sexta-feira, maio 04, 2007

Quando eu voltar

Quando eu voltar, já que tenho que voltar que seja assim, não peço muito, apenas o quanto baste, como nas receitas do Pantagruel que levam o qb à frente dos condimentos do sal, da pimenta e do piri-piri – que a avenida 5 de Outubro já esteja vestida de azul, que as três centanas e meia de Jacarandás já tenham florido, e se não for pedir muito, eu gostava, eu gostava de entrar, triunfante, outra vez o quanto baste, não mais do que isso, no início da avenida, junto aos terrenos que ainda são da Bragaparques, e que caísse em cima do para-brisas cizentão do Idea, desde Entrecampos e até ao Saldanha, uma chuva de pétalas azuis (valeu a pena, nem que seja, valeu a pena pelo simples facto de eu ter em meu poder, algures num gabinete desenhado pelo Ventura Terra, uma informação da Divisão de Jardins, com o mapa dos Jacarandás de alinhamento de Lisboa, valeu a pena saber que a avenida 5 de Outubro tem 350 jacarandás).

Quando eu voltar, já que tenho que voltar, parece que não tenho outro remédio senão voltar, nada terá mudado, isso tenho a certeza, e espero que o Pedro se tenha lembrado de regar as Orquídeas e que elas tenham guardado alguns botões por abrir para quando eu chegar.

Não muda nada, quando eu voltar. O Centro de Emprego do Conde Redondo há-de estar no mesmo sítio e, decerto, os espanhóis que fotografaram a noiva improvável no eléctrico 28 já passaram os flashes das suas férias em Lisboa no ecrã do seu televisor (não tenho ilusões, já ninguém revela, já ninguém imprime fotografias; ficaremos, no máximo, arquivados num DVD)

Os meus mortos emprestados, continuarão à espera de ser pendurados nas paredes do hall e isso lembra-me, quando eu voltar, que tenho que comprar molduras douradas, barrocas, para os enquadrar.

A outra cinquentona, a que apareceu no Jardim da Estrela no Domingo passado, a que colocou na agenda que dois namorados que mediam o diâmetro do coreto numa noite de Fevereiro se iam casar no dia 29 de Abril de 2007, já terá escrito no Filofax um outro qualquer compromisso surreal ao qual irá aparecer de surpresa.

Se calhar, quando eu voltar, o Miguel da Clara já terá nascido. A Magui há-de continuar a dizer, qual corvo agoirento, que tudo o que está a acontecer são sinais de que o meu casamento está condenado ao fracasso.

Quando eu voltar, nem um segundo mais cedo, nem um segundo mais tarde do que o previsto, que o sol me continue a seguir como detective matreiro contratado por um marido corno. E que a conspiração cósmica e de todos os santos continue o seu curso natural, que a santa Marta vá à frente com o plano impresso em formato broad sheet e que não se esqueça de colocar, na ponta do nariz, os óculos de ver ao perto para que se não lhe escape uma vírgula das indicações do mapa.

Quando eu voltar, vou ter mesmo que voltar, fecho a porta atrás de mim. E depois abro uma janela.

4 comentários:

Anónimo disse...

Não me conheces, mas de repente senti-me um pouco abusadora por ler há tanto tempo os teus dias e nunca ter sequer comentado nada. Talvez por achar que contas (e acontece-te) tudo de forma tão extraordinária que nada de extraordinário me fica para dizer. Ficam pequenas as minhas palavras. Mas hoje, perdida a timidez, não posso deixar de te desejar todo o Universo em forma de felicidade. E que pela janela que agora se abre entre sempre um sol aconchegante e uma brisa de jacarandá.

Um beijo para uma noiva de encantar, de uma noiva também muito recente.

Carrie disse...

Aqui voltaste em grande!
Um beijo

Mary Mary disse...

Quando voltares Lisboa estará a sorrir para ti, os jacarandás não serão preguiçosos e irão florir só para ti. Porque tu mereces tudo. Já lá vão 2 anos que te leio e essa felicidade irradia pelo computador. Salta de cada tecla um sorriso. O teu sorriso...

E quando voltares combinamos um cafézinho porque eu quero dar pessoalmente à noiva mais bonita do coreto do jardim da estrela. :)

Anónimo disse...

Mr. Marley says it all:
Don't worry about a thing, cause
Every little thing is gonna be allright.