terça-feira, abril 26, 2005

Mohammed

[Este post tem bolinha encarnada ( encarnada e não vermelha; reparem como eu sou benzoca) no canto superior direito]

Senhor Schindler,
Põe-te a pau: a concorrência desleal não vem só do país onde toda a gente tem os olhos em bico e uma tez amarelada e não afecta apenas os têxteis da comunidade europeia.
Este post esteve em lume brando durante os últimos dias (mil e uma desculpas aos leitores fervorosos deste humilde blog), porque estive a matutar arduamente sobre a possibilidade de o episódio Mohammed ter superado o nosso encontro imediato no elevador laranja.

Deserto de Sharjah.
Safari 4x4 pelas dunas, com um condutor que fala meia dúzia de palavras em inglês e tem uma higiene oral deplorável. Quando estamos a entrar no enorme Jeep, ainda no Garhoud, ele sentencia que eu é que vou no lugar do morto.
Não há discussão: tenho lugar VIP na virtiginosa montanha russa pelos montes e vales de areia do deserto.
Quando a noite cai no deserto e a areia já não queima os pés (fiquei com bolhas nos pezitos, depois de descer uma duna para fazer um xixizinho: "Ai foda-se, foda-se, foda-se! Caraaalhooooooo!", gritava eu, aos pulinhos, duna abaixo, agarrada ao Lourenço, que quase chorava a rir com as minhas figuras) chegamos a um acampamento para estrangeiro ver. Tendas fresquinhas, almofadões no chão, tapetes, muita shisha frutada para fumar, um falcão mixuruca (nem sequer o cheguei a ver), três camelos com açaimes de crochet, tatuagens de henna para as bifas, mulheres gordas, totalmente tapadas a preparem um pão delicioso, uma tendinha para brincar ao Carnaval árabe.
Fomos lá. Para eu vestir a abaia negra, para tapar o rosto e o cabelo.
Foi aí que eu encontrei o Mohammed. Foi ele quem me vestiu o traje que castra as mulheres árabes, a abaia. Foi ele quem me colocou o véu.
A minha história com este Mohammed (há Mohammed's aos pontapés: são os Manéis lá do sítio), que é treinador dos falcões do Sheikh do Dubai (que também se chama Mohammed), e que nos tempos livres é piloto de automóveis potentíssimos, que ele próprio transforma, resume-se ao véu negro transparente com o qual ele me tapou a cara.
Foi uma tarefa difícil, colocar o véu. Tenho cabelo a mais.
Agarrou numa grande madeixa de cabelo e, como quem acaricia o pelo sedoso de um gato, disse: "You have beautiful hair". Três ou quatro dias antes, alguém me tinha dito o mesmo.
Mais tarde, quando eu já tinha as mãos tatuadas de henna, o Mohammed bichanou-me ao ouvido que não devia mostrar a toda a gente o meu cabelo. Que o deveria guardar para alguém especial. (Para o tal, que me disse que o meu cabelo era bonito?, pensei eu...)
O cabelo está vaidoso, agora, ninguém o atura. A minha cabeleira andava cabisbaixa, havia um complot montado, toda a gente sentenciava: tesoura! Agora, depois de dois piropos capilares, vamos adiar a visita ao meu guia espiritual, o meu cabeleireiro gay.
Tive que prender o cabelo com um elástico, domá-lo, para facilitar a tarefa do Mohammed. Numa tenda escura, o árabe moreno de sorriso franco, colado às minhas costas, apertou-me o véu como um espartilho, tapou-me a cara, deixou só os olhos à vista.
Um ritual muito erótico, garanto-vos.
Já de frente para mim, enquanto retocava a posição do véu, e com um pátuá típico de árabe, sorriu e disse: "beautifull eyes too".

"Wait here".
Olhei para o espelho, gostei do que vi.
Percebi imediatamente porque é que os homens metiam conversa comigo na rua em árabe e porque é que as mulheres olhavam com desprezo para o meu cabelo, como quem diz: "Porca! Porque é que estás com o cabelo destapado?"
O Mohammed voltou ao interior da tenda com uma abaia branca, bordada a fio de prata. Insistiu que eu despisse a veste negra que ele acabara de me colocar no corpo para vestir aquela outra.
Despiu-me e vestiu-me mais uma vez (obviamente que eu tinha umas calças e um top por debaixo da abaia; não façam grandes filmes pornográficos, foi tudo muito subtil, muito suave e até respeitador), estava a esconder as pontas do véu negro da cabeça por dentro da túnica branca, quando me acariciou o seio esquerdo.
Abri muito os olhos - a única coisa da minha cara que estava à mostra -, pensei: "foi sem querer, nem deu pelo que acabou de fazer", mas ainda estava a meio deste pensamento, quando o Mohammed me voltou a apalpar a mama.
Não espingardei, disse em português ao Lourenço, que estava uns metros ao meu lado, também a ser vestido de Yasser Arafat, que o árabe me estava a apalpar, rimo-nos alto e foi um dos momentos mais eróticos na minha vida.

Mas, senhor Schindler, continuas à frente.

Nothing compares to you.

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