quinta-feira, setembro 29, 2005

E depois de escrever duas dezenas de milhar de caracteres ainda tive que levar com o choradinho desta tipa

O post foi censurado, porque o JPH e a ASL acham que eu ainda me fodo à brava com ele.

Alfredo. Fim.

O Alfredo já não mora no Largo de Andaluz.
De manhã, o senhor da tasca, que sabe o meu nome, que me trata por tu, e tem umas madeixas loiras na franja, disse-me que o polícia barrigudo chamou a câmara e o Alfredo está algures no canil municipal à espera de ser transformado em sabão.
"Assassino!", gritei eu bem alto, soltando perdigotos para a cara do agente ridículo de bigodinho, que patrulha a rua por causa das obras da EPAL. "Como é que consegue dormir à noite? Não lhe pesa sequer um bocadinho a consciência? Não tem vergonha nessa cara?", continuei eu com um ataque de raiva daqueles que não sentia há muito tempo, de punhos cerrados, olhos a faíscarem. E foi essa mesma, a sua explicação: "O cão ladrava muito; estava raivoso de certeza". E eu aos berros, parecia a doida que diz que a branca foi a melhor coisa que lhe aconteceu na vida, e que na noite passada, qual candidata à junta de freguesia, cumpriu a promessa que havia feito de manhã, que iria voltar a haver água no Chafariz do largo de Andaluz, e eu não sei como ela fez, mas ele está cheio de água, e o homem da tasca a agarrar-me pelo braço, e eu com uma vontade enorme de bater no polícia gordo de cabelo grisalho ensebado, ao mesmo tempo que no meu cérebro martela "Porque é que ele não quis subir para minha casa? Porque é que se armou em vadio?", disparo: "Não há raiva em Lisboa, ò besta quadrada, foi erradicada há muito tempo". E o ridículo, perdão, o agente da autoridade, diz que me leva para a esquadra, que me prende, e eu continuo a dizer disparates, com o peito para a frente bem cheio, como quem diz: vá, prende-me lá, se és homem. E ele claro que não é. Tem medo de cães e de mulheres à beira de um ataque de nervos. Tranquei-me no Idea e chorei copiosamente, lágrimas que não corromperam o rímel à prova de água, chorei desalmadamente com o nariz a tocar no símbolo da Fiat do volante. Não sei quanto tempo lá estive, o suficiente para chegar atrasada à arruada do Carmona.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Subject close to my heart

Tenho pouquíssimo tempo para escrever este post - qualquer coisa como um quarto de hora. Não dá para nada, um post de jeito, um daqueles que se lêem pelo menos duas vezes, demora sempre mais do que uma hora a ser parido, com a ajuda de uns ferros e de umas ventosas.
Gostava de falar do tempo. Da falta dele, aliás.
Voltei a ter dores no estômago e insónias. A roupa está um pouco mais larga, por não ter sequer cinco minutos para emborcar uma merda qualquer hiper-calórica, e essa é a única coisa boa da campanha eleitoral, que não me deixa respirar e que me enegrece os centímetros quadrados de pele que tenho por debaixo dos olhos.
É um óptimo tónico, o excesso de trabalho. Penso nas milhares de tretas que tenho que escrever até ao final da semana, pulo de arruada em arruada, de jantar em jantar, e isto sempre com as mesmas caras (calhou-me uma comitiva de jornalistas sensaborona, sem salero nenhum) - fico num transe hipnótico semi-maquinal: trabalho-casa; casa-trabalho.
Mesmo assim, com a falta de tempo e com duas micro-cassetes para desgravar, lá arquitectei um plano maquievélico para enfrentar um dos meus demónios. Gosto de me testar, de testar os outros, sou muito competitiva, tenho a mania que sou a melhor, mas, em cinco minutos, apercebi-me que ainda não estou curada.
Devia sabê-lo. Na semana passada sonhei com um livro que li há uns bons quatro anos, do australiano Peter Carey, e sonhar em inglês, com um booker prize muito sugestivo de um par amorosos viciados (um obsessivo e outro compulsivo) é sinal de que a cura ainda vai muito longe: "Shall I tell you my idea? (...) It envolves glass - a subject close my heart", começava assim o meu sonho e acabava com esta frase: "It was then she knew he loved her".
Acordei e fui à prateleira buscar o calhamaço de 500 e tal páginas. Demorei uma horita e meia a descobrir o trecho do sonho - um capítulo essencial para toda a trama; é ali que nasce a ideia louca de construir uma catedral em vidro e transportá-la até ao fim do mundo. Li-o e desejei saber escrever como o raio do australiano que tem cara de tarado-geek. A páginas tantas, o narrador diz que não damos a devida atenção aos assuntos que estão perto demais do coração, que não os tratamos como deve de ser.
E eu continuo a pensar no outro senhor mais de três dezenas de vezes por dia; é a primeira imagem quando acordo de manhã, é a última que vejo nitidamente antes de carimbar a entrada no vale dos lençóis (os lençóis desta semana são deliciosos para dormir - algodão egípcio, cor beringela, dão muito bom dormir). E cinco minutos depois de bebericar um café fortíssimo perto da hora do almoço, sei que estou novamente agarrada, e com a sensação estranha, provavelmente injusta e descabida de que devia ser melhor tratada se estou assim tão perto.

Demorou 45 minutos a escrever. Estou ultra-atrasada. Mas quem me tira este blog tira-me uma das poucas alegrias.

terça-feira, setembro 27, 2005

A branca é a melhor coisa que me aconteceu na vida

Eu não sei virar costas e deixar os loucos a falarem sozinhos.
A louca da minha rua quer conversa a toda a hora. Os comerciantes de Santa Marta proibiram-na expressamente de entrar nos seus estabelecimentos e a chinesa deu-lhe um enxerto de porrada por a ter apanhado a roubar shampôs.
Está a ressacar: "A branca é a melhor coisa que me aconteceu na vida", diz-me ela, convicta e com os lábios gretados. Há quatro dias que não se droga, porque não consegue roubar.
O pai é médico, rico, é dono do prédio do Largo de Andaluz. Às vezes prostitui-se, diz-me, enquanto vasculha numa pasta cinzenta fotografias da filha Mariana. Nessa foto a Mariana está ao colo da Mafalda, e a Mafalda tem dez quilos a mais e um grande sorriso aberto na face.
A Mariana é uma criança muito bonita, loirinha. "Às vezes pergunta à avó porque é que uns homens vestidos de preto me levam embora". Ri-se. Diz-me que não larga a droga nem pela filha, que já não há nada a fazer, muda de assunto rapidamente e diz que é cleptomaníaca, que rouba por encomenda - gosta de roubar queijos da serra que revende por cerca de 5 euros.
Está tuberculosa e tem sida. Dou-lhe dois cigarros, despeço-me e digo-lhe que não podemos voltar a falar por causa da minha filha. Ela compreende. Agradece o tabaco e deseja-me um bom dia.

domingo, setembro 25, 2005

Vadio

Alfredo

O Alfredo já está vadio, ganhou-lhe o gosto, pelos passeios e carros disponíveis para mijar a toda a hora do dia e da noite. Esta noite preferiu dormir na rua. Pus-lhe o remédio das pulgas no cachaço, e fiz-lhe a vontade: dorme onde quiseres, cãozito.
Melhor assim, se calhar.
Tenho a dispensa cheia de comida de cão e na carteira trago 4 comprimidos de disparasitante. Se quiseres aparecer sabes onde eu moro. Sabes mesmo. Estavas à porta, como nas noites passadas.
Até lá, és o cão do Largo de Andaluz. Todos gostam de ti. É impossível não gostar de ti.

Alfredo

O Alfedro é o cachorro que está a morrer de tristeza.
Peculiar, esta rua onde eu moro, onde um cachorro se recusa a comer em protesto por ter sido abandonado e uma mulher chupadinha, a meio dos seus trinta anos, dentadura perfeita e branca, de nome Mafalda, veste apenas roupão de turco azul cueca entreaberto, sem mais nada por baixo e explica-me, entre lágrimas de um desepero de quem está prestes a carimbar o passaporte com da vassoura dos doidos varridos, --"Sabes, há determinados limites que nós pomos em causa a nossa sanidade mental".
É a única coisa com lógica que me diz, a Carolina está a dormir dentro do Idea, e o Alfredo vem-me cumprimentar, tento convencê-la a ir para casa, que está frio, mas ela quer tabaco, o Alfredo quer festas, e eu andei a fumar pontas de cigarros Português Suave, não tenho nicotina para a confortar e, enquanto a obrigo a fechar o roupão - "Ainda se constipa, Mafalda" -, não por mim, choca-me a magreza da mulher e o corpo cheio de nódoas negras, mas não é por mim, sinto-me até mais seguro por ter uma louca a guardar a rua, mas os vizinhos estão todos à janela a ver o espectáculo da loucura e ela mostra-me os braços, diz-me que não se droga, eu acredito e o Alfredo ao meu lado, preocupado com a Mafalda, irrequieto e eu matuto, enquanto consolo a doida: levo-te ou não para casa, Alfredo?
Andava meia triste (eu ando sempre triste, aliás, não é novidade). De vez em quando acontece algo que me abre o portão do mundo (o portão do mundo é de ferro forjado trabalhado, com pavões e libelinhas arte-nova) e me dá mais do que eu imaginava ser possível numa só vida. Mas são sempre ilusões, são ilusões bonitas, mas são isso mesmo - bolinhas de sabão irisadas que desaparecem quando as vamos a agarrar.
No final dos meus dias, tudo se resume a uma janela de um programa de chat do Bill Gates e as aventuras de um candidato autárquico, com um terrível problema na pele, pelos bairros mais miseráveis e feios da capital (hoje foi a excepção, porém. Passeámos, aquecidos por um sol que estrelou os meus ombros, entre Belém e a Expo, entre pastéis de nata, quentinhos e estaladiços, polvilhados com canela e açúcar).
E, pronto, como há muito tempo que não acontecia nada digno de registo, eis-me a debater o sentido da vida com uma louca semi-nua, ao mesmo tempo que passo a mão no pelo sedoso de um cão ruivinho, com olhos de Bambi, isto muito perto da meia-noite, instantes antes de eu me transformar em abóbora (ou vampira?).

Confortei a louca, trouxe o cão para casa.

No dia em que eu vos contei, pela primeira vez, a triste história do Alfredo, de ele estar lá em baixo a definhar decepção e melancolia, o cãozito estava mais para lá do que para cá, deitado sem reacção no meio da estrada, com moscas-abutres a avisarem que por ali andava a morte.

"Não te deixo morrer à minha porta", pensava eu enquanto fazia um esforço enorme para levantar o alfredo-vegetal e colocá-lo dentro da bagageira do Idea. O vizinho taberneiro ajudou e todos concordámos que o Alfredo é um lindo cão. Todos concordámos, eu, o taberneiro e os três espectadores da esplanada, que ele só se pode chamar Alfredo (pronuncia-se com sotaque mafioso siciliano)

Decidi levar o cão moribundo ao veterinário. Mas ele ressuscitou, apenas por alguém se ter negado a deixá-lo ali no asfalto, ao Deus dará.
O Alfredo acordou de um coma nessa manhã e pela primeira vez aceitou comida, um quilo de carne picada que a Magui comprou e comeu, também, umas bolachas Maria que eu tinha no carro.
O Alfredo já não comia há muito tempo. Estava em greve de fome. Nesse dia, o Alfredo subiu à Martinha (nunca imaginei que no seu estado de debilidade conseguisse escalar os quatro andares a pique) - um vizinho deixou a porta aberta e ele seguiu-me o rasto até cá acima. Esteve pouco mais de cinco minutos e acho que gostou.

Desde então, tem vindo todos os dias cá acima. Devora latas de salsichas, esvazia-me a dispensa e o congelador. Se eu lhe levo a comida lá abaixo, olha-me com tristeza e suspira. Só come lá em cima, na Martinha. Depois deita-se no hall e dorme uma soneca. Custa-me levá-lo de novo para a rua, depois de lhe servir o jantar.
Mas a tal da dona Prudência, que me tem chateado os cornos todas as noites, adverte: Ralha, não tens vida para ter um cão. As gatas não aguentaram e eram duas. Se tivesses passarocos, decerto se afogariam nos bebouros, de tristeza e solidão; os hamsters teriam ataques cardíacos de tanto correrem na roda com o stress; os peixes suicidar-se-iam saltando para fora do aquário - a puta da Prudência diz-me isto ao ouvido e eu fico triste e desconsolada: "Será que ninguém me atura mesmo?"

O Alfredo está a dormir na sala de jantar e é mesmo um cão muito bonito. Esta noite dorme cá. Vamos lá ver como se porta.

(Portou-se muito bem. A Carolina acordou, viu o "ão ão" no mesmo sítio em que o deixei quando escrevi aquelas linhas e deu-lhe muitos beijinhos na foçinheira - carinhos que ele retribuiu com umas lambidelas que a fizeram rir à gargalhada. Combinei com o Alfredo que vou ser, por enquanto, sua dona em "time-sharing", a Martinha aceitou ser o abrigo nocturno de um cão bonito até eu tomar uma decisão definitiva - a Martinha já tinha servido de asilo nocturno, há coisa de dois meses e picos, e diz que nasceu para ser uma instituição particular de segurança social)

sábado, setembro 24, 2005

No comício

E esta é a foto da noite do Comício (sou a musa dos dois fotógrafos oficiais da campanha), à entrada do Coliseu, com a Broadway aos meus pés!

musa do carmona

Comícios e campanhas

Inauguro aqui um espaço exclusivamente dedicado às deliciosas pérolas que oiço por esta Lisboa fora, de fervorosos apoiantes e de munícipes anónimos que não perdem uma oportunidade de dar um passou bem e um beijinho repenicado ao candidato que farejo como cão da GNR até ao dia 9 de Outubro.

A frase não é de hoje, mas é linda, ouvi-a numa arruada em Campolide, durante esta semana que finda:

"Eu sabia que era o professor; eu tenho uma memória muito fotogénica".

O comício acabou por ser um espectáculo, não pelos discursos políticos, mas sim porque eu e a minha Qui Qui estivemos juntas no Coliseu dos Recreios em trabalho (ela a representar um órgão de comunicação social rival do meu pasquim, mas ninguém reparou).
Apanhei o muito falado táxi 854 da Retalis - o táxi-poeta, um velhote que fala em rimas de pé quebrado (a certa altura já não há pachorra para o homem e para as suas lenga-lengas; é uma espécie de rap saloio, o discurso do senhor) e que adora presentear os seus passageiros com catitas adivinhas (também elas em quadra). Não me tentou impingir o seu livro de poesia naïf (tive pena).

Amanhã vamos ao Sporting em campanha. Vai haver, decerto, grande material para a recém criada secção da "frase do dia"

sexta-feira, setembro 23, 2005

Valores mais altos

Está um dia bonito lá fora. Sei disto porque fui à rua, há cinco horas atrás, entregar a filha ao progenitor e beber a bica na tasca cá da rua.
Está sol e eu tenho um plano de ir para a praia, porque trabalho só pela noite a fora. Vai ser o meu primeiro comício e não tenho a rata aos pulos, confesso. Está quentinho, mas eu estou sentada de pernas cruzadas no sofá laranja, com uma mantinha da mesma cor a cobrir-me as pernas, uma mantinha gira que uma agência de publicidade me enviou como pequeno suborno para comprar uma qualquer notícia breve que eu não sei se escrevi (eu gostava muito do director criativo desta agência e, segundo sei, o tipo deu-se muito bem pela W+K).
Não mexo o cú enorme do sofá, porque estou a namorar à janela do computador. É mais forte do que eu - a vida passa lá fora e eu fico a vê-la passar. É que nesta janela eu tenho alguma importância. Lá fora não sou ninguém.
Amanhã estou mais uma vez a trabalhar, seguindo o rasto do candidadto independente, mas que segundo o líder da distrital do PSD, "tem um coração laranja" - eu já tinha bebido umas imperiais e fiquei a pensar que se calhar era melhor o Carmona ir fazer uma ecografia ao coração, que ter órgãos dessa cor deve ser uma qualquer ictrícia louca - e espero que saia algo menos obsessivo. Agora não dá.

quinta-feira, setembro 22, 2005

Mais coisas do baú da velha

Lá me conseguiram despir - foi um fartote de riso o meu "problema matinal" na lojinha de arranjos, sita numa rua atrás da avenida de Roma e que tem um nome genial: "Expresso da meia rota" (o logótipo não faz juz ao nome).
Antes de ser uma loja de pequenos arranjos de costura, há umas boas décadas atrás, aquela lojinha era uma retrosaria linda - Retrosaria "A Moda", letreiro dos anos 50, impresso no vidro da montra com uma letra muito patusca -, cuja dona era velhinha bonita de cabelos loiros platinados, muito baixinha, óculos de ver ao peito, presos por uma corrente, e que vestia sempre uma bata azul escura.
Eu adorava aquela retrosaria, acho que foi ali que começou a minha tara por botões - eram prateleiras e prateleiras de caixas de sapatos com botões cosidos no cartão, mostruários que me fizeram as delícias durante a minha infância, botões de todos os tamanhos e feitios, todos eles caríssimos, sei disto, porque às vezes, quando lá iamos, pedia à avó Tóia para ela me comprar uma caixa de sapatos cheia de botões e ela explicava-me que não podia, porque eram muito caros, mas levava sempre uma boa meia dúzia de pequeninos, para embelezar as minhas camisas brancas (lembro-me bem de uns com cerejinhas e de outros com a Hello Kitty).
Quando a velhota morreu - tentei, em vão, durante toda a manhã, lembrar-me do nome dela -, ainda lá fui ver se me vendiam os botões para a minha colecção. Deixei um cartão por debaixo da porta com os meus contactos, mas aquilo deve ter parecido muito bizarro aos herdeiros, porque nunca me telefonaram (e era um cartão do pasquim, bonitinho, Diana Ralha, jornalista, enfim, esta profissão tem pouco glamour e reconhecimento - a minha mãe está-me sempre a dizer que para puta e mal paga mais vale ser mulher honrada e eu não lhe dou ouvidos...).
O senhor Zé Manel, que é dono de uma tasca muito tasca em frente ao King, é que engrossou a minha colecção em largos milhares de botões. O sogro tinha uma retrosaria e ele deu-me quilos de botões com o pó dos séculos que lavei, e cataloguei em caixinhas, por cor e por tamanhos.
Ali, nas traseiras da avenida de Roma, não há gente rica nem os betos que frequentam a Mexicana. Há gente velha a viver em condições precárias, tendo como única companheira a solidão; o merceeiro e o taberneiro são os centros de dia desta gente, servem-lhes a bica, levam-lhes o almoço a casa em marmitas de alumínio e as compras que a miserável reforma lhes permite adquirir (a Celestinha dizia-me há tempos que não comia quase nunca carne, porque o dinheiro não chegava, a Celestinha é o Matusalem da Gama Barros, ninguém sabe que idade ela tem, é viúva, não tem filhos nem sobrinhos e hoje deixei a Magui e a Carolina na Conde Sabugosa e tremi ao ver que está uma casa à venda no prédio da Celestinha, provavelmente morreu e antes de ter tempo para arrefer já lá estavam milhentos herdeiros, que não se lembraram dela em vida, mas para reclamar as suas quatro assoalhadas nas traseiras da Avenida de Roma refrescaram a memória - "Esta casa cheira a alho, aqui mora algum espantalho. Esta casa cheira a unto, mora aqui algum defunto", já diz um dos meus provérbios favoritos e, agora, um repto para os leitores: "Esta casa cheira a ganza, mora aqui alguma ..." - completar, enviando sugestões para a caixinha dos comentários).
Ali, onde eu nasci e cresci, ainda é uma pequena aldeia dentro da cidade anónima, todos se conhecem, todos se preocupam com o cancro da Dona Ivone ou a constipação que não passa à D. Marina. E se a Magui não passa no senhor Manel para lhe comprar as hortaliças cortadas pela madrugada, na sua horta (e não custam os balúrdios dos produtos "biológicos" do supermercado, meus amigos, sei que vai dar azo a comentários idiotas, mas os tomates do Manel são os melhores que eu já comi na vida), e não vai buscar os gladíolos e os jarros do seu jardim (para que fique em acta, as minhas flores favoritas são os jarros), o merceeiro magrinho, desdentado e de bigodes fartos, liga-lhe para o telemóvel para saber se está tudo bem.

Afinal hoje tenho Carmona, já estou meia atrasadita e tudo, nunca mais é 9 de Outubro para a minha vida voltar à merda que era.

Things of the arch of the old woman

As coisas do arco da velha continuam a suceder-se. Estou desde ontem à noite a pensar como vou despir o vestido turqueza que tenho no corpo, depois de o seu fecho ter morrido e de se encontrar num rigor mortis tão petrificado, que não se mexe um milímetro para cima ou para baixo.
Quero ver se consego sair do vestido - que é um bom vestido, fica-me lindamente e ainda nem está sujo - rapidamente e se blogo qualquer coisa decente. É que hoje, parece-me, não tenho carmonisses para acompanhar e pode ser que a inspiração bata à porta.
Bem, vou ver se me ponho na alheta (little female garlic), rumo a uma daquelas lojinhas que fazem arranjos na roupa a preços bárbaros, porque o gajedo deixou de saber coser.
Até.

terça-feira, setembro 20, 2005

Um dedo que adivinha

Quando ia à Praça Pasteur "princesar-me" com as bujigangas da avó Zá, que estavam guardadas na última porta do armário do quarto verde hospital, numa caixa de plástico cor de chocolate , ela dizia-me muitas vezes que tinha um dedo que adivinhava. E eu sabia que era verdade.
E esse dedo, o mindinho - e é incrível como eu estou cada vez mais parecida com ela; o levantar da sobrancelha direita, aquele a que tu dizes que eu recorro compulsivamente, chulo literário, é igualzinho ao seu e, apesar de os meus olhos serem bem mais pequenos e mais pestanudos, temos o mesmo estrabismo leve e a mesmíssima expressão perdida no infinito -, esse dedo era mágico e sabia sempre tudo: sabia que o meu anel favorito das princesisses é este que eu uso todos os dias no anelar direito - um tronco de árvore em prata -, sabia que eu gostava de pôr cerejas nas orelhas a fingir que eram brincos (a Magui não me deixava furar as orelhas e não há brincos de mola para criança, aliás, não há brincos de mola ponto final - usaram-se, vagamente, na década de 70; chamava e chama, a Magui, aos furos nas orelhas, de mutilações tribalistas e eu não sabia o que isso era, tinha pouco mais de cinco anos, sabia lá o que era esse palavrão, mas percebia que devia ser algo mau e perverso, pensava nisto mais do que seria desejável para uma criança em idade pré-escolar, matutava, matutava mesmo muito, quase tanto como na questão de quem é que inventou o homem, e questionava-me: se é assim tão proibido e nefasto porque é que, então, ela, as avós e a maioria das mulheres portuguesas têm as orelhas furadas? E já agora, pobre mãezinha, ainda em relação às mutilações tribalistas, ainda achas que a tatuagem que eu tenho nas costas é daquelas que sai com o tempo, ou já te apercebeste, mais de três anos depois, que a libelinha impressa perto das covinhas do final das costas, vai comigo para a tumba?); o dedo adivinho sabia que o sabor dos Sugos que eu mais gostava era o de ananás, sabia de tudo, esse dedo maroto, sabia que a minha cor favorita era o roxo e da minha predilecção por saias que tivessem bolsinhos pequeninos. Sabia onde desencantar uma pantera cor-de-rosa para não desiludir uma pequenina de tranças enormes que acreditava no Pai Natal, que lhe tinha pedido apenas isso no Natal (e um Ferrari Testarossa, mas esse eu pedia sempre), e apesar de não haver panteras cor-de-rosa à venda em Portugal, o dedo desencantou-a, desencantou com a mesma facilidade com que arranjou num aniversário meu, um bébé chorão de olhos azuis e orelhas furadas (a avó Zá comprou dois brincos e furou ela própria a borracha; o bébé chorão chamava-se Ana Teresa).
As minhas avós eram mágicas, não me canso de dizer que eram doces feiticeiras e a minha avó Zá parecia mesmo uma bruxinha, com os seus cabelos meios lilases e tez muito morena.
Quando morreu, a minha avó Zá deixou os seus olhos ao meu pai (de um dia para o outro, ele ganhou o seu olhar, mas como o Zé Ralha não presta eu apoderei-me do olhar da minha avó) e deixou-me a mim esse dedo que adivinha. E as minhas mãos são muito magras e as da avó Zá eram muito gordas e sapudas, mas quando estava a pendurar molduras na parede, há duas noites atrás, reparei como estou a ficar parecida em tudo com ela (quando eu te disse, sei lá quando, que sei como vou ser quando for velha, a resposta não era "chata", chulo literário; era "igual à minha avó Zá")
Eu tenho um dedo que adivinha que me disse que os monossílabos não eram bom sinal. Hoje voltaste a ser mal educado, a deixar uma frase pendurada à janela. Eu não tive contemplações; com o dedo mindinho, o tal que adivinha e que tem ao lado o anel de prata da minha avó Zá, apaguei-te da minha lista num instante. Já nem custa.

Morrer de Tristeza

Na minha rua, para além de passeios estreitinhos esventrados pelas obras da EPAL, e de homens das obras de aspecto duvidoso e palavreado que até a mim me faz corar (é obra: hoje, às oito da matina, um mulatito dizia a um outro, de aspecto libanês: vai levar no cú, filho da puta... Nem abrir buracos tu sabes, ò paneleiro de merda! E o libanês: abrir buracos só se fosse o do teu cú, preto de merda! E trocam estes mimos, em frente aos polícias que disciplinam o trânsito e o estacionamento caótico da rua e dos "engenheiros" da EPAL que coordenam a empreitada, no equivalente ao volume 43 do meu auto-rádio e, assim, toda a vizinhança acorda com este bonito palavreado), mas, na minha rua, para além de picaretas e canos de água a brotarem da terra como que por geração espontânea, há um canito a morrer de tristeza.
Foi abandonado no Largo de Andaluz há pouco mais de uma semana e, desde então, vejo-o definhar, dia após dia. É um animal lindíssimo, entre Retriver e Setter Irlandês, enorme, e tudo me diz que foi para o olho da rua porque não se armou em raquítico e cresceu demais.
Tenho-lhe levado de tudo um pouco que existe na minha dispensa minimalista: bolos, queijo, lasanhas do Lidl, secretos de porco preto, e ele pura e simplesmente se recusa a comer seja o que for. Está em greve de fome, está triste demais, já é um esqueleto ambulante, olhos sem expressão, fica deitado o dia todo ao sol, num montinho de areia das obras da EPAL, não come, não bebe, espera os donos e a morte.
Estou a descongelar hamburgueres e a pensar no que posso fazer. Apetece-me dizer-lhe baixinho, ao ouvido peludo: "Consegues subir e descer quatro andares a pique até à Martinha? Prometes não mijar no chão envernizado? Prometes que não te passas por eu chegar tarde a casa todos os dias? E deixas a Carolina puxar-te o rabo sem retaliar?"
Não sei o que posso fazer. Neste momento, acho que o que ele precisa é de ir ao veterinário...

segunda-feira, setembro 19, 2005

Mais lençóis

Hoje estou muito perturbada, a minha taradisse compulsiva por efemérides só me faz mal.
O que são dois meses? Não é nada... Dá-me vontade de bater com a cabeça contra as paredes, por causa da ridicularia que é esta minha triste história de um amor literário por correspondência que não teve um final feliz de conto de fadas (já tenho quase trinta anos, sou mãe, são requisitos mais do que suficientes para ter juízo). Mas as paredes são de tabique, fragilíssimas, e eu estou a pagar a Martinha às mijinhas, em milhentas prestações até daqui a 49 anos, mais coisa menos coisa, e tenho que estimá-la - já basta o que fiz ontem na parede do hall, a tentar esconder, com molduras de retratos da minha família disfuncional, umas marcas de há dois meses e um dia atrás e, agora, a entrada parece mais um queijo suiço, do que outra coisa qualquer.
Socorri-me, então, de uma pilha de lençóis acabadinhos de sair do estendal. Como não tenho tábua de passar a ferro na Martinha (nem terei; para isso é que eu contratei a engomadoria; só passo lençóis e é quando estou à beira de um ataque de nervos, de um colapso emocional), estendi uma toalha de banho na mesa de vidro temperado que já se queixa de ter muito pouco uso nesta casa - é uma vergonha: desde que me mudei para cá ainda só fiz dois jantares - e passei, desenfreadamente, três jogos de lençóis de casal (o que é uma ridicularia também, porque é que eu tenho uma cama de casal se sou solteira e se continuo a dormir no meu pedaçinho sem ultrapassar as fronteiras para a metade direita da cama, mesmo quando tenho noites agitadas de pesadelos), à procura de alguma paz e clarividência. Nenhuma delas veio, mas os lençóis ficaram impecavelmente passados a ferro.
Amanhã sigo o rasto do "professor" a freguesias sem bairros sociais e com gente menos feia. Até que enfim... Já não posso com urbanizações no âmbito do Programa Especial de Realojamento...

Dois meses

Há dois meses e dezassete horas atrás (and counting) alguém me disse assim: "E se eu desse uma fugida aí (...)?". É uma frase que eu tenho dificuldade em esquecer.

Dois meses depois, já não estou a fazer um destaque de duas páginas sobre os condomínios fechados de Lisboa, "subi" na vida e ando atrás do candidato social democrata à Câmara de Lisboa por onde quer que ele vá - já conheço Chelas como a palma da minha mão, e rio-me quando o senhor diz que quer chamar para ali a classe média.

Dois meses depois, tudo o que resta são momentos.
"Moments lost in time like tears in the rain", diz, prestes a morrer, o andróide Roy, interpretado pelo Rutger Hauer, no "Blade Runner" (um holandês que me fascina há muito mais tempo do que tu, Vring, desde que era pequenina e via compulsivamente o "Lady Hawk", com a Pfeiffer e o Matthew Broderic - tenho que ver se arranjo isto em DVD).

Os andróides Nexus 6 do Blade Runner têm dois tipo de memórias: uma artificial, introduzida pela empresa Tyrell e outra referente a tudo aquilo que, de facto, viveram. É esta última pela qual o andróide Roy chora, antes de soltar uma pomba branca pela noite. E eu também.

97 pageloads às dez da matina

Hoje vamos, de certeza, bater mais um record diário...

domingo, setembro 18, 2005

Domingo no mundo

Domingo.
Dispensaram-me de seguir o Carmona como cão farejador.
Ainda bem, precisava de descansar e o dia não começou da melhor forma: saltou-me um papagaio para cima e devorou-me o braço.
Foi, aliás, um fim-de-semana de marcas corporais. No sábado, ao telefone, a assessorizar, espetei uma tampa de uma caneta na mão esquerda, gritei pelo menos vinte vezes caralho e foda-se com o assessor na linha telefónica, até que uma coleguita me arrancou a tampa para espanto e horror das demais que assitiram ao espectáculo horrendo (não tenho nenhuma explicação lógica para o mistério da tampa perfuradora, as coisas estranhas sucedem-se).

A grande novidade do fim-de-semana é que a minha mãe quer lançar a sua candidatura à presidência da República. Votem na Magui e ela promete mandar todos para o caralho e arranjar um cú novo para toda a gente. Diz a senhora minha mãe que os filhos da puta lá estiveram, as mães deles também, agora estão lá os paneleiros e está na hora das mulheres honradas.

Amanhã há mais.

sábado, setembro 17, 2005

Ainda o mistério alado

A Qui Qui diz que passa tempo demais a pensar nas impressões corporais do ser alado que esbarrou na porta da Estados Unidos (e há uma segunda impressão corporal, também com asas, a mais de 2,5 metros de altura, que eu fotografarei assim que possível) e eu compreendo-a perfeitamente.
Não sei se é coisa das Dianas, mas também não me sai da cabeça o fenómeno quase paranormal, até porque a senhora que faz a limpeza lá no prédio (que é das melhores pessoas do mundo, acreditem) está de férias e o bicharoco ainda está lá para quem o quiser ver.
O manualdedeus estreou-se nos comments neste quintal (seja muito benvindo; este blog, assim como o seu, tem leitores mudos e com uma qualquer parilisia nas mãos que os impede de comentar o que aqui se escreve e eu nem escrevendo sobre sexo consigo encher as caixas que o Blogger disponibiliza para o efeito, mas também já me habituei à plateia silenciosa, espiolho os seus movimentos através do statcounter, comove-me, Andy, que cá tenhas vindo hoje às nove e picos da manhã), e avança com uma explicação que me agrada particularmente, a de um anjo pequenino que atravessou a matéria translúcida do vidro "como se de ar se tratasse".
Gosto de pensar que é o anjo da minha Carolina que anda sempre de vigia por aqueles lados, velando-lhe o sono, afastando os sonhos maus - ele deve ainda estar na Unidade dos Cuidados Intensivos do Hospital de São Miguel arcanjo, algures entre o céu e a terra, porque hoje ela teve muitos pesadelos -, protegendo-a de coisas que eu não vejo, que não dependem mais de mim.
"Anjo da guarda, minha companhia, guarda a minha alma de noite e de dia. Anjo da Guarda, minha companhia, não me desampares, nem de noite, nem de dia" - vocês não imaginam quantas vezes eu, descrente, repeti esta lenga-lenga, no quarto 615 do Hospital Particular de Lisboa, durante três longas madrugadas, a Carolina com horas de vida, o bébé mais bonito de toda a freguesia de São Sebastião da Pedreira, a dormir ao meu lado e eu agarrada ao anjo da guarda de prata que a minha mãe (outra descrente) trouxe para a minha filha no dia em que ela nasceu, dia em de Nossa Senhora da Conceição (faça sol e chuva não, mas choveu o dia inteiro), o anjo preso ao meu pulso com uma fitinha de cetim branca e eu a pedir-lha ajuda e paz nas desventuras.
E ando zangada com Deus, não falamos há muito, mandei cortar a assinatura, rescindi o contrato de prestação de serviços, mas, de vez em quando, sei que ele ainda olha por mim e põe, no meu caminho, anjos de carne-e-osso para me orientarem, para me protegerem, anjos que às vezes têm tatuagens, outras vezes têm mesmo cara de anjos, são perfeitos e irradiam luz (e quando estou com eles, com os que não parecem anjos e com os outros que é de caras que perderam as asas nesta reencarnação, ando sempre à procura de um rasto de penas).
Eu olho para aquele vidro, obsessivamente, e também não me parece ser possível um pombo; os pombos são singelos, não têm aquela corpulência do "desenho" no vidro. E naquele prédio não há ninguém genial (à excepção do meu irmão Leonardo), são todos velhos, mais velhos que sei lá o quê, não é obra de nenhum dos inquilinos da Magui.
Olho para as asas, lindamente impressas, reviradas, perfeitas, agradeço por não ter enlouquecido, de elas estarem lá mesmo, e aceito que não vou desvender o mistério. Seja um anjo. Agrada-me essa imagem. Se calhar os anjos não deixam penas pelo caminho. Ficam impressos nos vidros da porta da nossa casa.


[e deixem-me partilhar esta rima linda de pé-quebrado, com a qual o JBA, me presenteou neste início de tarde: Os peidos saem do cú/ Os pombos dos pombais/ Os pombos voltam sempre/ Os peidos não voltam mais]

sexta-feira, setembro 16, 2005

Pombos na janela

De asas bem abertas

pombo na janela outra vez

pombo na janela

quinta-feira, setembro 15, 2005

Dias assim

O dia de hoje dava um filme.
De terceira categoria.
Já imagino, iluminação à portuguesa, falas mal dobradas, sem coincidirem com a a dança dos lábios dos actores - esses seriam feios, porcos e maus, com guarda roupa pobríssimo -, planos mal paridos, com os microfones a aparecerem na cena, cenários surrealistas, erros de racord a cada minuto - num plano estou de cabelo apanhado com uma banana, noutro com ele solto, encaracolado da humidade, a chegar à tatuagem -, banda sonora pavorosa - que tal Shakira? ou os DZRT? -, argumento inexistente.
O dia de hoje dava um filme, com polícias, com carros a serem rebocados, com insultos a automobilistas e peões, o título podia mesmo ser "Road rage", até tenho medo de sair do pasquim, pegar no Idea e que me caia um bloco de 16 toneladas, ou que ele não esteja no lugar ilegal onde eu o deixei, ou que tenha um papel branco da PSP no pára-brisas, ou um "piercing" amarelo na roda dianteira (marca finíssima de joalharia automóvel, EMEL - empresa merdosa de estacionamento de Lisboa).
Durante toda a semana passada, a semana dos trágicos acontecimentos, voltei a ter sorte ao estacionamento. Sete dias consecutivos a deixar o carro à porta de casa, à porta do jornal, fora das garras da famigerada empresa municipal. Esta semana, voltou o azar, mas a sorte ao amor, cadê, demónio do estacionamento?????
A inspiração está um bocadinho melhor, ontem fiquei horas deitada no chão da Martinha a olhar para o tecto, à procura de uma qualquer coisa para escrever, fiquei ali, cabelos estendidos sobre a madeira envernizada, imagem bonita, digna de filme europeu, com uma qualquer pianada do Nyman - talvez a 15, do Piano, The sacrifice -, ando a fazer contas a vida, ver se consigo viver com menos 107 euros por mês, se abdico totalmente de comprar sapatos e roupa, ou se simplesmente páro de fumar (bastava isso, sim senhora, pode mesmo ser por aí), para no lugar de um quarto de vestir a transbordar (apesar de eu me ter queixado, ainda hoje, que não tinha nada para vestir), ou de uns pulmões negros que se revelararão no próximo raio x toráxico que a minha entidade patronal me mandar fazer

(tinha 21 anos quando fiz o primeiro, e o técnico de disse-me que eu tinha uns pulmões muito bonitos. Eu achei que era um dos piores piropos que poderia ouvir em toda a minha existência; perguntou-me se eu fazia desporto de alta competição, eu ri-me alto, apontei para o diámetro monumental da minha anca e já convencida que era a pior cantada de sempre disse, sem paciência, "Acha???". Mas ele insistiu, "sabe, assim como há pessoas bonitas e feias por fora, também há pessoas feias por dentro". E hoje, uma meia dúzia de frases no meu Gmail, fez-me sentir a pior pessoa de todas, mas tenho uns pulmões bonitos, valha-nos isso, "Canta?", perguntou o técnico daquela clínica privada, e os meus dois pulmões, impressos numa chapa negra, iluminados por uma luz fluorescente, e eu: "Canto, sim". "Está tudo explicado, por isso é que tem estes pulmões belíssimos, concluiu ele),

e se eu conseguir despojar-me de todas essas futilidades de burguesinha tonta, a música que eu oiço desde sempre na minha cabeça passará a ser traduzida pelas minhas mãos. E estes dedos, que sabem de cor o teclado "qwerty", que trazem até vós o que me vai na alma, estes mesmos dedos vão fazê-lo de outra forma - passarei não a ler livros, ou notícias, mas sim pautas, colcheias, breves e semi-breves.
Tenho só que me propor a isto - eu sou boa em tudo o que quiser; e tenho a certeza que seria muito boa na música e, sobretudo, feliz.
Tenho que arranjar os 107 euros. E os outros largos milhares de euros para comprar o instrumento; mas mesmo aí não me consigo decidir: piano, sim, era a primeira opção, estou a imaginar-me a lutar com as variações Goldberg durante meses e meses a fio, a levar à loucura a vizinhança com escalas intermináveis. Mas tenho muito medo que seja tarde demais para o piano.
Guitarra, a mais fácil, a mais barata, a que me permite ir para uma estação de metro bonita e angariar fundos para pagar as aulas.
Violoncelo, um velho sonho, mas só tem piada se conhecesse um triozito de violinos para acompanhar o "baixo" da música clássica.
Acórdeão. Por estar ligado à música tradicional portuguesa e ao Tiersen. Por ser dos instrumentos mais sensuais à face da terra. Por me emocionar sempre que algum puto romeno entra numa carruagem do metro, ou quando um ceguinho arranca harmónicos na Rua Augusta.

O meu chulo literário fica assim, na minha vida, por me ter posto a tocar um instrumento.

Falta decidir qual.
O dinheiro há-de arranjar-se.

A mana mais velha da Martinha

Hoje, fui beber ginjinha caseira à mana mais velha da Martinha, no primeiro andar deste prédio decrépito do Marquês de Pombal.
A mana recebeu-me muito bem, estou bem feliz.

terça-feira, setembro 13, 2005

Os dias - um apanhado sem inspiração

A puta da inspiração foi-se.
Foi-se com os trágicos acontecimentos. Eu já o avisei: vou culpá-lo durante largos meses, por todos os males do mundo e, em particular, do que vai menos bem na minha vida.
É culpado pelo estado crítico da azálea, pois claro, e pela recaída dos olmos da China (sabes, Astride, ainda bem que não me ofereceste o plátano nos meus anos; as folhas deviam estar agora a ficar vermelhas, do Outono que bate à porta, e o plátano morreria de tristeza, era o primeiro a definhar, aposto, porque há uma semana morreu um amor debaixo de um plátano - um amor platónico).
É culpado pelas minhas noites brancas de insónia, pelas unhas e peles roídas do dedo "pai de todos" da mão direita; tem culpas no cartório nas borbulhas irritantes que me nascem na cara; mas naquilo em que o veredicto é inequívoco - guilty of all charges - é de me ter sugado toda a inspiração. Não sobrou nada. Ficou tudo em pantanas.
Não escrevo nada de jeito desde então. Sento-me horas em frente ao computador, aqui, no sofá laranja, de pernas cruzadas, a ouvir o estendal da vizinha de baixo dar gritinhos fininhos de dor, por uma gotinha de óleo lubrificante, e não sai nada.
E os dias têm sido diferentes, em campanha eleitoral, tenho levado um banho de "gente ordinária e suja", como dizia o Álvaro de Campos,

[Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!]



mas não sai nada - o heterónimo do Pessoa já disse tudo por mim, há muitos anos atrás.

Os dias têm sido cheios, tenho falado com o chulo literário estupurado (gosto muito desse comment) todos os dias, como se nada tivesse mudado, digo-lhe às vezes coisas lindas, outras assustadoras, faço-o rir a bandeiras despregadas, mesmo quando ele está impossível de se aturar.
Os dias têm sido bons para mim e agora mesmo bebi leite com groselha, e se fosse há uma semana atrás, eu contava-vos uma história grande e bonita sobre o leite com groselha, falar-vos-ia, provavelmente, também de capilé e grenardine, mas hoje não vai sair nada de jeito, não iria honrar a história, não seria nenhum daqueles posts que se lêem duas vezes seguidas de tão bem escritos que estão.
Os dias têm sido perturbadores, e ontem de madrugada, fui buscar a Carolina a casa da minha mãe, vinda de um jantar de pré-campanha eleitoral, e na porta de vidro do prédio da Magui estavam impressos os corpos e asas abertas de dois pombos que se espatifaram a grande velocidade na porta daquele prédio da Avenida EUA.
Eu pensei que estava a alucinar, juro que pensei, esfreguei os olhos, lembro-me de dizer em voz alta "isto são só manchas de gordura de algum inquilino porco, não são as silhuetas de dois pombos de asas abertas, estás cansada e com sono, é só isso...", o coração a bater alto e rápido e eu a pensar que era ali o momento, estava a passar para o outro lado, e cheguei lá acima em pânico, com medo de estar a enlouquecer, disse à Magui o que tinha visto no vidro, mas ela pensou que eu estava bêbeda ou drogada, não me ligou, não percebeu a minha angústia, limitou-se a disparar que eu sou uma má mãe, que ponho o trabalho à frente da família.
E eu mandei-a para o caralho, agarrei na Carolina e fui para a Martinha, sem saber se eram mesmo os desenhos dos pombos no vidro da porta do prédio, ou se eu estava a ver coisas, se já estava carimbada no meu passaporte a entrada no reino da demência (o carimbo é uma vassoura porque os doidos são varridos), mas hoje ainda lá estam (tento fotografar amanhã) as impressões corporais dos dois bichos, e a Magui, que confirma a minha "visão", ainda tem uma versão mais sinistra: diz que foi alguém que apanhou um pombo morto e o andou a mandar aos vidros da nossa porta. É que é mesmo uma imagem assustadora de tão bem impressa, parece um sudário em versão columbófila, ou um teste psiquiátrico do Rocharch (aqueles dos borrões de tinta negros; neste caso seria borrão de gordura em vidro).
O chulo roubou-me a alegria, roubou-me a inspiração, e este post é só para marcar o ponto, para não perder o jeito, para não perder leitores. É que os escritores não escrevem só quando estão inspirados, têm que se obrigar a isso, levar a prosa como uma profissão (oito horas por dia, durante cinco dias por semana, no mínimo).
Vamos lá ver se isto passa depressa. Espero bem que sim.

Delayed

Com um dia de delay – o moço é do mais pleasure delayer que eu conheci; come os meios da torrada no fim, óbvio –, lá veio uma frase de calibre 38 mm (ainda estou meia atordoada com o disparo)
“Se pudesses, agora tiravas me daqui, nao tiravas?”

As árvores morrem de pé (e sobretudo de tristeza)

Os meus olmos da China (foram comprados para três meninas - a Inês, a Qui Qui e a Cat -, mas nunca foram entregues) são pródigos em morrer e ressuscitar. Já fizeram a brincadeira pelo menos três vezes cá em casa, mas eu só desisto de um bonsai quando ele não reage durante um largo período de tempo, quando o coma se reverte na falência total de todos os seus sinais vitais.
É assim com estas mini-árvores; é assim com tudo: insisto até à última, sou pessimista de natureza, mas das gajinhas com mais esperança à face da terra.
Os olmos da China andavam possessos. Tinham ressuscitado há coisa de um mês e meio, os três ao mesmo tempo, tinham renascido com a felicidade absurda que se viveu nestas quatro paredes. Os meus olmos da China murcharam na semana passada e não foi por falta de água ou mimos. As árvores morrem de pé, mas sobretudo de tristeza. Viram-me chorar demais, sentada no sofá laranja, não gostam de me ver assim por nada deste mundo e decidiram, em conjunto, absorver a minha tristeza. Beberam-na através das suas raízes e, por isso, estão novamente em coma.
Eu sei que eles vão renascer. Porque eu não desisto deles.
Mas hoje, um quarto bonsai, um dos que eu mais gosto, a minha azálea, murchou também. E este é um golpe muito duro.
Estou triste.

Frases que não se devem dizer a quem espartilhou, unilateralmente, uma relação

Há uma forte probabilidade de termos sido feitos um para o outro.

[É elevadíssima a probabilidade do outro lado não responder nada do mesmo calibre]

segunda-feira, setembro 12, 2005

Politiquisses

O cidadão Rogério Guimarães, eleitor nº 6823, da unidade de recenseamento das Caldas da Rainha, comprou um anúncio grandote (e carote, com certeza) nos classificados do pasquim que me paga a renda da casa, para apresentar as suas desculpas a todos os democratas por ter contribuído com o seu voto para a eleição deste Governo (PÚBLICO – 9 de Setembro, caderno Local, página 58, para quem estiver interessado).

Ontem queimei um Domingo de folga a acompanhar o candidato à presidência da câmara de Lisboa que me saiu na rifa, pelos piores bairros de Chelas, e eu e o mano reaccionário discutimos à hora do jantar (para além da questão de que toda a gaja barbuda, gorda, sebenta, a cheirar mal da boca e dos pés, ter namorado e eu, que nem sou uma monstrenga, não – a discussão continuou mais tarde, numa janela à direita do meu monitor, com o meu ex-marido a perguntar-me, out of the blue, se é por eu ter uma filha que os gajos não se aproximam e eu a responder-lhe que não deve ser, é mesmo por minha causa, que os afugento com as minhas maluqueiras; só neste blog é que a minha excentricidade têm legiões de seguidores dependentes), que devia ser instituído um exame de aptidão para o voto.
Estava na Zona I de Chelas (o Carmona não quer que se chame Chelas pelas letras, mas, caro professor, comigo essa treta não pega) e ouvi um senhor de bigode farfalhudo e grandes patilhas dizer que ali, as “gentes”, votam mas é no PCP.
Um elemento do staff do candidato independente apoiado pelo PSD perguntou ao tal senhor de bochechas rosadas - que partilhou com todos que tinha votado numas presidenciais no Soares, porque o “partido” lhe tinha dito para fechar os olhos e votar no PS -, o que é que ele achava do Ruben de Carvalho. O fiel eleitor do PCP respondeu: “Não sei, não conheço”, pensando que o assessor se referia a um outro candidato da oposição. “O meu voto vai para o Jerónimo”, disse com convicção, segundos depois. O colaborador da candidatura de Carmona Rodrigues explicou-lhe, muito educadamente, que o Ruben era o candidato do PCP à Câmara de Lisboa, mas isso não interessava nada ao senhor bonacheirão. Não faz ideia em quem vai votar, mas não há problema.
Os taxistas precisam de ter um Certificado de Aptidão Profissional para conduzirem uma viatura, que lhes custa 200 contos, de cinco em cinco anos. Para além disso têm, como qualquer condutor, que ter a carta – o que implica um exame de código e outro de condução. Eu pago, de dois em dois anos, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas, uma imoralidade para escrever notícias. Os advogados têm o exame da ordem, enfim, os motoristas de pesados são obrigados a fazer testes psicológicos com frequência (talvez não a desejada, anda para aí muito doido), mas para votar basta ter 18 anos. Único requisito.
Não interessa que não saibam o que são as instituições, para que é que se vota, o que é que se está a eleger. Não interessa que nunca se vá votar na vida. O direito ao voto está no código genético, é intocável.
Antes que a esquerda fique com a ratinha aos pulos com este post (espero nunca mais me dar para estes lados; é mesmo só porque me comprometi a não tocar nos trágicos acontecimentos da semana passada), que isto é uma ideia neo-fascista para calar os pobres e os desprotegidos, eu e o mano reaço estamos francamente convictos que a classe média-alta chumbaria em maior percentagem do que a classe média-baixa.
Já estou a ver os tios da Lapa a responderem ao teste americano de múltipla escolha: “Nas legislativas o que é que se elege? 90 por cento responderia o primeiro-ministro. 8,9 por cento optaria pela resposta B - o presidente da república e 1,1 lá acertaria na terceira opção.
E qual é, caros, a resposta certa?

Torradas num fim-de-semana atípico

A tristeza foi-se embora.
Quando estou triste fico assim (este é o auto-retrato da minha tristeza, depois de um banho e do primeiro ataque de choro com soluços da semana, ainda as olheiras, os olhos inchados e o terçolho não tinham desfigurado esta carita laroca profundamente triste; é para mais tarde recordar)

Tristeza

Perdoem os assíduos deste quintal neurótico, mas não consigo ainda escrever como deve de ser.

Este post está em draft há demasiado tempo, já mudou de título e de conteúdo uma boa dúzia de vezes.

A tristeza foi-se e deu lugar a um limbo. Não estou triste. Não estou contente. Não sei como estou, não sei nada sobre o devir. Nada será como dantes, decerto.

Aqui na janela ao lado, dizem-me que não se percebe nada deste blog: "É chulo literário para aqui, para acolá, private messages. Gostava mais quando escrevias histórias fantásticas", queixa-se aquele que foi o grande amor da minha curta existência, algures numa quintarola a poucas dezenas de quilómetros de Lisboa.

O post já está a ganhar vida própria.
Eu digo-lhe, ao senhor assessor meu ex-marido, que não há histórias fantásticas. Eu penso que as vejo, no café, no cabeleireiro, quando vou a conduzir, na rua onde moro, no baú das recordações da minha família invulgar, mas invento-as, é tudo mentira: pinto a merda da realidade de cores primárias berrantes (numa outra encarnação fui expressionista), quando ela é monocromática; escrevo contos bonitos por estas bandas, mas eu sou meia esquizofrénica, não há nada de extraordinário, é apenas uma imaginação demasiado fértil, é apenas fruto de alguém demasiado só, que sonha alto demais, que, invariavelmente, se dá mal.
E apesar de nunca resultar, não mudo, teimosia minha, insisto que não sei ser de outra forma.

Mas os pombos são só pombos, são aves (e não pássaros - isto vai dar um post autónomo, um dia, quando eu tiver paciência e, sobretudo, inspiração) odiadas por 90 por cento da população, e os que toda a gente gosta, os que ninguém chama de ratos com asas (hoje apanhámos um pombo lá em casa, que não passa desta noite, está mesmo muito doente, moribundo, mas lá na casa onde me educaram, defende-se que nenhum ser vivo deve morrer ao frio do sereno da noite - nem um pombo, nem uma ratazana), os pombos-correio, esses, são tratados a pão de ló, estão anilhados, têm dono e cadastro na associação colombófila da área da sua residência.
E os holandeses hão-de continuar a aparecer do lado do oceano, a levar-nos a jantar às terças-feiras, a brincarem com os nossos filhos embriagando os nossos sentidos, irão telefonar de surpresa numa sexta-feira à tarde só para dizerem "hi", mas não haja ilusões: irão, de certeza, desaparecer da mesma forma que apareceram - sem pré-aviso.

Mas este post não era sobre nada disto. Andou na minha cabeça a tarde toda, estava eu em passeio por Chelas profunda com o candidato apoiado pelo PSD (o fim-de-semana foi todo ele atípico e começou muito bem na tarde de sexta-feira com a minha mana pequenina na Martinha em grande gafanhotisse assistida por webcam pelo senhor chulo literário, mas isso fica para outra história).

Este post era sobre torradas.
Os traços gerais da personalidade de uma qualquer pessoa são-nos revelados pela forma como esta come uma torrada. Os sapatos também são o espelho da alma de um ser humano, mas no caso de dependentes da indústria do calçado, como é o caso desta vossa amiga escriba, a coisa torna-se muito mais difícil de analisar, porque eu trato os meus sapatos conforme a sua importância hierárquica, é rebuscado e perturbador, eu sei que sim.

Quatro cantos. Dois meios.
No meio é que está a virtude. Os meios da torrada são uma delícia.
Quem come primeiro os meios não é de se fiar; é precipitado, não sabe esperar pelo que é bom. Faz o que bem lhe dá na telha, está cagando para os outros. Quem come os cantos e guarda o melhor para o fim é pleasure delayer, espera, engole sapos (neste caso cantinhos) se preciso, porque sabe que o melhor está ainda para vir, que vale a pena esperar.
Depois há os equilibrados, que são um bocado chatos de tão previsíveis: comem um meio intercalado por dois cantos. Há também os calculistas, os meio aloucados, que estudam o problema, fazem uns cálculos matemáticos no guardanapo para determinar a sequência lógica pela qual vão comer a torrada.
Durante muito tempo, fui pleasure delayer. Primeiros os cantos. No final os meios.
Agora, mando aparar a torrada. Seis meios.
Sou da pior espécie.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Um seguro

[Adoro a ferramenta do Blogger que me permite escrever posts a partir do Word, sem dar barraca no emprego]

Dás-me um conselho, em jeito de comentário, é sincero, eu sei que estou a fazer uma fita de gaja – e acredita que até tenho nojo de ser tão gaja , mas não é um jogo perigoso. Não é, sargento, o jogo perigoso foi o que cobardemente acabou, com as cartas em cima da mesa, e assim é batota, retirar a aposta depois de se ver o jogo; sabes, eu aposto sempre alto e tinha os quatro ases na mão, mas obrigada na mesma pelo comentário – mais de cem pageloads por dia e ninguém se atreve nunca a comentar (senhores leitores, às vezes fico frustrada, porque eu gosto que falem de mim nem que seja para dizer bem).
E não tenciono publicar tudo o que escrevi para o senhor chulo. Ele tem, na sua posse, material de muito boa qualidade, tem mares de caracteres, suficientes para me chantagear até ao resto dos dias. Felizmente, eu também tenho uma arma, carregada, gosto de pensar que estou vestida com o meu sobretudo à Matrix, de cabedal preto, e que tenho uma Beretta pronta a disparar. Chantagem com chantagem o que é que dá? Merda. E já deu. Com a devida vénia pela apropriação descarada (porque esta não é da minha autoria) não estava a pedir que me amasses; suspeito que não saberias como – qual é a parte desta frase que tu não entendes?
Uma frase. Precisava de uma frase que funcionasse como ponto final. Uma frase que me fizesse chorar com soluços outra vez, uma frase bem salgada para espalhar por cima das feridas feias que ganhei depois de te ter dado o meu melhor. Tive uma dose bem servida. A tua frase serviu pelas duas doses que tinhas prometido para esta semana. Um seguro. O que eu preciso é de ir aos incompetentes da Império-Bonança, ou se calhar aos senhores da Mundial Confiança que em tempos idos, há muitas décadas, protegeram a minha Martinha; está lá a placa linda, encarnada, com uma águia dourada, pregada na porta de entrada –, para me arranjarem um seguro.
Senhores mediadores de seguros, escutem bem, porque eu tenho dinheiro: preciso de um seguro feito à minha medida, como um fato de alfaiate, ou uns sapatos do Blahnik. Um que cubra danos próprios e contra terceiros também. O capital segurado tem que ser ilimitado, não interessa o valor do prémio anual (posso pagar às prestações?); eu quero um seguro que morra de velho, um que me proteja quando sou esquartejada, um que me resgate dos escombros, que arrume a casa, quando por lá passou um vendaval.

[
Kaboom! Acaba aqui esta história. É o último post em si inspirada. Eu avisei que se me magoavas arranjava umas frases más, cruéis, frias, daquelas que disparam em todos os sentidos e magoam toda a gente. Obrigada, Astride - mediadora de seguros]

terça-feira, setembro 06, 2005

Lençóis

[é demasiado bom para não ser publicado, lamento, deixaste de ter exclusividade. Com a devida censura, aqui fica]

Deixa-me contar-te o que eu descobri em três horas de meditação profunda, com um ferro de engomar na mão direita e uma pilha de lençóis interminável à minha esquerda.
Quando estou puta da vida, quando algo me atormenta, me tira horas de sono, me persegue todo o dia sem eu desejar, não há nada que me traga mais paz do que passar lençóis a ferro (há outras alternativas mais prazeirosas que me sossegam a alma também, não fiques a achar que eu sou louca, que já passei a ténue linha de que eu falo no post dos loucos).
Lençóis. Não é camisas nem calças. Só aqueles enormes pedaços de tecido, que no meu caso, são sempre brancos e bordados à mão pela minha querida mãezinha, quando a ensinaram a ser uma boa esposa e fada do lar, nos vários colégios internos de freiras católicas que ela frequentou e de onde foi, inevitavelmente expulsa, de todos eles, sem excepção (um dia conto-te, a ti, ou ao blog, as tropelias da Magui).
Sossega-me mesmo muito passar o ferro a escaldar e a bufar vapor de água nos vincos e vê-los a desaparecer como que por magia.
Quando eu era pequenita e tinha aquele ar doce doce e meiguinho da foto que está no blog, já me tranquilizava ver a minha avó Tóia a passar a ferro catrefadas de lençóis. A avó Tóia tinha uma máquina, uma coisa industrial, gigante, dois cilindros que amachucavam os panos onde nós descansamos os corpos cansados, uma geringonça que montava no meio da sala e onde passava tardes inteiras, sentada, a deitar abaixo pilhas e pilhas de lençóis (eram, sobretudo, de flanela e tinham uns padrões muito seventies; recordo-me de ir aos armazéns do Conde Barão de Viseu comprar lençóis e cobertores, foi nesse armazém, no último Verão da minha avó Tóia, que eu aprendi que cor era o beige e o bordeaux - e vou trancar aqui o fantasma do Natal passado, porque já me estou a lembrar de uns mocassins lindos que ela me comprou nesse dia, com berloques, eram o número 33, que memória a minha...).

A Magui não se cansou de me chamar de tonta: "Está um dia tão bonito lá fora, vai passear com a Carolina, vai comer uma Conchanata com quatro bolas de gelado de nata, como tu gostas, à avenida da Igreja, por debaixo da vinha virgem da esplanada da geladaria, filha, ontem estiveste a trabalhar até às tantas, porque não vais sair um pouco?"
E eu: "Mami querida, preciso de matutar numa coisa, deixa-me em paz com os meus lençóis, que eu preciso de saber o que quero do meu chulo literário, sabes, mãezinha, não há melhor remédio que lençóis enrodilhados para todas as respostas surgirem a meio de um vinco que deixou de ser..."
E ela, transtornada pela minha veia de fada do lar - a Magui criou-me burguesinha, não quer que as minhas mãos tenham calos da esfregona como as dela, sabe que tenho unhas frágeis, incompatíveis com esfregões -, tentou chamar-me à razão, lembrando-me: "Tu pagas à empresa para te passar a ferro...." E eu, imparável: "Não faz mal, na pior das hipóteses fico com crédito de peças para Outubro".
E lá a calei quando lhe disse que, assim que a meditação sobre o meu amor literário, induzida pelo calor do vapor acabasse, limpava o aquário - promessa que já vinha de há quase seis meses.

Primeiro lençol, o meu favorito: flores bordadas a linha de seda castanha, crivos, bainhas abertas (que bem que a minha mãe borda): "O que é que eu quero dele?". Dobra em dois, passa de um lado, do outro, insiste nos vincos mais rebeldes, vapor no máximo, e nada... Dobra em quatro, passa o ferro para acachapar o tecido, vai para o tabuleiro. As fronhas que eu mancho com o rímel das pestanas que esqueço de tirar à noite antes de me ir deitar, passadas em dois tempos, tabuleiro com elas também.
Segundo jogo de lençóis, da Carolina, verde fluorescente, rapidinhos de passar: "Passar um bom bocado? Fuck Buddy? Nã...". Dobra, vira, revira, vão lá para cima dos outros.
Mais uns da Magui, bordados com margaridas a cinzento clarinho: “Quero que seja meu namorado?”. Vapor no máximo, enche o depósito que já não tem água, “Talvez, mas não é bem isto”. Dobra em dois, e noutros dois e mais dois. Já está.
Próximo: rendas de bilros aplicadas em linho tecido pela minha bisavó Carolina - meu Deus, as coisas que a minha mãe sabe fazer: bilros... -, penso quanto valerá um lençol daqueles, é incalculável, para mim: “Eu quero intimidade. Quero saber quantas formas de rir ele tem, quero saber como ele é quando está rabugento, se tem bom ou mau acordar, quero saber o mapa do seu corpo de cor, quero entrar na sua cabeça e saber o que é ele tem “penado” sobre nós, quero falar de banalidades ao almoço, quero saber que o irrita, ao jantar, quero beijar cada centímetro quadrado da sua pele, quero senti-lo dentro de mim".

Quero muita coisa e não sei se mas podes dar.
Intimidade. Estes mails são intimidade. Pode haver intimidade assim. E se não sabes escrever, se não queres escrever, se não podes estar comigo (e eu percebo isso e não estou a pressionar, caralho!) dá-me algo, faz um boneco, diz um disparate qualquer, arranja cinco minutos, inventa, surpreende-me, porque se eu te dou o meu melhor, tu tens que me pagar com a mesma moeda. E, assim, eu saberei que conto na tua vida. Caso contrário, não vale a pena

Bom dia, querido, desculpa o lençol sobre os lençóis.

[Horas depois levava uma tampa por escrito. Tinha mesmo que ser por escrito.]

segunda-feira, setembro 05, 2005

Luto

[Post retocado na manhã de terça-feira, porque, caros, isto de escrever posts a chorar, para além de dar terçolhos monumentais - são dez e quarenta da manhã e eu já ouvi do taberneiro, do taxista e da segurança que estou com mau aspecto, que nem pareço eu - não dá grande resultado]

O fenómeno está bem documentado e ensinou-mo o professor charmoso de Teorias Sociais e Comunicação, no primeiro ano da faculdade.

O corte de cabelo é um dos sinais exteriores de luto mais poderosos de todo o mundo, desde que o tal do mundo se lembra de ser gente.

Tranças
(Estas são as minhas tranças de luto, aos 14 e aos 19 anos)

Os elementos da tribo guarani Bororo, pela ocasião de luto por um parente próximo, cortam os cabelos e deixam crescê-los ao deus (está sem minúscula, porque eu estou muito zangada hoje) dará, durante todo o tempo que dura aquela tristeza auto-inflingida. Os cabelos extirpados são entregues a um representante do defunto que, por sua vez, os dá a uma irmã sua, que tem como missão passá-los a um cunhado, para ele os fiar numa corda. Esta corda pode ser usada como coroa, pelo tal representante do defunto, mas, para tal, uma onça tem que morrer sacrificada. Enquanto os índios não arranjam a onça pintada, podem usar a corda feita de cabelos como pulseira, no antebraço esquerdo.

Os também brasucas Kadiwéu recebem um nome quando nascem e vão acumulando outros tantos aquando das mortes dos seus parentes mais próximos. Durante os ritos funerários, cortam os cabelos negros - aquele que corta o cabelo em sinal de luto é chamado okojege -, mas há uma consolação para o enlutado careca nesta tribo índia: quem perde um parente próximo pode adoptar uma outra pessoa para preencher o lugar do morto, independentemente da idade, do sexo e do grau, ou mesmo da existência de parentesco - o conceito de família desfuncional ser-lhes-à conhecido?

Em África, o culto do cabelo ganha uma dimensão quase sobre-natural.
No século XV, a escravatura é o último grito da moda da humanidade, e os Wolof, Mende, Mandingo e Iorubás são apenas algumas das tribos profundamente "capilares" trazidas para o "Novo Mundo".
O cabelo dessa gente, que vai ser subjugada durante séculos a fio, fala sozinho, é uma linguagem complexa e que poucos sabem traduzir: indica o estado civil, a origem geográfica, a idade, a religião, a posição hierárquica, a riqueza. Enfim, em algumas dessas sociedades, os apelidos podem, inclusive, descobrir-se pelo cabelo (aos Ralhas pode-se fazer o mesmo exercício; eu, porém, não tenho cabelo de Ralha).

Nos Mende, da Serra Leoa, uma mulher só é considerada atraente se tiver uma farta cabeleira.
Andar com o cabelo em desalinho ou sujo é sinal de demência ou imoralidade para esta tribo e, também, para os Wolof, do Senegal (filhinha loira e sempre despenteada, ainda bem que nasceste em Portugal...), que, à partida nunca cortam o cabelo, apenas quando morre um ente querido. Na Nigéria, uma mulher com o cabelo despenteado é porque está de luto.


Cabelo

No filme da minha vida, a Binoche perde o namorado, perde a melhor amiga, está prestes a perder o paciente, convence-se de que é uma maldição para todos os que se aproximam de si [" Imust be a curse. Anybody who loves me, anybody who gets close to me... I must be cursed. Wich is it?] e o que é que faz? Corta as longas melenas à tesourada, numa janela de uma vila italiana abandonada.
É das cenas mais bonitas de todo o filme, que tem, ainda uma outra alusiva à problemática capilar, quando o Kip (o personagem do Ondaatje mais esquartilhado pelo Minguella), desenrola o seu turbante sikh para lavar o monstruoso cabelo. A Hanna leva-lhe azeite, ele não sabe o que fazer com o óleo da oliveira, ela explica-lhe que é para o cabelo, que fica mais bonito, e desabafa, com tristeza, que ainda há pouco tempo tinha assim o cabelo, enorme, como o dele.

Adiante...
O luto é uma prática universal que se baseia na exteriorização da tristeza. Através de abdicações.
Algumas, poucas, mulheres, abdicam de cortar os seus cabelos e deixam-nos crescer, desmesuradamente, em sinal de luto - é o caso da Magui e daquelas velhinhas deliciosas com tranças à Frida Kahlo. Mas a grande maioria adbica do seu cabelo para dar de comer à tristeza. Façam o exercício comigo: quantas mulheres de meia-idade conhecem com cabelos compridos? Muito poucas, não é?

Olha bem para a foto (da Diana Quintela). O meu cabelo hoje estava bem mais bonito. E sossega, não o vou cortar, gosto demasiado dele para o juntar às mechas de tristeza que estão na foto lá de cima.
Mas estou de luto sim.

Fim

No final do dia, resta-me apenas esta consolação - ter dado mais do que podia.

sábado, setembro 03, 2005

Estórias escatológicas de um jornal de referência

No jornal de referência onde eu sou assalariada, pontualmente, há piaçabas, quando alguém lhes dá descanso e não os leva para casa (é gente altruísta esta; há agências de adopção de material de escritório diverso, sediadas nesta delegação de Lisboa). No jornal de referência onde eu trabalho, há piaçabas hoje. Porém, alguém decidiu não os usar. Como é fim-de-semana, só cá estão cinco mulheres (eu incluída). Todas elas não têm cara de quem não usa piaçaba.
Desculpem o nível da conversa, mas há gente muito porca...

A tua música

Ando há uma semanita para falar deste senhor.

Conhecemo-nos no aeroporto de Lisboa, numa madrugada de há três anos atrás (o meu texto saiu a 8 de Setembro de 2002, temos que fazer uma festa para comemorar a efeméride - o que achas?), andava o terceiro maior construtor sul-coreano - depois de uma "falência estratégica" que levou milhares ao desemprego, que incendiou (literalmente) uma cidade, cujo nome era qualquer coisa como Pyong não sei o quê -; dizia eu: andava a Daewoo Motors, que tinha sido comprada por tuta e meia, pelo número um mundial, GM , a tentar provar ao mundo ocidental que não era só uma marca barata; que era uma marca barata, com bom equipamento, boa qualidade e, pasmece, com design (o modelo em causa, que tem um nome muito infeliz no mercado português, Kalos, foi desenhado pelo Giugiaro) e fez o favor de, nessa acção de charme, na Suíça, em Schauffausen, me apresentar ao SGTZ.

Eu era uma miúda, e era também (e sou ainda, provavelmente) a pessoa que mais sabia sobre a Daewoo Motors em Portugal. Quando comecei a escrever no pasquim, agarrei-me às falências da Daewoo e da Bridgestone com unhas e dentes. Com a Daewoo apercebi-me do poder dos media. Escrevi uma breve, 500 caracteres, "picada" de um telex (ainda havia telexes e eram lindos, em papel azul e outros em papel cor-de-rosa) da Reuters, cujo título era Daewoo abre falência. No dia seguinte, a Daewoo Portugal tinha não sei quantos cancelamentos de encomendas de Matiz - o best seller do construtor coreano - e a Daewoo Heavy Industries - que vende retro-escavadoras - também ficou de cabelos em pé, com os seus clientes a telefonarem em massa a desistirem de compras e a questionarem o futuro da manutenção das máquinas em Portugal.
Enfim... As coisas que a minha memória retém (outras, bem mais importantes, apaga sem dó nem piedade).
Eu era uma miúda e ele ainda mais (é um bébé, tem menos dois anos que eu, que ainda sou uma bébé também). E não fazíamos parte do máfia dos jornalistas de carros; fomos imediatamente excluídos. Ainda bem. Foi um dia excelente. Percorremos os campos verdejantes da Suíça, passámos a fronteira alemã, e este senhor foi para um test drive no estrangeiro sem carta de condução, o que roça o inconsciente.
Tenho a noção que contámos as nossas vidas todas um ao outro. Fizemos uma grande parelha condutor/ co-piloto, mas ele achou que eu era uma betinha, confessou-mo há coisa de duas semanas (diz ele que eu falei de malas Louis Vuitton; não me lembro nada disso; lembro-me de me tirares uma foto naquela cascata monstra, lembro-me do castelo, do almoço delicioso, lembro-me do que tinha vestido, da tua cicatriz na testa (é na testa, não é?), que tinhas estudado história, que o teu pai era jornalista, mas não me lembro nada das Vuittons). Curiosamente não falámos de música (que pena...)
Hoje, sei que ele me achou gira (o messenger tem destas coisas; fala-se com um à vontade bestial destas coisas). Eu também o achei muito giro. Chegámos a Lisboa, trocámos telefones e mails, mas nunca mais falámos.
O senhor das "minhas músicas" bateu à minha janela no dia do E-learning. Era tarde já e ele não devia ter ninguém online para falar, decidiu ver como estava a "betinha" que tinha conhecido há três anos. Apanhou-me no preciso momento em que a Qui Qui me introduzia na fina arte da gafanhotisse, via web cam. E ajudou à festa, dando sugestões, rindo à gargalhada com o meu talento natural para a coisa...
No dia seguinte, voltámos a gafanhotar até às tantas, e essa foi mesmo memorável, fica na história: começámos ao mesmo tempo, com a mesma música. Eu em Santa Marta, ele em Benfica. E passámos a noite a mandar mp3 um ao outro, a ouvir música muito distinta, de várias gerações, a falar de Ravi Shankar, a constatar que gostamos do mesmo, que somos uns tolos que adoram música e não sabem tocar nada, e apercebemo-nos nessa noite que perdemos três anos de uma amizade deliciosa, baseada em notas musicais.
Eu oiço música nos posts deste blog. E as palavras não costumam dar música, mas sim, imagens. Ele diz que não sabe tocar nenhum instrumento, mas é mentira - toca o teclado do computador. E este blog fica no ouvido.
Oiçam com os vossos próprios olhos.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Esta noite não consigo (preciso de uma dose)

Não consigo. Tenho um post em draft, uma história longínqua da Magui e do Zé Ralha, mas preciso de uma dose para continuar.
Doem-me as mãos de tanto dedilhar os teclados do Compaq (no jornal) e do Toshiba (aqui na Martinha).
Ganho a vida a escrever. Ganho os amores a escrever. É bonita, a imagem de ganhar o pão nosso de cada dia assim. Agrada-me ainda mais a segunda ilusão, a dos amores por correspondência.
Mas esta noite estou esgotada, não consigo.
Dei demais a esta semana e ela respondeu-me na mesma moeda e elevou a fasquia: deu-me muito, deu-me mais do que eu poderia imaginar, só não me deu o que eu mais queria e o que eu estava à espera (mas nunca é quando eu quero. Hoje a nossa conversa tonta ficou assim gravada, com essa frase).
Esta noite não consigo.
Perdoem.