sexta-feira, agosto 26, 2005

De olhos fechados, o tempo passa mais devagar

De olhos fechados, o tempo passa mais devagar.
Por isso é que sempre que estou contigo fecho os olhos - perco imensa informação, mas ganho tempo. O sentir eleva-se quando estou de olhos bem fechados.

O Tempo fez um pacto, faz já muito tempo, com os amantes.
A troco de nada. Gosta dos amantes. Pede-lhes, em troco, apenas, que fechem os olhos.
E quando as pestanas se colam, o Tempo emite uma ordem aos seus melhores soldados, os segundos, e estes arrastam-se, pachorrentos, como se estivessem muito cansados e com calor; vão dengosos e pesados, aproveitam a primeira sombrinha que encontram na espiral do Tempo, e sentam-se. Eventualmente, se guardaram o papo seco do almoço, dão umas migalhas aos pombos que por ali andam, falam a um outro segundo que passa em câmara lenta e, cujo ritmo de caracol, denuncia que também está de conluio com algum par de amorosos; os segundos são protectores do amor e fazem greve geral aos relógios que os prenderam e condenaram a trabalhos forçados eternos num pulso, num bolso, ou numa torre; convocam uma manifestação no Marquês de Pombal no país do Tempo, para denunciar a situação de exploração laboral milenar de que são vítimas, mas tudo com muita, muita calma.

Os poucos segundos que se rebelam contra as ordens do Tempo (como em tudo, também há segundos do contra), que querem continuar ter o tempo exacto de um segundo, inventam planos maquievélicos para separar os amantes, mas têm um final trágico - ficam colados às pestanas de quem está de olhos bem fechadinhos (por isso, agora reparem se, depois de estarem de olhos fechados, com aqueles que amam, não vos dá para esfregar muito os olhos... São os restos mortais dos segundos que lá ficaram encurralados...).

Nunca, meu querido chulo literário, um número par, me trouxe tanta alegria.

[Lamento, caros leitores, esta é mesmo para não entenderem.]

2 comentários:

Mary Lamb disse...

Releio estes posts e penso em como tudo muda tão depressa, sem nos apercebermos...Como é dificil esquecer a vida com tudo aqui tão transparente...Beijos

Anónimo disse...

“O mundo parou, sem relógios, sem porteiros. Parou simplesmente. Parei com ele. Tantas vezes senti o que nunca tinha sentido, que por momentos acreditei que nascia de novo.” Escrevia eu em Junho, a primeira vez que acreditei que aquele sonho era possível... mas o post nasce com Vinicius (outra vez este gajo!):
“A existência sem ti
é como olhar para um relógio
só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora,
o que dá sentido
e direcção ao tempo.”
Vinicius de Moraes