segunda-feira, novembro 27, 2006

Alcagoitas

Parece que isto aconteceu na divisão criminal da Polícia de Segurança Pública, num barracão junto ao Tejo, onde vagueiam ainda milhares de almas de bacalhaus que ali foram salgados há décadas atrás.
Ela lembra-se da cena algures na Praça de Londres, mas esse cenário é absolutamente impossível, porque eles não estiveram na Praça de Londres, nem nesse dia, nem em dia nenhum.
Isto foi coisa mágica, e fiquemos, então, com a versão do barracão da PSP, e não nos banquinhos do jardim da Praça de Londres, com vista para a Igreja.
Ela devia estar a ler o já muito ultrapassado romance de Elsa Raposo com o professor de surf - a revista já tinha uma semana e a Elsa Raposo já estava a decorar o apartamento no Parque das Nações de um amigo de longa data que se tornou amante de um dia para o outro (ainda nem o laser tinha pagado o nome do professor de surf das suas costas) -, à espera de prestar declarações a propósito de uma notícia que escrevera sobre Óbidos.

A sua metade

pareciam gémeos siameses, onde estava um encontravam o outro, ela gostava de o ter sempre por perto, e à noite, em noites difíceis, já havia poucas noites dessas, mas de vez em quando voltavam a assombrá-la, isto foi um momento muito bonito, ela nem devia estar aqui a reproduzi-lo para a multidão silenciosa e para os brasucas ávidos de saber em que dia é que se monta a árvore de Natal (eu cá acho que é no dia 1 de Dezembro; este ano antecipei-me, mas sempre montámos a árvore no primeiro dia do último mês), ela estava com a cara enterrada na almofada, a chorar baixinho, e murmurou, dá-me a tua mão, não me largues a mão, e dormiram assim a noite toda, sim, tal e qual como siameses

matava a espera, brincando com os sinónimos e com as letras das palavras cruzadas, e perguntou, achou que, obviamente, ela não saberia, lançou: regionalismo algarvio ara amendoins.

Ela respondeu não sei (tinha a mente presa no Tallon, que apesar de ter três filhos com a Catarina Fortunato de Almeida, conseguiu anular o seu casamento), e na fracção de segundo a seguir disse alcagoitas.
Pôs a mão à boca, bateu-lhe, na boca, não ao gémeo siamês, e ele nem podia acreditar que ela tinha encontrado a solução, sem sequer lhe ter dado uma ajuda, que era uma palavra grande que tinha um t e um g.
A questão é que ela nunca ouviu falar em alcagoitas, até hoje, nunca tinha escrito a palavra alcagoita.
Isto saiu-lhe da boca para fora e ela tem quase a certeza que tudo se passou na Praça de Londres.

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