira-mar
O sol já vai caindo
E o seu olhar
Parece acompanhar a cor do mar
Você tem que ir embora
A tarde cai
Em cores se desfaz
Escureceu
O sol caiu no mar
E a primeira luz lá embaixo se acendeu
Você e eu

Eu, você, nós dois
Sozinhos neste bar à meia-luz
E uma grande lua saiu do mar
Parece que este bar
Já vai fechar
E há sempre uma canção para contar
Aquela velha história de um desejo
Que todas as canções têm pra contar
E veio aquele beijo

O beijo não veio, é bom mesmo que não venha, ainda estragava tudo, mas a noite foi perfeita, a música do Jobim chama-se Fotografia e eu tirei uma foto, a noite passada; está guardada no meu cartão de memória de um milhão de gygas, um SD que está alojado na minha cabeça - nós os três na esteira, rodeados de almofadas, a fazermos guerras de cócegas à Carolina.

A Magui adorou o holandês. Daí ter-te deixado dar dois beijinhos.

Outra coisa a dizer

E a ti, senhor holandês, também tenho uma coisa para te dizer: mom loved you :-)

terça-feira, agosto 23, 2005

Há uma coisa que eu tenho que te dizer

Falta menos de um minuto para a meia-noite; há uma coisa que eu tenho que te dizer, antes de me transformar em abóbora - Another Lonely Day - Ben Harper & Pearl Jam.

Tenho dito.

As tradições

Um dia de Inverno, estava já muito grávida, com mais de 25 quilos empilhados em equilíbrio instável sobre os meus joelhos - nunca mais foram os mesmos; já não eram certos, mas nunca mais foram os mesmos depois das 37 semanas e picos em que tive um hóspede dentro de mim -, na barriga já tinha desaguado, de um dia para o outro, um rio de estrias brancas, os pés e as mãos estavam quase grotescos, muito inchados, tive que deixar de usar saltos altos, apenas cabiam ténis nos pés; anéis só o de platina e diamantes que o avô Oliveira deu à Magui, o anel que eu levei no dia em que entrei para a maternidade, levei-o para ele me proteger, um dia conto-te, blog, como eu estava cheia de medo no dia em que entrei pelas urgências do Particular, 25 semanas de gravidez, a Carolina inviável, pequena demais para nascer, mas a querer nascer na mesma, com medo de não ser amada pela tempestade que provocou nas nossas vidas, com medo de ser um impeçilho, com medo de ser usada como bala de canhão, mas eu, muito teimosa - "não vais nascer agora, não podes nascer agora, filha", eu ainda sem saber que era uma menina, mas a chamar-lhe Carolina há muito tempo, e doze semanas depois, o silêncio do meu quarto privativo em véspera de ela me chegar; conto-te, se tiveres paciência, porque ainda hoje me custa a recordar esse dia, como no início da tarde seguinte, soaram sirenes agudas na sala de partos, da máquina onde estavam ligados os eléctrodos que eu tinha colados à barriga; conto-te como o coração da Carolina começou a parar, e a enfermeira de cabelos encarnados a cantar-me uma canção bonita, enquanto outra gritava "chamem o doutor Moniz", e uma tentava desligar o zumbido da máquina - e no monitor 160 batidas, depois 110, depois 90, deixei de olhar nas 60; fechei os olhos, caiu-me uma lágrima pela bocehcha abaixo e pensei que te perdia no antigo dia da mãe, 8 de Dezembro -, a dos cabelos encarnados a rapar-me em andamento, a caminho do bloco operatório. Conto-te tudo isto, noutro dia. Hoje quero-te falar de tradições.
Um dia de Inverno, estava muito grávida, entrei na loja chinesa das traseiras da avenida de Roma, e vi uma nossa senhora de neon, linda, do mais kitsch que há. Tive que a trazer comigo. Já me moía de remorsos de não ter comprado um poster gigante de um ardente coração de Jesus, tive que a levar para casa.
O Natal estava à porta, mandei embrulhar. Numa das muitas noites de silêncio na minha casa pequenina, pus-me a pensar a quem podia oferecer o sagrado coração de Maria. Uma única pessoa reunia os requisitos de loucura essenciais para receber um quadro religioso de neón - o Ricardo.
Eu fui a culpada. Começou tudo com o sagrado coração de Maria. Agora, nos anos e no Natal oferecemo-nos as coisas mais impensáveis. Amor com amor se paga. Até a minha filha já foi metida ao barulho. No seu primeiro aniversário, o Ricardo ofereceu-lhe cuecas do Benfica. No Natal, eu recebi a biografia do Papa; ele uns copos de leite com vacas doidas. Nos anos, para pagar o golpe baixo do Papa dei-lhe a biografia de um franciscano, Vítor Melícias no seu melhor, com lindas fotos do senhor padre, e um CD (ainda não entregue) do apresentador da TVI Rui Vasco Neto. Ele trouxe-me da Irlanda um poster enorme de um belo jardim florido para pendurar na Martinha que eu, inadvertidamente, deixei nos correios, momentos depois de o receber (imperdoável). O mais louco é que alguém gostou e o levou. Também me trouxe um naperon para eu pôr em cima da televisão.

Amo esta tradição, Ric. Não vai parar nunca. E estou mesmo mesmo triste de ter perdido o poster. Daqui a uns dez anos fazemos uma exposição, uma monográfica de toda a tralha louca que oferecemos um ao outro.

segunda-feira, agosto 22, 2005

e-Learning

Memorável, senhora dona Qui Qui. E eu acho que tenho um talento inato para a coisa.
É isso e para estafeta. Conduzo bem, conduzo com o pé bem pesado, tenho um carro maricas, que tem mil e uma formas de baixar os bancos - é um carro de surfista; pelo menos era isso que dizia o folheto; dá para lá meter duas pranchas, não sei, nunca experimentei, mas dá, de facto, para meter muita merda: sapatos, carrinhos de bébé, brinquedos, revistas, cabides, fraldas e dodots por todo o lado. A minha especialidade são as entregas personalizadas. Posso cantar um fadinho, os parabéns, posso sair dentro de um bolo, vir vestida de enfermeira, o cardápio é quase ilimitado.

E agora vou almoçar, porque o post do Mac a psicanalisar o meu "E se eu páro de escrever" é difícil de ler, e muito mais difícil de digerir. Preciso de água das pedras.

sexta-feira, agosto 19, 2005

A musita

A miúda já é linda de nascença, foi mesmo muito bem parida, mas a lente da tia Qui Qui apanhou este sorriso lindo

musita

Musa

Pareço uma musa

musa

As Dianas foram ao Zoo...

dianas

... E encontraram outra Diana.
As Dianas foram ao Zoo, ver a família, foram com a Carolina, com os convites da Mónica, fizeram picnic e gafanhotisse à sombrinha.
Foi um dia em cheio e há fotos lindas - a Diana bébé quase transformou a Diana mãe numa diva publicitária. A seu tempo postarei essas fotos.

À janela. À moda antiga

Como seria de esperar, o meu chulo literário manteve-se caladinho no seu canto, a espreitar por uma janelinha que está no canto direito do seu monitor grande - suponho eu que seja grande; o meu chulo literário exercita-me a imaginação como ninguém.

Namoramos à janela, à moda antiga. O nosso amor não sai da janela.

Mas esta janela não tem flores no parapeito. Não tem vista para a Duque de Loulé. Não se ouvem os carros lá fora, nem as vizinhas quadrilheiras a partilharem o que viram pelo óculo da porta, numa madrugada de há um mês atrás.

Esta janela é silenciosa e opaca: todos os dias são dias de nevoeiro branco e denso.

A janela abre-se cedo, porque cada minuto tem que ser sorvido como se fosse o último. A janela tem sido aberta quase em simultâneo - é transmissão de desejo, não de pensamento.

Quem me dera que esta janela nunca se fechasse.

quarta-feira, agosto 17, 2005

E se eu páro de escrever?

e se eu páro de escrever

E se eu páro de escrever?

Se o nosso amor fosse mesmo de papel, se não fosse um código binário, cheio de zeros e uns, era assim - olha bem para esta imagem

Moleskine, escrito com a Dupont de prata.

Seria mesmo assim, na maioria das vezes em itálico, porque tu me desconcertas, e quando eu fico ao rubro, quando alguém me faz transbordar para lá do que eu achava ser possível, inclino a letra miudinha, escrevo em itálico. E quando assim é, nem dá para perceber que os meus erres são iguais aos meus énes, que os vês são iguais aos us. A minha caligrafia tem dupla personalidade, tem dupla personalidade porque as outras sete personalidades estão amarradinhas com cordas, não lhes dou rédea solta.

E se eu páro de escrever?

Se calhar até te sentes confortável com o estatuto - és o meu chulo literário.

Não é pelos meus lindos olhos azuis. Não é pelos meus lindos olhos azuis, porque eu não tenho olhos azuis, tenho-os apenas nos meus genes, passei-os à minha filha, mas não é pelos meus genes. Nem tão pouco é pelas minhas gigantescas pestanas. Não é pelo sinal de nascença gigantesco que eu tenho por baixo da mama direita; não é pelas minhas mãos esguias de artista, nem tão pouco é pela minha voz - não é pela minha voz falada, muito menos pela minha voz cantada (a minha voz também tem múltipla personalidade).

Não é pelo meu metro de cabelo e não é pelos meus pés; nem tão pouco pelos sapatos bonitos que colecciono.

Não é por nada disso, porque nos vimos apenas quatro vezes.

A primeira foi diferente, a segunda quase não conta, a terceira não foi de vez e teve sabor a primeira, deixou marcas nas paredes, e na quarta estivemos mais tempo de olhos fechados - eu estive de olhos fechados, tu estiveste com eles bem abertos, mas estava escuro, não viste grande coisa, à noite todos os gatos são pardos (e parvos, acrescento eu) e, por isso, não é por nada que tenhas visto.

E se eu páro de escrever?

É pelo que eu escrevo.
E quanto mais eu sentir que é pelo que eu escrevo, melhor sairá, mais preso ficarás, e eu não me posso dar ao luxo de deixar de escrever.

Aqui.
Para ti.
Na Moleskine, com a Dupont de prata.

A custo, num processo quase tão doloroso quanto prazeiroso, vou continuar a arranjar frases.
Vou arranjar uma frase que te martele um mês inteiro na cabeça - quando abrires os olhos, de manhã, e quando os fechares, à noite, quando passeares pelas ruas da cidade e pelas ruelas da tua casa; uma frase que se cole à tua pele - e não vale a pena esfregares no duche com água quente, vai ficar grudada.
Vou arranjar-te uma frase, ou três, porque eu só gosto de ímpares, daquelas que te prendem a mim para sempre
, e um dia, com esforço, se me fizeres mal, arranjo-te uma frase que te amachuque, daquelas que ferem toda a gente.

Para além de mulher das obras também posso ser jardineira

jardinagem

Posso ser aquilo que eu quiser. É uma merda...
Com 14 anos, os testes psicotécnicos não foram uma grande ajuda, mas vaticinavam uma grande carreira na economia :S e não é que foi mesmo aí que eu fiz nome e carreira... Cristo! Os testes psicotécnicos são meios bruxos...

E tenho que pintar a sacada... já que ando com a mão na massa... E assim arrisco-me a ter uma das varandas mais bonitas de Lisboa.

Há lá de tudo: brincos de princesa, fetos, ficus, uma orquídea, um pinheiro, dois jasmins de Madagáscar, cactos da Páscoa, cactos de Natal, uma palmeirita muito raquítica e combalida,

Podia ser jardineira
Não me importava de ser jardineira, podia ser mesmo jardineira, não fazia questão de ser arquitecta paisagista (que são os jardineiros ricos, filhos de papai)

O senhor que me ensinou a fazer aviõezinhos pinta assim

quadros para pendurar

terça-feira, agosto 16, 2005

Cócórócócó

Este é dedicado ao Ti Croca, que me pôs a carcarejar (é assim que se escreve? não não era, é cacarejar) no restaurante chinês da praxe, onde vou há mais de vinte anos; é dedicado à Mó, que me obrigou a sair da fossa, que me obrigou a tomar banho, tirar a tinta casca de ovo do nariz e das mãos, que me incentivou a ficar deslumbrante (destroçada para matar), porque nunca é o fim do mundo

e também nunca é como nos filmes, muito menos como nos livros e eu tenho a mania que sou escritora, tenho q perder essa mania - jornalista menina, repita comigo: jornalista. Jornalista não cria expectativas, jornalista não opina, não fantasia, muito menos usa provérbios ou se arma em columbófila. Acorde para a realidade: jornalista, é o que a menina é

e isto da vida, para que dia conte, para que não seja menos um dia, mas sim, mais um, não tem nada a ver com a sorte ao estacionamento como tão bem referiu o meu querido Pedro no seu blog meio zombie (nunca mais escreveu o menino porquê? isto dos blogs dá uma trabalheira danada, não é?), quando andava fodido da vida comigo, quando eu flashei com o senhor holandês em pouco mais de vinte e quatro horas e caguei para a dedicação que ele tinha por mim e pela minha filha,

eu nunca quis ser jornalista, nunca sonhei ser jornalista, foi por acaso, eu queria mesmo era ser cantora - mas já foi ao Coliseu cantar, menina, dê-se por contente, já fez trinta por uma linha para que cada dia conte, só que é necessariamente doloroso, isto da vida que conta um dia a mais, mais fácil é subtrair um dia, menina,
tem que se ir de cabeça, sim e eu sei que a menina não tem grandes aptidões físicas, que era sempre a última a ser escolhida para as equipas de basketball, que nada à cão, sei que tem pavor de morrer afogada - e por isso é que gosta tanto do Oscar e Lucinda do Peter Carey, porque um dos personagens colecciona botões como a menina e ambos são fascinados por vidro

tem que ser de cabeça, mesmo que não se saiba nadar bem, como é o caso da menina. E quem não tem pedalada vê a vida a passar. Durma de consciência descansada. Fez um galo na cabeça do mergulho em seco? Para a próxima corre melhor.

Grande material

Tenho um amor que não sai do papel, caros, vem aí grande material literário...
Mas se este amor fosse em papel, ainda havia esperança pequenina; é que uma folha de papel às vezes voa, e eu até sei fazer aviõezinhos, o Zé ensinou-me a fazer aviõezinhos há muito tempo, também me ensinou a jogar xadrês, mas 18 mails não voam, não dá para dobrar ao meio, se fosse uma folha ainda podia voar, podia ser que este amor descolasse ao sabor do vento, mas não - vou lavar os pincéis, os rolos, acabaram-se as pinturas por hoje e de certeza que vem aí grande material...

Post em cima do fogão II

viciada

Post em cima do fogão

Mulher das obras.
Acho que tenho jeito para mulher das obras.
Ganhei-lhe o gosto e o jeito, agora apatece-me pintar a casa toda.
Continuo sem jeito nenhum para pregar pregos; os quadros ficaram mal pendurados e as paredes parecem um queijo suíço; não tenho jeito para pregar pregos, mas por acaso nem me saí nada mal com o varão do quarto de vestir: deve ter sido sorte de principiante. Não tenho jeito para pregar pregos, da mesma forma que não tenho jeito para reencontros.
Depois de o Lourenço ter ido para as arábias e quando já estava grávida apesar de não o saber, passava algumas tardes nas chegadas do aeroporto de Lisboa. Estava de baixa, e gostava de ir ver as caras de felicidade dos amantes reunidos, das famílias reunidas; gostava de ficar sentadinha a sentir a ansiedade dos reencontros dos outros. Depois de um banho de reencontros, dava um pulinho nas partidas, via algumas separações tristes e acabava a tarde com um bolo de arroz (um dos meus bolos favoritos) na escandalosamente cara cafetaria do aeroporto.
Pois bem, não aprendi nada; a experiência do aeroporto valeu por si só; foi só mais uma maluqueira minha. Não tenho jeito para reencontros. Nada a fazer...
Estou pintalgada de tinta casca de ovo por todo o lado, e o Toshiba arrisca-se a ser, também, um computador das obras. O wireless é algo maravilhoso, o Toshiba está deitadinho em cima do fogão, porque pode ser que alguém bata à porta do messenger, pode ser que o Gmail dê um ar da sua graça, pode ser...
Vou para a segunda demão...

segunda-feira, agosto 15, 2005

Dezoito mails

Dezoito mails
Dezoito envelopes, dezoito folhas, dezoito selos seria bem mais bonito, seria quase o diário de uma paixão - mas este é o diário da tua ausência.
Dezoito mails que deviam ser cartas.
Dezoito cartas dava para juntar num molhinho gorducho de papel, já dava para as atar com um cordelinho, atá-las com um cordelinho e guardá-las no fundo de uma qualquer gaveta, ou numa caixinha, ou dentro de um livro. Dezoito cartas era bem mais bonito, era como as cartas da menina Alzirinha ao meu avô Oliveira, eram dezoito cartas para a posteridade - quem sabe se, meio século depois de escritas, não acabariam nas mãos de uma neta tua, que as descobrisse por acaso e as lesse de uma ponta à outra...
Dezoito cartas é que era. Dezoito mails não é nada.

Quem é vivo sempre aparece

quem é vivo

Será sempre assim?

A minha alma está parva

Estou de queixo caído...
Chama-se Fiel ou Infiel e é por estas e por outras que eu não ligo a televisão.
O fim-de-semana passou rapidinho - pinturas na Martinha, aliás, estou a acabar a segunda demão de tinta nos azulejos da cozinha.
Amanhã há mais.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Um post bem parido

Não é fácil parir um bom post nas actuais circunstâncias.

Todos os dias escrevo textos, estendo enormes lençóis sobre a terra do Gmail, deixo-os a corar ao sol naquele condado da Google - são lençóis de letras lavados à mão com sabão azul e branco, são frases e frases que catapulto com fúria do teclado para o ecrã, são aglomerados de palavras muito bem escritas, sentidas, garanto-vos isso, que são posts meio loucos e estupidamente perturbados, mas não vos posso mostrar; neste momento, são para os olhos de uma pessoa só.
E lamento que assim seja, que não possa contar aos sete ventos, porque é material literário muito bom, mas tenho que me habituar a estar de bico calado (e, por falar nisso, em bicos, hoje apanhei um pombo bébé, já está na Zoófila da Magui), e também a propósito de silêncio, podia encher imenso espaço aqui com o voto de carmelita a que um anjo me votou, mas também não pode ser.
Depois há o Vring - eterna musa, pai deste blog: foi por ele, para ele, e por causa dele que a (T)ralha nasceu há coisa de oito meses (está quase a gatinhar, este blog, como cresceu, quase 200 posts, o tempo voa...). Há um episódio em particular com o senhor holandês que eu gostava aqui de reproduzir, mas também não dá. Tant pirre, guardo só para mim...

Como vêem, estou num cruzamento, tenho um Stop que me obriga a parar, mas só vejo sinais proibidos, não sei para onde virar (para trás?).
Nada tem acontecido. Não procuro mais chatices: estou a recarregar as baterias, porque sinto que vem aí "ramona" - como diz a Magui.

Só posso falar da minha Martinha. Vou continuar a contar-vos as coisas que eu adoro na minha alegre casinha. Olhem só:

fechadura

Gosto das portas e das fechaduras;

chão

do chão da cozinha, onde imagino partidas de damas e xadrês sempre que lá entro; gosto das paredes encarnado sangue e dos facalhões presos pelo íman comprado na Ikea;

cozinha

adoro a casa de banho, apesar dos azulejos rachados, apesar de a torneira do lavatório não ser aquela linda que eu comprei; adoro o Drac que achei numa ruela do bairro gótico quando o Pedro me levou a Barcelona;

drac


adoro a selva privativa no meu quarto;

quarto

e o meu cantinho de leitura na sala.

sala

Detesto a porta de alumínio da entrada do prédio e as escadas. E não posso com o estupor do cão dos vizinhos da frente, que todos os dias me acorda com os seus latidos histéricos.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Coisas que eu adoro na Martinha

orange

A parede laranja.

Eu ando pelo mundo divertindo gente, chorando ao telefone...

Quantas vezes ouvimos uma música, lemos um livro, miramos um quadro e assalta-nos este pensamento: podia ter sido eu...

Hoje acordei com esta, da senhora Calcanhoto. Não a ouvi, porque o CD desapareceu. Desapareceu na mesma leva em que desapareceu o Fabuloso Destinho de Amélie Poulain, mas não preciso de a ouvir: está na minha cabeça em repeat one.

Podia ter sido eu a escrevê-la...

[Eu canto para quem?]

Eu olho para ti, ao almoço - consegui comer com pauzinhos sem fazer figura de parva, isto tem que ser dito -, as paredes são laranja e pretas, parece a minha casa de banho, parece a casa-de-banho de outros dois elementos da defunta pandilha,

Tu falas mal do layout deste quintal, eu acho piada às vezes usares o Safari, outras vezes o Firefox - lembra-me a guerra dos browsers -, dizes que o blog é muito escuro e que o branco das letras te fere os olhos,

[Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome...]

Eu gosto de olhar para ti, e ainda bem que não há traductores de pensamentos - será que te apercebes que eu estou a pensar em trezentas e setenta e uma mil coisas quando estamos juntos?

[Ai, eu quero chegar antes, para sinalizar o estar de cada coisa, filtrar seus graus]

Tenho que ir aturar o Santana Lopes.

Este post não tem sentido nenhum...

quarta-feira, agosto 10, 2005

Sabes o que me fez sorrir?

sou eu

Esta sou eu.
Sou eu, com 27 anos - esta vai ser a minha foto oficial dos 27.
Esta sou eu, com uma enorme ruga de expressão na testa de levar a vida a franzir o sobrolho. Esta sou eu, mechas de cabelos brancos a aparecerem por todo o lado; sou eu, com duplo queixo dos quilos a mais que eu sempre tive e sempre terei; esta sou eu com olheiras de quem não dorme como deve de ser há não sei quantas semanas; sou eu, sem maquilhagem nenhuma, sem nenhum milagre de edição do photoshop.
Esta sou eu a sorrir, alguém me apanhou de olhos fechados a sorrir, a noite passada.

E sabes o que me fez sorrir?
A senhora de vestido de batik africano, cabelos brancos, branquíssimos, apanhados numa banana, como a da Kim Novak no Vertigo, a senhora com uma saca de quinze quilos de milho às onze da noite, no Largo de Andaluz, a um passinho da minha Martinha, a dar comida aos pombos - afinal eles chegaram à Rua de Santa Marta, que distraída ando -, ficarmos as três, eu a Carolina e a senhora, uma hora no banquinho do jardim a ver a passarada.

Isto fez-me sorrir assim.

terça-feira, agosto 09, 2005

Fez-se luz

Eu nunca teria sido capaz de colocar os candeeiros sozinha.
O senhor Paulo, amoroso, entre três imperiais e dois bagaços, deu à luz na Martinha, pendurou prateleiras, o dossel da Carolina, os toalheiros e ainda trocou o sentido das portas do frigorífico.
Agora sim, que já só falta haver luz na sala de jantar, parece uma casa...
E como diria o anúncio pindérico do BCP: Aqui vou ser feliz!

segunda-feira, agosto 08, 2005

Folga

As minhas miúdas foram hoje para a casa de correcção - para um reformatório de luxo.
De há uma semana para cá começaram a ter comportamentos estranhos; dois sofás, um pouff e quatro almofadas urinadas depois, eis que fizeram o inaceitável: deixaram um presente na cama da minha filha.

A Magui, especialista em comportamento felino fez o diagnóstico: estão stressadas. "Passam muito tempo sozinhas, estão a chamar a tua atenção". É bem capaz de ter razão, a Drª Magui. Mas são duas, por isso é que eu trouxe duas, deviam entreter-se e deixar-se dessas paranóias de depressões e, raios, eu já nem me importava com os sofás novinhos em folha cheios de pegões das unhas afiadas da Minhoca.

Chamou-se o 112 e as miúdas partiram. A Magui veio buscá-las e, claro, aproveitou a vinda para pôr o esquentador a funcionar (esta minha mãe é a verdadeira handy andy) e, também, em pouco mais de meia hora, lavou a cozinha de um lado ao outro.

As miúdas chegaram a casa da Magui e adoram lá estar. E à minha pala, a Magui tem mais quatro gatas. Sou uma inconsequente.

As miúdas partiram, eu estou triste, a casa está vazia, foram para a escola de etiqueta, para aprenderem a ser umas ladies, para o colégio interno do melhor que há, mas eu não tenho ilusões: não voltam. Eu ainda propus à Magui que elas viessem aos fins-de-semana, mas ela torceu o nariz a uma muito moderna custódia partilhada.

Tento acreditar nesta história do stress, mas tenho receio que nem gatos consigam viver comigo.

Bem, ao menos, o senhor holandês pode passar a vir cá a casa sem ter que se enfrascar em anti-histamínicos...

domingo, agosto 07, 2005

Sete mil

A visita sete mil pertence à minha querida Qui Qui.
Fico muito contente.
Sete é o número da sorte.

Obrigada João

[Ao ip 83.240 qualquer coisa, que já veio aqui três vezes para ver as novidades. O primeiro dia de piquete ao fim-de-semana que se desejava calmo, a ouvir Tiersen, e a encher este blog de linhas não foi fácil: carrilhadas, carmonisses e algas na Caparica destruíram uma belíssima tarde de inspiração literária.]

Vejamos se os dias são mesmo à noite, como eu tanto apregoo.


Depois de ter escrito estas primeiras linhas, fui adormecer a minha filha - deitei-me ao lado dela e, em menos de dois minutos, ela estava a sonhar sonhos bons que a faziam sorrir. E deixei-me por lá ficar, ao seu lado, de mãos dadas com o anjo loiro com dentes de mentirosa, a absorver a paz que ela me traz.

Eventualmente, adormeci também. Dois minutos também, não mais, a ouvir a caixa de música que projecta estrelinhas no tecto alto da Martinha.

A ouvir a caixa de música e a separar os sons na minha cabeça. Eu adoro a polifonia. Eu desconjunto sempre qualquer melodia que oiço: separo a voz, a guitarra, o baixo, a bateria, o piano, o acordeão e este post era, originalmente, sobre isto mesmo.

Chamava-se "um, dois, três, um" - um belo compasso -, e eu propunha-me a falar da decisão que tomei hoje: que nem que seja uma gaita de beiços, como disse a Magui quando iamos perto da João XXI, espreitar uma montra onde não há sapatos, mas sim, saxofones, violinos, sanfonas e outros que tais, eu tenho que aprender a tocar um qualquer instrumento musical.

Porque senão, vou passar o resto da minha vida a sentir pena de mim própria, a pensar no quão virtuosa eu com certeza teria sido.

Expliquei isto à Magui, que não é mais uma comichisse minha, passei a mão pelo cabelo, soltaram-se dezenas e dezenas de fios, estendi o braço, abri a mão para a minha mãe ver os restos mortais e disse-lhe: "Eu não estou bem".

E não é que eu precisasse de provas, sei que não estou bem, como diz a minha Cat Gato Pardo, topa-se a milhas que não estou bem, mas o senhor meu cabelo decidiu dar um alerta um pouco mais visível, o senhor meu cabelo sabe que me afecta, que eu me orgulho muito dele, que gosto dos olhares de inveja, que sorrio sempre que uma ressaviada diz "devias cortar o cabelo", o senhor meu cabelo decidiu começar a cair aos cachos desde a semana passada, entupindo o Rolls Royce da Magui e eu bem caladinha a pensar: pode ser que passe, amanhã já não cai tanto, é o stress.

O post na minha cabeça, a música da caixinha de música na minha cabeça, mas eu a sair do quarto da Carolina sem coragem para escrever nada - com vontade de publicar apenas um pedido de desculpas ao ip 83.240 pela falta de material.

Mas nem isso: salvei o post em draft, fui-me deitar.
Adormeci quase instantaneamente. Sonhei com a pessoa do costume, acordei com as melgas. Fui buscar o repelente electrónico, enfiei-o na tomada, adormeci outra vez, mas nem dez minutos depois, o cabrão do rafeiro arraçado de doberman do prédio da frente a latir como se o estivessem a matar, voltas e voltas na cama e nisto toca o telefone, João Cortesão no visor, e do outro lado, Ben Harper, Please Bleed, directamente da Zambujeira.
Desatei logo a chorar, a chorar de alegria, porque, efectivamente, não há dúvida, os dias são à noite e, à uma e trinta e oito da manhã, alguém se lembra de me pôr na Zambujeira,

e eu queria tanto estar lá, a chorar baba e ranho, a ouvir a faixa nº 5 do CD que tu gravaste, senhor da guique, e dedicaste assim - o CD está no carro, mas eu nem preciso de o ver, anda em repeat, a Magui já me implora nova música, mas não dá, saltito da 5 para a 12 - "para a mãe da minha sobrinha e madrinha do casamento".

"Achei que ias gostar", manda o João por sms e eu não gostei, eu amei, tive que vir ligar o computador e dizer-te obrigada.

E quanto a nós, mais que não seja, valeu pelo Ben. E pela história dos sorrisos.

sábado, agosto 06, 2005

Safari - post semi geek

Eu acho tanta piada, agora, um Safari a pairar, várias vezes por dia, neste blog.
Até aos fins-de-semana? Da santa terrinha? Com uma grandessíssima ressaca?
Fico feliz, a sério que fico, e garanto-te que, apesar de ser o mês de pasmaceira, apesar de o número de leitores estar a cair a pique, garanto-te que vou continuar a escrever. Até porque temos fim-de-semana de trabalho no pasquim e à excepção de umas "carrilhadas" não vai haver grande coisa para fazer.

Tenho saudades de um Firefox velhinho. E do Konqueror também, admito.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Banda sonora

Hoje é dia do mais recente do Yann Tiersen, Les Retrouvailles.

A quem possa interessar, ainda a propósito de música, a 2: passa Jack Johnson ao vivo, no Sábado, ao meio dia.

quinta-feira, agosto 04, 2005

Fadinhas e tremoços

tremoco



Meia noite.
Fadinha, como se chama aquele feijão que tomámos junto com a cerveja?
Sms holandês, directo de Amesterdão.
Eu desmaiada a meio da cama, de barriga para baixo, estoirada - desde que me mudei para a Martinha passei a dormir a meio da cama, expandi os meus horizontes, resignei-me: não vai aparecer ninguém para ocupar o lado direito da minha cama e a meio é que está a virtude, parafraseando os meus amados ditados (no Amélie Poulain, uma personagem do Jeunet acredita que quantos mais provérbios populares se sabe, melhor pessoa se é...)
Não vem assinado, é de um número que não conheço, mas eu sei que só há uma pessoa neste mundo que me chama "fadinha" - há uma outra que me chama "meu doce", ou "doce dia", de quem eu tenho muitas, muitas saudades.

"Fadinha, como se chama aquele feijão que nós comemos junto com a cerveja?"

E eu, meia cega, meia atordoada, meia triste por andarem para aí a matar pombos a torto e a direito: Stucky, do que falas? Arrisquei: "pataniscas de bacalhau com arroz de feijão?" (eu levei o Stucky a comer pataniscas na noite em que o mar o trouxe até a mim, uma noite inesquecível, nas esfumaçadas escadinhas perto da Bicaense, podia ser isso...)

"Não... Não te lembras? No porto, da primeira vez... Parecia favas. Num pratinho. Como se fosse amendoins"

Uma tarde maravilhosa na Rocha do Conde de Óbidos, uma hora com o meu marinheiro, a minha fadinha ainda muito pequenina, ainda andava à frente na cadeirinha, costas voltadas para o trânsito, a minha fadinha a dormir e eu aflita para fazer xixi, parada no trânsito em Alcântara.

Tremoços!

Os feijões que o Stucky queria saber como se chamavam, sabe-se lá porquê, na noite holandesa (quererá importar tremoços?), são tremoços!

Eu adoro tremoços. A avó Tóia fazia-me as trançinhas, encaracolava as pontinhas do cabelo, e depois iamos à praça de Alvalade comprar cartuchos de tremoços, na banquinha do senhor goês, que desde sempre se apercebeu que eu também era da terra dele.

A Magui preocupa-se com o aquecimento global. Com os glaciares que estão a derreter. Com o nível do mar que vai subir 60 metros nas próximas décadas. Com a perda do magnetismo da Terra.
A Magui preocupa-se com isto e eu ando angustiada com outras temáticas: qual é o sentido da vida, quantas horas preciso de estar em silêncio para dar em doida (eu acho que é por causa desse silêncio que depois falo demais quando abro a boca).

A Magui não é uma dona de casa qualquer. É uma fada do lar, é pois, mas, apesar da recente adicção nas idiotisses brasileiras do canal GNT, é um poço de sabedoria.
No café da esquina da Gama Barros falámos hoje de tremoços. Ela ainda recorda o cheiro delicioso dos tremoçeiros em flor.

Tremoceiro

Os tremoçeiros em flor, e ela a explicar-me que o tremoçeiro é o melhor fertilizante das terras de agricultura. As raízes do tremoçeiro, ensina-me, têm umas visículas, repletas de nitrogénio.
Os homens de mãos ásperas e calejadas e rosto cortado pelo sol, que cavam a terra, não sabem o que é isso do nitrogénio, mas sabem que a seguir à colheita da batata semeia-se tremoço.
Porque sim.
E quando o tremoçeiro está em flor (que lindas são as flores do tremoço, que raio, eu nem sabia que o tremoço era uma leguminácia, nunca me tinha dado ao trabalho de pensar de onde é que eles vinham), arrancam-se da terra, escava-se valas e enterram-se os tremoçeiros debaixo do solo. Não se deixa o tremoçeiro dar o fruto. Porque senão, as visículas de nitrogénio esvaziam-se.
A Magui sabe tudo. Eu não vos disse que ela sabia tudo?

quarta-feira, agosto 03, 2005

Encontros imediatos do terceiro grau

Encontrar o senhor Vring no semáforo, parado à minha frente, a caminho de casa da Magui ( It's happening again :-) )

Este quintal é amigo dos pombos. Aqui é um santuário, o exílio da passarada.
Serei sempre columbófila.

Sem nome 2

Teimosa.
Se há traço vincado da minha perturbada e inconstante (nunca inconsciente) personalidade é ser teimosa que nem uma mula.
Post sem nome, desapareceste? Porquê e como? Não queres dizer? Não queres reclamar um chorudo resgate? Deixar-me debaixo da porta um bilhetinho escrito, talvez com ameaças à minha integridade física, escrito com letras recortadas de um jornal?
Pois, post sem nome (terás ficado chateado comigo por eu não te ter dado um nome? não sabes que eu tenho um imbróglio judicial por causa de nomes, de apelidos, por ser teimosa que nem uma mula???), eu não te vou dar esse gostinho, podes armar-te em fugitivo de Alcatraz, mas eu reescrevo-te, meto-te atrás das grades da (T)ralha de novo. Teimosa. Não sabias, quando eu te dei vida, que era teimosa?
Não hás-de ficar igual - memória de longa duração é coisa que eu tenho pouco, as doenças degenerativas do sistema nervoso central são o pão nosso de cada dia da minha família, e eu ando gágá; ando gágá desde a anestesia da cesariana da Carolina, ando gágá, por defesa, desde pequenina, porque não vale a pena recordar certas coisas, apaga-se e já está, segue-se em frente - o que não me mata apenas me torna mais forte (ai, os provérbios, que saudade, o mail da guerra dos provérbios é tão pesado que o Gmail se recusa a abri-lo).
Não hás-de ficar igual, porque os posts têm vida própria - não me canso de dizer isto -, por isso é que eu gosto tanto de escrever: gosto de escrever porque sei que há quem me leia - as visitas dos meus leitores às tantas da matina só me fazem querer escrever mais, assim como os pageloads dos madrugadores, aqueles que começam o dia com as minhas paranóias, penso que são vocês, senhores leitores, os responsáveis pelas minhas insónias e produção frenética neste quintal.
Gosto de escrever porque os esqueletos saem do armário, gosto de escrever porque é o que sei fazer melhor na vida (minto: há outra coisa que eu faço melhor, mas adiante), gosto de escrever porque aqui presto homenagem às pessoas que me tocam, aquelas que gostam de mim incondicionalmente, com muitas falhas e algumas virtudes.
O Mário diz que o que eu gosto mesmo é dos holofotes por cima, mas não é bem isso, é uma relação de interdependência, e era uma ideia mesmo bonita, esta minha, esta que me passa agora pela cabeça, que alguém se pudesse apaixonar por mim só pelo que eu escrevo e eu nem tenho um nariz tão grande e tão feio como o do Cyrano, era uma ideia mesmo bonita.
Post sem nome, as linhas produzidas para este blog têm material genético irreprodutível e incorruptível, são imunes a qualquer manipulação, por isso, vais sair diferente.

Vamos lá descobrir as diferenças:

O esquentador continua em greve de chama. Junta-se-lhe os candeeiros bonitos que eu comprei na loja sueca da moda e que continuam a não cumprir a sua função de alumiadores das minhas noites; junta-se-lhe a torneira do lavatório que eu ainda não fui (nem irei, certamente) trocar; junta-se-lhe as molduras que eu tentei pendurar sem sucesso, esburacando sem dó nem piedade as paredes do hall; junta-se-lhes os dois últimos caixotes por desempacotar que jazem, zombies, no meio da cozinha e junta-se-lhes os quadros do Zé Ralha e do meu querido tio José Oliveira (gosto mais dos teus, Zé, e a Carolina também; quando tinha semanas de vida, só se acalmava a olhar para aquela senhora com olhos em bico, tipo Modigliani, pintada em eléctricas cores primárias), hirtos, no chão brilhante de tábua corrida, encostados à parede branca, cansadíssimos de estarem à espera em pé.
O esquentador continua em greve de chama e a casa-de-banho amarelinha da Magui transformou-se no meu balneário privativo.
A Magui não tem uma banheira, tem um Rolls Royce. Imoral é o que me apraz comentar sobre o preço da cabine de hidromassagem que a mim me lembra sempre a cápsula de mutação genética do filme "A Mosca", com o Jeff Golblum.
Mas ela merece. Merece os jactos de água que lhe aliviam as dores nas costas e eu agradeço a sauna e o banho turco que ela nunca usa.
Hoje caguei para a poupança de água, caguei porque li na recém-defunta Capital que até hoje nunca nenhum incendiário foi preso em Portugal (eu sei que isto não tem nada a ver, bom, até tem, poupança de água, seca, incêndios, mas o que eu queria mesmo provar com estas linhas é que este é um país de merda), assim como caguei para a reciclagem no dia em que vi um camião a despejar indiferenciadamente o conteúdo dos ecopontos que os otários dos conscenciosos cidadãos se deram ao trabalho de encher com os seus lixitos meticulosamente separados.
Caguei para os litros e litros de água que desperdiçei, porque a cabine de hidromassagem da Magui é, para mim, um local de reflexão, de grandes ideias, onde muitos dos posts deste quintal nascem, e, foda-se, o que é que se diz?
A inspiração aquática não veio.
Estava a ensopar uma toalha turca com os meus enormes cabelos e a trunfa, mesmo assim, a respingar o chão da casa-de-banho, quando a Magui me viu a chorar. A Magui deve saber.
Ela já perdeu vários amigos, deve saber o que é que se diz. A minha mãe é a mais linda, sabe tudo, arranja tudo, decerto que se já tivesse criado coragem para subir os degraus do calvário que levam até à porta da Martinha, o malfadado esquentador já estava a funcionar.
A Magui deve saber o que é que se diz. Ela chora o Filipe todos os Natais e todos os dias 23 de Julho.
O Filipe foi o grande amor da vida dela. Foi como na canção do Vinicius:

Porque foste na vida
A última esperança
Encontrar-te me fez criança
Porque já eras meu
sem eu saber sequer
Porque és o meu homem
e eu tua mulher
Porque tu me chegaste
sem me dizeres que vinhas
E tuas mãos foram minhas
com calma
Porque foste em minh'alma
Como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser

E o Filipe era um anjo. Tudo teria sido diferente se ela tivesse aceite casar com aquele puto inconsciente, neto de um grande escritor português: a Magui teria sido mais feliz, eu teria tido um pai genial e saberia escrever muito melhor, porque ele contava muitas histórias, tinha uma imaginação louca, mas nenhuma pachorra para as transpôr para o papel. Ele tinha tanto para nos ensinar...

O Filipe lá em casa, a fazer truques de magia, sentado nos sofás que um dia foram laranja e que nessa altura estavam forrados a preto, a fulminar-me com ataques de cócegas, a andar comigo pela casa toda às cavalitas, o Filipe em Viseu, no Montebranco, comigo no Parque, com bigode, sem ele, magro, muito gordo, o Filipe acabadinho de chegar da América, a falar de flores, a falar de cocaína, o Filipe comigo ao colo, na cozinha, o chão amarelo e os armários azuis cobalto, o Filipe: "Casa comigo, Guida!"
A Magui não ficava fodida quando ele lhe chamava Guida, ela detesta Guida, mas o Filipe era inimputável, o Filipe dizia as coisas com meiguisse e charme, vindo da sua boca, podia chamar-lhe Pafúncia que ela não se importava e eu juro que soaria bem, e nós os dois, eu e o Filipe em suspenso, eu a dar-lhe beijinhos, e a Magui nada.

"O que é que se diz, mãmã?"
Não se diz nada. Empresta-se o ombro para chorar e ouve-se as recordações que nos têm para contar".

Esta é para o KAos.

terça-feira, agosto 02, 2005

Curiosidades

O post "sem nome" despareceu do blog. Não sei explicar porquê. Não tenho qualquer "back up" e estou muito triste que tenha desaparecido assim, sem dar água vai nem água vem. Era um post bonito, dedicado a duas pessoas bonitas.
Não deixa de ser curioso. Não deixa de ser muito curioso que o texto que escrevi para o patrão, depois de acabar com a aventura, tenha sido sobre pombos.
Não deixa de ser curioso que o sr Vring me tenha convidado para jantar.
Os socorros mútuos reúnem-se todas as terças-feiras, quer faça chuva, quer faça sol, decretámos hoje, em assembleia geral, perante um maravilhoso bife à cortador no Oh Lacerda.
Obrigada, Andy.

Agosto

Já chegou o meu mês favorito - o mês em que os casalinhos apaixonados decidem dar o nó, parvos, inconscientes, ignorando a sabedoria popular: casar em Agosto dá desgosto.
Tenho saudades das guerras de provérbios. Veio parar à minha secretária no outro dia um dicionário de provérbios portugueses; 800 páginas de grandes verdades, que eu devoro todas as noites, enquanto penso em ti minuto sim, minuto não, - já vou na letra "b" -, já aprendi dezenas de novos ditos, espero apenas uma oportunidade para os usar, acho que não os vou usar contigo nunca mais, mas que se dane: A esperança é a última a morrer, apesar de eu achar que quem espera desespera e não, nunca alcança.

Três horas depois deste último parágrafo, decretei o fim da aventura.
Três horas e meia depois deste último parágrafo, o João Ramos de Almeida desmaiou, teve um AVC.

Agosto chegou, mês de desgosto.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Associação de Socorros Mútuos

Oiço falar desta associação há muitos anos.
A Magui falava dela a toda a hora, falava dela quando se referia ao seu amigo e patrão "Manecas" - suponho que, quando vestia a fatiota de secretária de direcção não lhe chamava Manecas, mas sim sr Manuel Martins -, eu gostava muito do Manecas, lembro-me de uma vez, quando ainda dormia no quarto do Leonardo, numa cama de grades encarnada, lembro-me de dizer à Magui que queria que ele fosse meu pai.
Recordo-me das noitadas em casa dele - apesar de não fazer ideia onde é essa casa que me lembro tão bem -, de fingir que estava a dormir no sofá, de ouvi-los (havia um Dr Uva, um catita, que curioso, lembrar-me do Dr Uva passados mais de vinte anos), a Paula, mulher do Manecas, com enormes cabelos pretos, as gargalhadas, os copos de gin e os whiskeys, as jogatanas de King até de manhãzinha, lembro-me de dormir na cama enorme do Manecas e de uns degrauzinhos (seria um duplex a casa?).
O Manecas e a Magui eram sócios fundadores da Associação de Socorros Mútuos. Eu não percebia o âmbito desta associação, mas agora que já sou "adulta" já faz sentido, e com uma grande cunha familiar lá consegui arranjar o cartão de sócio.
Eu e o senhor Vring andamos numa de socorros mútuos.
Ele agora anda todos os dias pela minha (T)ralha e eu tenho pena de já não escrever para ele, de a musa ser outra. O senhor holandês é inimputável para mim. Fez-me sofrer, fez-me sofrer muito, portou-se mal, portou sim senhora, mas algo me diz (e não, eu não oiço vozes na minha cabeça) que a minha história com o gigante mansinho é superior a tudo isso.
Andamos os dois neura e lá nos amparamos nos maus momentos. E está bem assim, muito bem assim. Que continue assim. Durante muito tempo.