quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Orquídeas e Pirilampos

[Ao terceiro dia, a Pandilha ressuscitou - foi milagre da santa irmã Lúcia. A primeira "road trip" da Pandilha é rumo a Fátima, em peregrinação. Vamos ao Santuário acender uma vela em forma de coração. Pode ser, arcanjo amigo?]

Os dias têm sido difíceis. As noites, então, nem se fala.
É grande o silêncio, como diz o meu "amigo" Pedro Ayres Magalhães, eu aguardo o milagre, espero, espero... espero o que for preciso, digo a mim própria que Fevereiro é o mês mais pequeno de todos, que podia ser pior, mas onde está a tua voz? Queria ouvir a tua voz, diz a tal melodia em tom menor.
Ontem foi uma noite estranha. Começei por chorar baixinho, sentada no chão do quarto, com as mãos agarradas à cabeça e a cabeça enfiada entre os joelhos, para a Carolina não ouvir, para a Carolina não acordar.
Liguei o computador à procura de um anjo (o Ben Harper perseguiu-me ontem o dia inteiro) e não estava lá quem eu procurava.

Minto.
Estou a mentir com quantos dentes tenho (agora tenho menos quatro dentes do que as pessoas normais, mas até há pouco tempo fazia furor em qualquer consultório dentista a que fosse, tiravam-me o raio x e, segundos depois, o gabinete era inundado de médicos que vinham ver a aberração, a atracção de circo, porque eu tinha não quatro, mas sim, oito dentes do siso. Era muito juízo junto: o doutor Hugo arrancou-mo todo há mais de dois anos - coincide, doutor Hugo! Se calhar, vou processá-lo... O doutor Hugo é um patusco - quis dar umas voltinhas com a menina dos oito dentes do siso, deu-me um papelinho com um número de telemóvel... Parva fui eu em não ligar, o doutor Hugo é muito bonito e charmoso e... casado. Foi por isso que eu não liguei, já me lembro! Afinal, não fui parva: ainda tinha algum do juízo que ele me arrancou dos maxilares).
Liguei o computador, corri o Mac Messenger pré-histórico que o Maique descobriu, "no escuro da net", para os nossos mac's velhinhos e lá estava, online, o senhor da cicatriz no nariz com quem eu sonho acordada não chega sequer a um par de meses (tão pouco???).

Abri a alma, falei demais, esquecendo-me que o sr Tsunami Vring é o veneno, esquecendo-me que não lhe posso pedir que seja o antídoto. Não seria justo.
SMS de SOS para o Maique, nem um minuto depois iniciou a sessão - enfiou a sua vestimenta de cavaleiro andante rapidinho e pôs mãos à obra no salvamento de uma donzela deprimida por causa da sua família Adams, imaginei eu.
Mais uma vez, a conversa fez-me bem - é o poder dos anjos.
De repente, não mais do que de repente, num abrir e fechar de olhos, já não interessava a vergonha e a revolta que eu sentia.

Ri-me alto (não muito alto para não acordar a Carolina e, como apontou o Maique há alguns dias, também numa noite difícil, eu já não me rio como antigamente, ando triste, ele reparou) e falei-lhe de orquídeas e lanternas de pirilampos.
E de Bonsais. De como eles são iguais a um grande amor - de como rquerem cuidados diários, muito mimo, paciência, de como, ao mínimo deslize, eles morrem. Contei-lhe, também, da crença asiática de que apenas boas pessoas conseguem fazer florir as orquídeas.
Revelei-lhe que, durante anos, as minhas orquídeas só davam folhas. Muitas folhas. Mas que, teimosa como sou, nunca desisti de as ver em flor - falei com elas todos os dias, na minha varanda solarenga, e reguei-as com moderação, porque elas gostam disso, de passar um bocadinho de sede, disse-me uma vez a Dona Fátima (a senhora que vende flores numa Praça a céu aberto, ao lado do cinema King, a mulher que todos os anos me arranja amores perfeitos - anda difícil, este ano, ainda não houve amores perfeitos -, que quando a Carolina nasceu mandou-me um amor perfeito pela Magui, que esteve em flor até ao Verão e que só morreu por causa de um ataque vil de cochonilha que veio num dos meus jasmins de Madagáscar. Mas, dizia eu, traz-me amores-perfeitos, porque sabe, a querida Dona Fátima, que eu gosto do simbolismo do nome da plantinha).
Houve um dia, disse ao Maique hoje de madrugada, em que acordei e decidi morrer de tristeza - foi em Fevereiro, agora que me lembro disso . Nessa manhã, fui fumar à janela e, sem querer, espreitei o primeiro botão em flor da minha orquídea rosa, e soube que tudo seria melhor a partir daquele instante.
Tornou-se claro, na altura, apesar de ter os olhos inchados, por chorar ininterruptamente durante três dias, que as orquídeas têm que ser felizes para dar flor. Que a espera é longa - a orquídea rosa esteve quatro anos sem dar flor -, mas a recompensa é um dos milagres mais bonitos da natureza (a primeira flor da minha orquídea rosa está prensada numa página de um livro qualquer, não me recordo, mas sei que a guardei).
Na minha cabeça perturbada de então, houve clarividência suficiente para perceber que esta história bonita feita de orquídeas não se aplica apenas ao reino vegetal. Que a nossa vida é assim, também. Que, quando tudo parece perdido, os nossos esforços decidem brotar inesperadamente.
Eu sei que a minha orquídea rosa me salvou nesse dia. Vesti-me à pressa, pus os óculos escuros na cara deformada pelo choro, dei entrada na urgência de um hospital e expliquei ao médico, que era francês, que estava a morrer de tristeza.
Pensei que ele se risse, que me dissesse que ninguém morre disso, mas, bem pelo contrário, levou o assunto muito a sério e gabou a minha coragem de ter dado entrada numa urgência hospitalar com uma ferida invisível. Uma ferida que não se vê nas TAC, nos raio X, nem mesmo nas ressonâncias magnéticas, mas que era mais grave, disse ele, do que todas pernas e braços partidos que ele tinha atendido nesse dia.
Actualmente, as minhas orquídeas dão-me flores uma vez por ano. O espectáculo começa pela orquídea rosa, no início de Março, depois vem a branca e finalmente as flores miudinhas da arborícola - a mais recente lá em casa (tem apenas dois anos nas minhas mãos). Dão-me tantas, tantas flores que, no ano passado, já ia alto o Agosto e ainda havia orquídeas em flor lá em casa.
Disse ao Miguel que, para além do meu dom para as orquídeas, há mais de um ano que nao perco um bonsai. Que estou preparada para cuidar de um grande amor.
Suspirei.
Acabei a noite a rir, bem disposta, depois de uma lição de botânica, antecedida de um animado "fivesome" cibernético e esquizofrénico entre os membros da Pandilha que passam demasiado tempo em frente a um ecrã de computador.
Ontem foi um presságio de que a Pandilha ia ressuscitar das cinzas.
Hoje, que o amor venceu - a mediocridade afinal tinha só vencido uma batalha e não a guerra -, hoje, tenho esperança.
E vi o nome do Tsunami na capa da minha agenda.

4 comentários:

Anónimo disse...

Eu adoro orquídeas, mas lá em casa só tenho das de plástico. Conheço alguem que diria: isso explica muita coisa.
Mas tenho violetas, de 3 ou quatro cores diferentes, que tb só deram folhas verdes e viçosas durante uns anos, mas depois um dia tb me recompensaram com flores que estão presentes durante todo o ano.
Agora estou à espera de umas "ciclamanes" para pôr na minha secretária nova que marcará um novo percurso na minha vida. Pode ser que também me ajudem a ver se sou ou não capaz.

Dia disse...

Eu não me esqueci dos teus ciclamanes, minha querida. Não tenho é visto nenhuns que me inspirem confiança. Tu sabes que eu acredito que quando salvamos uma planta de uma morte certa (é o que acontece a 90 por cento da vida vegetal comercializada nas grandes superfícies) ela nos recompensa por toda a sua vida. É por isso que a minha casa parece o pantanal!
E eu ando à procura de um ciclamane a gritar SOS...

Anónimo disse...

Para quem não sabe, o que é um ciclamane?

Dia disse...

Para quem não sabe, dêm uma espreitadela aqui, por exemplo:

http://www.compo.es/jardinyhogar/cuidado/temporada/ciclamen/index.asp

escreve-se com "e" e não com "a"

há uma cor a que se chama rosa ciclamen - é um rosa muito escuro, quase violeta...