sexta-feira, março 23, 2007

A doutora

A doutora ficou de cabelos em pé, madeixas loiras, brancas, vermelho fogo e castanhas-escuras, um arco-íris capilar e cada cor espetada para seu lado, de costas voltadas como amantes zangados a partilharem a mesma cama. Saída de um divórcio litigioso com convenção antenupcial que cobria até a custódia do papagaio africano que se deliciara a aprender de trás para a frente a última edição do dicionário de calão da Editorial Notícias para combater a agonia dos últimos dez anos de casamento dos seus donos, a doutora vinha com pequenas gotas de suor presas nos riachos das rugas da sua testa, a bufar pelos lados da boca um fumo fininho branco, quase imperceptível à vista humana, e a desgraçada da subserviente funcionária da conservatória não podia ter escolhido pior altura para indagar, a medo, em jeito de pedido de autorização:

Podemos casar estes dois no Jardim da Estrela?

As pupilas dilataram-se e os globos oculares da doutora tiveram ganas de ir dar uma voltinha ao andar de baixo e ver outras vistas sobre a cidade. Os óculos, de meia-lua, hastes encarnadas, desceram o escorrega da cana do nariz e a sobrancelha direita da doutora esticou-se (a testa ficou sem rugas e caiu uma gota de suor em cima da secretária), e a doutora, perplexa, as suas roupas de estilista a caírem com menos graça pelo corpo de girafa abaixo:

Não é digno casar no Jardim da Estrela... Conhecem as nossas salas de casamento? Temos a rubi, a pérola, a cristal...

Não havia verniz para estalar e então estalou um bocadinho da unha do anelar esquerdo da noiva.

Perdão?

Doutora, desculpe-me, a noiva a falar e maravilhada, quase paralisada com a etiqueta do inventário do computador do estado escrita à mão com tinta permanente, e o tapete de rato publicitando os serviços de uma agência funerária, qual é mesmo a diferença de casar numa tenda de uma quinta nos subúrbios que há-de ser fechada mais cedo ou mais tarde pela ASAE, ou na cabine de um avião da TAP, ou sob a areia da praia, e porque é que não é digno casar num dos mais belos jardins de Lisboa?

A doutora cheia de tiques, os olhos a tremerem muito subtilmente, a funcionária atrás dela a esfregar as mãos da nervoseira, um misto de pena de já não ir casar aqueles dois no Jardim da Estrela onde, a própria, há três décadas atrás namorava escondida no Caracol.

Bem, vai ter que nos dizer onde é que na lei diz que não nos podemos casar no Jardim da Estrela.

A doutora viu que não se safava com estes noivos armados em sabichões. Tentou arrasá-los com uma vitória de secretaria.

Bem, então, preciso das licenças emitidas pela autarquia, para começar o processo. Têm um mês.

A licença foi dura de obter. Todos os dias, 21 3912463, está lá, dona Rosinda, novamente Diana Ralha, ai mulher que me parece que já não me caso se não me sai essa licença de ocupação do espaço público... Amanhã? Está bem, eu ligo amanhã às 15h. Todos os dias a mesma coisa, a querida da Dona Rosinda, sempre a mesma resposta, depois a até nos mandou medir o perímetro do coreto, ó raios o perímetro era mesmo como, dois pi ao quadrado?, até que, quase em cima do limite legal, a bem aventurada autorização chega ao tabuleiro do fax.

Tiraram a senha.
A senha dos casamentos ainda não funciona, tem que se tirar uma que também dá para óbitos e a etiqueta do inventário escrita à mão está um pouco mais descolada e o tapete de rato da funerária continua à vista de quem é viciado na realidade. Os livros de registos já não são escritos com bonitas caligrafias a tinta permanente, mas sim, com letras muito redondinhas da funcionária de vinte e poucos anos.
Os divórcios sucedem-se e a doutora continua a vestir uns trapinhos que não se podem compram com o salário de conservador, índice 174. Sentados, à espera da vez, ouve-se a doutora vitoriosa a falar com a funcionária com desdém: Não devem ter conseguido a tempo a licença...
A noiva ouve, porque a noiva ouve tudo, vê tudo, mas não diz nada ao noivo. O painel luminoso chama o número que está impresso na senha verde e os noivos avançam dois passos e sentam-se.

Surpresa (pensa a noiva), estamos aqui.

Ainda agora estávamos a falar de vocês.

Eu sei (pensa a noiva). Fala-se do demónio e aparecem os cornos (acabou por dizer a noiva).

Está aqui a licença, conseguimos.

A doutora bufa, bufa lá de longe sem se mostrar, a funcionária sorri e diz para lhe perdoarem qualquer coisinha que vai ser o seu primeiro casamento fora das salas do edifício da Fontes Pereira de Melo.

O casamento está marcado para as 12h do dia 29 de Abril.

Apareçam.

Carta de demissão (ou vou só ali aprender a tocar piano e já volto)

O raio da velha em São Félix, nós todos encostados em fila indiana junto ao muro de pedra, o Toyota Corolla estacionado na faixa de rodagem em cima da curva de cotovelo, e eu a sonhar com o gemido do portão de ferro a abrir-se, a sonhar com o alpendre da casa do meu avô Oliveira e com o pomar das laranjeiras que não via há tempo demais, e a velha que se fixou em mim e que não me largou, a cara dela craquilhada por entre um lenço preto de viuvez, agarra-me nas mãos, chama-me Magui – e eu tinha uma borbulha na testa, desculpem-me, mas eu tinha catorze anos, mas não era loira como a Magui, que me passou para o sangue os seus olhos azuis –, o raio da velha que há-de martelar-me durante muito tempo, inspeccionou bem as mãos, virou-as e revirou-as (eu já roía as peles quando estava nervosa), e diz assim muito séria, olhos nos olhos do meu tio Manuel:

Ela tem mãos de pianista.

Vinte anos depois de me ensinar a desenhar todas as letras do alfabeto e, seguramente, os mais belos xis de Lisboa, a professora Gertrudes Maria sentada no Luanda, surpreendentemente igual a si própria, como se tivesse sido ontem que me dispensara de fazer os trabalhos de casa para todo o sempre porque me tinham morrido as duas avós, nos olhos, nos olhos muito grandes, as mesmas olheiras negras e o fiel companheiro verde-velha, pintado a pincel por cima das pálpebras e diz-me assim muito séria:

E tu, sempre és pintora como o teu pai?

(o mais surpreendente deste encontro nem foi o lembrar-se, vinte anos depois, que eu queria ser pintora; o mais surpreendente foi lembrar-se que eu amava a cor roxa, que pintava céus e malmequeres roxos com lápis de cera Sino)

Depois, escreve-se um blogue, escreve-se um blogue porque o salário não estica para lá do dia quinze, porque as escadas de um quase bicentenário quarto andar sobre a Duque de Loulé parecem uma via-sacra todos os finais de noite em que se carrega sobre o ombro direito escada acima uma menina com cabelos de ouro, essa sim, que podia ser confundida com a reencarnação da sua avó Magui, e à qual eu disse assim, sem pensar, meia anestesiada e com o ventre aberto a ser costurado pelas mãos hábeis do doutor Moniz:

Ela tem mãos de pianista como a mãe.

Escreve-se um blogue porque a família Pestana, toda a descendência do patriarca João, é preguiçosa e, certamente, tem artroses nos joelhos ou falta de paciência para trepar os sessenta e cinco degraus podres até às assoalhadas de uma casa velha da rua de Santa Marta. E, de repente, escreve-se, escreve-se sem parar até à tendinite, porque as noites são brancas, e matam-se a escrever num teclado branco, enquanto os dias se ganham a dedilhar num teclado preto.

(e o raio da velha, outra vez, com esta coisa das teclas brancas e pretas – ela tem mãos de pianista)

De repente, alguém que todos nós conhecemos bem, alguém de quem temos saudades e a quem eu gabava umas botas de estilo militar, esse alguém escreve (que é coisa muito mais séria do que apenas dizer da boca para fora):

Ela é a melhor escritora.

E porque alguém escreveu isto, a vida muda drasticamente: o raio da velha já não martela tanto, só pontualmente, quando os dias se ganham a escrever no teclado preto ao som de Chopin.

E na madrugada do dia que assinala o começo da Primavera, há trezentos e sessenta e cinco dias, os jardineiros da câmara de Lisboa atarefados a plantar cinquenta mil flores, entretidos com a empreitada entre vasinhos de ciclames e amores-perfeitos, ancinhos e pás pousados na calçada, e cumprindo o destino, nessa mesma madrugada, houve alguém que também se habituara a noites brancas, houve alguém que, perto da Estrela, atrás de um teclado de cor incerta, foi a visita cinquenta mil do tal blogue, apenas porque se escreveu, porque se espalhou que ela era a melhor escritora; e esse alguém, esse um em mil milhões, predispôs-se a ir buscar um dicionário com mais de duzentos anos debaixo de uma roseira, predispôs-se a recolher cartas de amor debaixo dessa mesma flor que ainda se lembra de haver um leão na Estrela.

E a vida ficou mais simples.

A dona Maria continuou a vir buscar-me, ao final da tarde, um exemplar do 24horas para se rir no autocarro depois de uma jornada de trabalho de catorze horas, eu continuei a fazer obituários de prédios bonitos que todos os dias morrem nas imediações da Viriato, a fumar despudoradamente no meu posto de trabalho e a levar, por isso, com as culpas de cancros alheios.
Contei histórias mirabolantes de mendigos de olhos azuis com sorrisos pueris aos quais o Cerejo me ordenou ir entrevistar do alto dos dez centímetros dos meus saltos altos, loucos que encontrei meses depois, com um recorte de jornal junto ao peito, com mil e quinhentos caracteres impressos a bold junto ao peito.
Nos piores dias, fui cantar missas de Mozart no fumódromo e a Anabela chamou-me de rapariga peculiar.
Escutei com atenção, agarrada ao auscultador do telefone, o fabuloso destino do senhor Guilhermino que nunca cheguei a publicar, e o Cerejo continuou a chamar-me “coisinha”. O Adelino disse-me, no corredor, junto à máquina do café, que eu escrevi uma coisa muito bonita e até hoje eu não faço ideia o que foi; a Teresa de Sousa deu-me conselhos de puericultura no elevador, e quando a coisa estava mesmo mesmo a rebentar, quando eu quase não conseguia respirar, entre plenários, greves e rescisões, encontrei um frasquinho de água com sabão na mala e soltei milhares de bolas irisadas ao longo da Andrade Corvo e sorri quando ouvi o nosso louco, o Afonso, a gritar:

A nossa rua está linda!

(mais acima, há algum tempo, no refeitório do Pingo Doce da Tomás Ribeiro, um velhinho também se aproximou de mim com um saco cheio de carcaças e segredou: vou dar pão aos malucos, e eu fiquei muito aliviada de não ter sido presenteada com um pãozinho)

Espera-se tudo a partir de hoje.

Espera-se que o cabelo me cresça até ao rabo, ou que fique todo branco aos trinta e cinco anos, como é o fado dos Ralhas. Espera-se que as Ginkgo Bilobas de Lisboa deitem daqui a vinte anos o fedor a manteiga rançosa que alguma louca vaticinou e teve o privilégio de escrever nas páginas do Público. Espera-se que o António Barreto continue a dar conta da floração dos jacarandás todos os anos em papel de jornal (e, já agora, que haja mais jacarandás em Lisboa). E eu espero mesmo esta: que o prédio da Tudor, na Fontes Pereira de Melo, não se suma na memória, e que seja resgatável apenas no arquivo municipal de fotografia, ou num texto do Público que fala de dragões e pérgulas de rosas. Quem sabe, quem poderá saber, se calhar, até se espera que alguém, um dia, sabe-se lá porquê e para quê, encontre um texto de uma jornalista com um apelido estranho, sobre um raro metal precioso chamado paladium.

(e, certamente, espera-se que a Cristina Ferreira continue a aconselhar mocitas em idade fértil a nunca se mudarem para casa dos namorados, porque, mais cedo ou mais tarde, hão-de ficar com uma mão à frente e outra atrás, que a Lurdes Ferreira enxugue, nos próximos anos, as lágrimas de adolescentes traídas pelas suas melhores amigas, que o Paulo Madeira ensine ainda muita gente a pontuar com vírgulas, que a Ana Henriques continue a vir para a redacção sem soutien, que o Cerejo se faça ouvir por toda a redacção quando está a descobrir ao telefone alguma escandaleira, que o Miguel Madeira faça mais uma tatuagem, que o David Clifford improvise serenatas à hora do fecho, que a Lena e a Sandra tenham a pachorra de ensinar alguma garota interessada a paginar as cotações da bolsa, espera-se que alguém se barrique na varanda da Viriato, que o Zé Bento Amaro continue a fazer rimas porcas, que o Tiago não tenha emenda e continue a chamar darling às suas editandas, e que o Pedro Ribeiro seja sempre facilmente contactável no aquário de vidro, com um maço de Pall Mall azul)

Por enquanto, eu só espero aprender a tocar piano.

Até já.

(oito caracteres; oitocentos, umas brevezitas, por cada ano que passei convosco)

sexta-feira, março 09, 2007

O caso bicudo

[Regresso ao dashoboard depois de tantos dias a tratar amigdalites crónicas. saudades e desculpas de mau escrevedor.]


O papel de jornal serve de toalha para a tigela da água do cão (já não digo que é a forra do caixote do gato, porque somos um pais desenvolvido, com areia perfumada no Mini Preço a 70 cêntimos cada cinco quilos), ainda me lembro de estender o espesso Expresso no chão da marquise, e da alegria que era encontrar uma notícia interessante, inadvertidamente, a meio do acto de despejar um quilo de ração para cães gigantes de cu virado para a lua; serve para tanta coisa o papel do jornal, eu sei lá, para acender lareiras (as minhas notícias dão uma chama anil), é raro, mas também ainda vai dando para fazer cartuchos para as castanhas no Outono, quando se esgota o stock de páginas amarelas; serve para fazer trabalhos manuais em papier maché, apesar de o que está mesmo mesmo na berra é o feltro; enfim, o papel de jornal fica largado pelas estações do metro de Lisboa desde que chegaram os gratuitos, e quando ninguém está atento, o papel dá espectáculo também de borla e rodopia em passos meticulosamente coreografados; serve para muita coisa, sobretduo, para sujar as mãos, mas poucos, muito poucos, só uma pequena minoria, cerca de dez mil de acordo com a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas, é que sabem a trabalheira que dá conseguir uma informação digna de ser impressa em papel de jornal.

Três dias. Três dias para confirmar o óbvio (tão prudente, esta jornalista; é por isso que não vai longe; é por isso que lhe faltam no currículo enraivecidos direitos de resposta e processos disciplinares).

Dezenas de telefonemas para o núcleo administrativo de uma força policial de Lisboa: sim, no sábado, cerca das 15h20, um zeloso munícipe ligou para a esquadra a denunciar um roubo de azulejos arte nova da fachada de um prédio. O prédio e os azulejos são ambos arte nova. Na Estefânia. E para desconversar: Sabia que morou por lá o Fernando Pessoa? Esse mesmo, o poeta, morou por cima da leitaria, onde vivem os sem-abrigo, eu sei que é uma javardeira; no outro dia, urinavam à porta, junto à filinha da paragem do autocarro, e à noite, vimo-los de passagem, iluminados à luz de velas brancas, não vou esquecer aquela imagem, era mesmo bela, mas sim, é uma vergonha, pois é.

Sempre a mesma lenga-lenga: Confirmam? Estiveram lá realmente? O que fizeram ao ladrão de azulejos? Eu tenho fotos do ladrão em flagrante delito... Sim, foi o munícipe que as tirou; o mesmo que jura a pés juntos que lá foram... Só não me sabe dizer a matrícula do vosso carro...

E do outro lado, lá para as bandas da Praça de Espanha, eu bem procuro, eu já vi em toda a parte, mas ninguém sabe nada do roubo dos azulejos.

E ao terceiro dia, o roubo dos azulejos não ressuscitou por entre uma pilha de processos empilhados na secretária do sub-chefe. Ao terceiro dia, o roubo foi confirmado pelo proprietário do prédio onde viveu Pessoa, que também não viu qual era o grande problema ou sacrilégio da pilhagem. Isso é notícia?

Mas a jornalista é boa jornalista, e deu-lhe naquele dia - talvez porque a sua secção tem, hoje em dia, um máximo de três páginas recortadas de publicidade e não há grande coisa para fazer - para ligar uma última vez para o sub-chefe. Era o mínimo. Para agradecer o trabalho inglório.

Imaginara-o perdido por entre labirintos de arquivos poeirentos, com as bochechas vermelhinhas de tanto procurar, nervoso, a enrolar a corrente do telefone pelo indicador esquerdo acima, à procura em todas as extensões de alguém que soubesse, que tivesse pelo menos ouvido falar no roubo dos azulejos; a roer as peles dos dedos aflito por não poder ajudar a jovem jornalista - a jovem jornalista adora estas coisas, deixar-se levar pela imaginação galopante que a sua mãe de olhos azuis lhe deu, mas sabe, porém, que existe uma forte probabilidade de elas só acontecerem, de facto, numa outra galáxia, num mundo muito mais divertido.

E o sub-chefe comoveu-se com tanta amabilidade, os seus colegas costumam ser umas bestas, disse, e ela naquele dia estava cheia de frases feitas na manga encarnada da camisola, disse, é como em tudo, há bons e há maus, mas desculpe, sra. jornalista, não lhe ter conseguido confirmar o roubo, é que andamos aqui todos às voltas com um caso bicudo.

Ele disse bicudo, e os olhos da jovem jornalista brilharam e imaginou um bigodito pontiagudo a crescer na cara do sub-chefe. Deu-lhe corda, porque, afinal, eram ainda cinco da tarde, e não havia nada de melhor para encher as duas únicas breves de 500 caracteres que restavam da edição do dia seguinte.

Conte-me tudo.

Não estava à espera de crimes horrendos, que chegassem com honras de chamada à primeira página do papel de jornal, esperava por algo bizarro, fez figas para que ele lhe dissesse que tinham apreendido uma burra que estava à venda às seis da manhã na Feira da Ladra; já era o quanto baste para que ganhar o dia.

só que era melhor do que podia ter imaginado. O caso bicudo.

Andamos aqui às voltas, com um pittbull que está a ser disputado por dois donos. E agora eu pergunto-lhe: como é que sabemos quem é que é o dono?

E ela, caladinha, não ia estragar a longa conversa telefónica com um e que tal verificar se o animal tem um chip de identificação electrónica?

Interessante... Xiii... Complicado... Conte-me mais...

É como naquela história da Bíblia, mas só que não podemos cortar o cão ao meio para toda a gente ficar feliz... O pior disto tudo, senhora jornalista, é que com esta espera, sabemos lá se o animal já não foi abatido no canil? Sabe como são as regras... Três dias e depois kaput. Mas também lhe digo, ninguém abate um animal de ânimo leve; há para lá muitos funcionários com depressões...

Coitados. Pois é... é um trabalho sujo, mas alguém tem que o fazer... Nem que fosse o último emprego no mundo...

Quanto mais conheço as pessoas mais gosto dos animais... É o que se costuma dizer. Por isso é que eu digo, senhora jornalista, não me canso de dizer isto: quem gosta de animais, tem que tirar fotografias, tem que pedir - a um familiar, por exemplo -, que lhe tirem uma fotografia ao lado do cão ou do gato. Não vale a pena ser só a foto do animal. Há animais parecidos... Se tivéssemos uma foto, o caso estava resolvido...

(não teve coragem, a jovem jornalista, de falar ao sub-chefe nos esquemas pérfidos da mafia dos animais de estimação que sabem o que é a foto-montagem e conhecem os milagres do photoshop. Desligou o telefone com um sorriso nos lábios e foi buscar uma menina loira à escola, lá para os lados do aeroporto)