quarta-feira, setembro 28, 2005

Subject close to my heart

Tenho pouquíssimo tempo para escrever este post - qualquer coisa como um quarto de hora. Não dá para nada, um post de jeito, um daqueles que se lêem pelo menos duas vezes, demora sempre mais do que uma hora a ser parido, com a ajuda de uns ferros e de umas ventosas.
Gostava de falar do tempo. Da falta dele, aliás.
Voltei a ter dores no estômago e insónias. A roupa está um pouco mais larga, por não ter sequer cinco minutos para emborcar uma merda qualquer hiper-calórica, e essa é a única coisa boa da campanha eleitoral, que não me deixa respirar e que me enegrece os centímetros quadrados de pele que tenho por debaixo dos olhos.
É um óptimo tónico, o excesso de trabalho. Penso nas milhares de tretas que tenho que escrever até ao final da semana, pulo de arruada em arruada, de jantar em jantar, e isto sempre com as mesmas caras (calhou-me uma comitiva de jornalistas sensaborona, sem salero nenhum) - fico num transe hipnótico semi-maquinal: trabalho-casa; casa-trabalho.
Mesmo assim, com a falta de tempo e com duas micro-cassetes para desgravar, lá arquitectei um plano maquievélico para enfrentar um dos meus demónios. Gosto de me testar, de testar os outros, sou muito competitiva, tenho a mania que sou a melhor, mas, em cinco minutos, apercebi-me que ainda não estou curada.
Devia sabê-lo. Na semana passada sonhei com um livro que li há uns bons quatro anos, do australiano Peter Carey, e sonhar em inglês, com um booker prize muito sugestivo de um par amorosos viciados (um obsessivo e outro compulsivo) é sinal de que a cura ainda vai muito longe: "Shall I tell you my idea? (...) It envolves glass - a subject close my heart", começava assim o meu sonho e acabava com esta frase: "It was then she knew he loved her".
Acordei e fui à prateleira buscar o calhamaço de 500 e tal páginas. Demorei uma horita e meia a descobrir o trecho do sonho - um capítulo essencial para toda a trama; é ali que nasce a ideia louca de construir uma catedral em vidro e transportá-la até ao fim do mundo. Li-o e desejei saber escrever como o raio do australiano que tem cara de tarado-geek. A páginas tantas, o narrador diz que não damos a devida atenção aos assuntos que estão perto demais do coração, que não os tratamos como deve de ser.
E eu continuo a pensar no outro senhor mais de três dezenas de vezes por dia; é a primeira imagem quando acordo de manhã, é a última que vejo nitidamente antes de carimbar a entrada no vale dos lençóis (os lençóis desta semana são deliciosos para dormir - algodão egípcio, cor beringela, dão muito bom dormir). E cinco minutos depois de bebericar um café fortíssimo perto da hora do almoço, sei que estou novamente agarrada, e com a sensação estranha, provavelmente injusta e descabida de que devia ser melhor tratada se estou assim tão perto.

Demorou 45 minutos a escrever. Estou ultra-atrasada. Mas quem me tira este blog tira-me uma das poucas alegrias.

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