sexta-feira, outubro 28, 2005

Efémera

[Desculpem qualquer coisa, mas é que eu às vezes tenho que trabalhar e, já vos disse uma vez, os posts deste quintal demoram, em média, uma hora e meia a ser paridos, o meu poder de síntese só funciona quando estou a escrever notícias. Para os mais viciados, a boa notícia: estou de plantão no fim-de-semana, por isso, a escrita ficará em dia, entre amanhã e depois -isto se a dona Inspiração andar entre Picoas e o Marquês de Pombal]

Está quase a fazer um ano que nos conhecemos, atiro eu da cozinha para a sala, viro a cabeça para a direita, dou uma olhadela de soslaio, vejo umas pernas enormes no laranja do sofá e uma loira aos gritinhos histéricos e gargalhadas a dizer "Mais". E nisto, esmago as limas com uma colher de gelado, misturando-as com duas colheres de açúcar mascavado.
Sabes que pensei nisso hoje, diz ele, acho que já com a loira às cavalitas, enquanto se divertem a abrir os armários da cozinha.
Fecho os olhos, guardo aquele momento no meu chip de memória vitalícia. Enternece-me. Faz-me quase dizer como a loira: "Mais!", mas abro os olhos e contenho-me.
Hoje não escrevo o teu nome. Já andam cansados, os leitores, de um nome esquisito, estrangeiro, de um rapaz de nacionalidade norte-europeia.
Eu não me canso de ti.

Fico passada com mudanças de identidade corporativa das empresas. Estudei para ser vendedora da banha da cobra (publicitária, leia-se), devia achar-lhes piada.
A TMN agora é turquesa e em minúsculas. Tenho saudades do hino da Optimus e do "Onde você estiver está lá" da Telecel. Sou avessa à mudança, não se deve mudar o que está bem só porque sim, só porque há um budget para gastar e uns publicitários para alimentar.
O que é isto tem que o cú tem a ver com as calças?
A Vodafone refrescou o seu logótipo, provavelmente a reboque da onda turquesa do operador 96.Ficou mais bonito o logótipo, mas o que eu gosto mesmo é do anúncio lamechas, profundo e enorme (és tu quem compra o espaço para a Vodafone, Mónica?), sobre o sentido da vida, com as efémeras e o seu limitadíssimo prazo de validade: 24 horas.
A loira já está, finalmente, a dormir e eu lamento, já na segunda caipirinha, os amigos distantes, as gmailadas loucas, os almoços no Laçinho. "Foram efémeros", lanças tu pela sala que tem dois Macintosh portáteis ligados, terrivelmente bonitos, o teu prateado e enorme, o meu branquinho e minúsculo, ambos ligados à minha Wireless Internet.
E, na verdade, tu é que devias ter sido efémero. Partiste-me o coração, não devias ser tão meu amigo. Mas já nem me lembrava disso. Hoje reli os arquivos deste blog para me lembrar como foi que doeu tanto quando acordava todos os dias a pensar na tua cicatriz, no teu fato Hugo Boss, da tua Kangoo, dos Gudang fumados em casa de um efémero, dos teus silêncios, das tuas más educações e desprezo.
Mas quis a história recomeçar quando escreveste - era Julho, eu tenho a conversa aqui gravada -, do outro lado do mundo: "Hi, You there?". E eu estava à janela, a fumar ostensivamente, só te respondi que sim passados uns cinco minutos, isto foi depois de eu te ter entrevistado, depois de ter exorcizado todos os meus fantasmas, de te ter dado um enorme raspanete sobre regras a obedecer nas relações humanas (eu, que as esqueço tão amiúde).

Eu nunca escrevi aqui sobre aquele dia.
Tu demoraste-te e eu estive sentada, a tremer em silêncio com uma Moleskine como companhia. Estava em Alfama, fui eu quem escolheu o ponto de encontro (ainda hoje não sei bem porque é que escolhi o Castelo e Alfama, queria estar contigo num sítio bonito, mas as abéculas do Chapitô estavam encerrados), nisto, nem me lembro já como é que perceberam que eu era jornalista, masainda fui em reportagem visitar uma casa bicentenária a ameaçar ruína, com paredes de azulejos pombalinos.
Tu demoraste-te e eu vi os eléctricos 28 a passarem para cima e para baixo: uma duas, três, tantas que deixei de contar, quase 45 minutos a dar a dar com a perninha direita, a pensar como iria ser o reencontro tantos meses de silêncio e dor depois.
E foi bom, libertador, catártico (lá está uma das minhas palavras caras favoritas), disse tudo o que tinha a dizer, tu pediste desculpa entre sei lá quantos sms neuróticos da tua namorada, a tal que eu, estúpida, ainda dei conselhos judiciais grátis, e eu aceitei as desculpas, ainda te amava perdidamente, sentia-me bem ali, contigo, como se nunca me tivesses deixado de atender os meus telefonemas (eu não te ligo quando estou em crises profundas por ter 27 anos, porque ainda estou traumatizada; acho sempre que não vais atender), mas as efémeras do meu estômago não sossegavam um minuto que fosse, mais um cigarro e uma imperial, taquicárdias o tempo todo, a fotógrafa (Marilyn, mor, eu não tenho ligado, mas penso imenso em ti, chavala) chegou e apercebeu-se logo que eu só podia ser louca por ti, por isso demorou-se, pediu uma tosta mista, eu juro que não lhe disse, e os sms não paravam e pioravam a cada cinco minutos que passavam, pediste-me conselhos matrimoniais, espante-se, eu dei-tos e foram sinceros e, no fim, trouxeste-nos no Volvo que tinha montado no banco de trás uma cadeirinha de bébé. Eu disse-te: "Até daqui a um ano, então". Mas tu tens um dedo que adivinha, devolveste a provocação com um "vai ser antes disso".
E assim foi. Tudo recomeçou nessa conversa, cada um numa ponta do Atlântico, umas semanas depois de ter escrito 4.500 caracteres no jornal de referência português sobre o homem que eu obsessivamente venerava (deu-me um gozo tremendo e até no texto se topa que eu estava perdida por ti; escrito às tantas, na minha casa pequenina, no sofá azul, dezenas de cigarros depois, reli a prosa e pensei: fiz este texto para a tua mãe, para ela gostar de mim).
Nestes últimos meses, afogámos umas mágoas juntos, jantámos em excelentes restaurantes às terças-feiras, até já dormimos na mesma cama e tomámos um pequeno almoço em família, no cafezinho da João XXI que tem os melhores croissants de Lisboa.
Sempre que eu te vejo penso nisto tudo.
Andas embrulhado com ela?, perguntam-te. Então e tu e o gajo já pinaram?, perguntam-me.
A resposta é não.
Este não vai ser efémero.

5 comentários:

Dia disse...

246 pageloads hoje; está tudo doido!!!

Mary Lamb disse...

Aqui vai mais um! Acho que estamos a iniciar uma era de empantanados ( que raio de palavra me veio á cabeça...).
A culpa é toda tua. Se escrevesses mal... ninguém se preocupava com a tralha...
Quanto ao post...É uma limpeza kármica.
Isto está lindo, está.

Dia disse...

Ele já merecia um tributo. Pela paciência.

Anónimo disse...

Já reli este post várias vezes, entre outros, e acho que sim. É um dos meus preferidos. E assim começa uma lição para todos nós: mais vale dois pássaros a voar em liberdade, que um preso nas garras do amor.

Anónimo disse...

Há falta de exorcistas e impraticáveis exorcismos. Há fantasmas muito poderosos. Mas que a escrita seja uma vela acesa.