segunda-feira, novembro 21, 2005

A noiva de branco e outras histórias

A minha mãe casou de preto para chatear a minha avó Tóia.
Eu casei de branco para arreliar a minha mãe.
E casei com o Branco e este pequeno pormenor ainda a deve tirar mais do sério, apesar de ela não conhecer sequer o maridinho. E não vale a pena dizer-lhe que o meu esposo vai ser um grande escritor antes de chegar aos 25 anos, isso ainda vai piorar, garanto, mas que me caiam os dentes que demoraram dois anos e meio endireitar se não for assim como eu acabei de escrever (e eu, ingenuamente, quando pus o aparelho, duas horas e meia de tortura, manhã de 27 de Outubro de 2002, era um sábado, boca aberta, olhos fechados, pedia a Deus que não ficasse um monstro com o titânio a enfeitar-me os dentes, depois arrependia-me da prece silenciosa e pensava nos meninos que morrem à fome independentemente de eu comer tudo o que está no prato. Eventualmente lá sosseguei, a perna direita deixou de tremer na cadeira confortável mas fria do consultório e finalmente suspirei com esta certeza que chegou quando a Drª Rosa Serra colava com ácido as últimas brackets, as dos incisivos frontais: em dois anos e meio a minha vida já vai estar "normalizada", pensei, e terei um sorriso perfeito a condizer - eu não sabia que ainda nem tinha começado, que não haveria muitos motivos para sorrir).
Casar com um artista? Mas tu és tonta? Não viste o que deu com o teu pai? Tens quase trinta anos (faltam três, caraças, três, não tenho quase trinta anos), tinhas oito dentes do sizo, e juizinho não há nenhum nessa moleirinha? Ou arrancaram o pouco que havia para arranjar espaço para a dentadura ficar perfeita e alinhada?, havia de me dizer a Magui, até ao infinito mais um, se soubesse do enlace virtual secreto da semana passada - e já tive uma filha na clandestinidade, num hospital de luxo, é certo, mas foi em segredo, essa vilela do interior onde a terra é vermelha e craquilhada, onde há cactos sem flor e sem espinhos, é uma vilazeca, o segredo, é tão desoladora que aí nada brota; tive uma filha nesse territoriozinho, não está no assento de nascimento, mas foi ali que ela me chegou às 14h35, de uma segunda-feira feriado, e de imediato dei ordens precisas aos guardas da fronteira para ninguém entrar, com ou sem passaporte, com muitos maços de notas de cem euros em envelopes, fomos invisíveis enquanto lá estivemos, saímos pelas traseiras e ninguém, por mais simpático, por mais que telefonasse para o sexto piso, ou perguntasse na portaria, soube que eu tinha tido uma filha lá no segredo. Tive uma filha loira de olhos azuis às escondidas de todos, quarto 615, catéter da epidural cirurgicamente enfiado na cabeça da libelinha que tenho tatuada no fundo das costas, a Magui chegava às dez da manhã, saía antes das sete e picos para ninguém desconfiar, na cabeceira, o caderno com páginas em branco que a Mónica me deu segundos antes de o Mário, o Pedro, a Catarina, o Ângelo e a Magui me deixaram à porta da Urgência - e eu não consegui escrever uma linha, estava paralisada de medo, induziram-me o parto, rebentaram-me as águas, agarrei no caderno, já tinha contracções, abri-o, os dedos gorduchos de grávida de 37 semanas pegaram na caneta, uma moinha fininha incomodava-me um pouco, tive o meu primeiro filho numa clínica de luxo, às escondidas do mundo, não escrevi uma linha durante a minha estadia no segredo e, por isso, casar-me na capela do Blogger, com a Netcabo como única testemunha do "sim", foi perfeitamente cagativo.
Agora que penso, depois de ter desviado a conversa para um atalho de terra batida, bastava casar com quem quer que fosse para a Magui entrasse em transe... (São todos iguais, diz ela no alto dos seus sofridos 55 anos, e nem me atrevo a confessar que perdoei ao holandês marinheiro - a Magui já não gosta de ti, senhor Vring, não é banana, mas eu sou, saio aos meus tios que sustentam as ex-mulheres e as namoradas brasileiras, é de família, o meu avô Oliveira também foi papado por todos, casou as milhentas afilhadas no Buçaco palace, pagou-lhes os estudos, a Magui é que degenerou, é a verdadeira abelha mestra, sai ao outro lado da família, os Santos, eu tenho isto nos genes, nada a fazer - perdoo todas as ofensas daqueles que me ofenderam, só não perdoo ter tido um filho em segredo).
"Na vida só se tem um amor literário. E eu escolhi-te a ti", escrevi eu há tempos, coisa de um trimestre, para o senhor cujo nome não pode ser escrito, muito menos pensado (foi escrito em papel, na carta ridícula que mandei entregar por estafeta, não foi? Aposto que não foste sensato o suficiente para a queimar...).
Balelas!
Na vida pode-se ter quantos amores literários se aguentar. E o meu coração é um T6+1 nas Avenidas Novas, aguenta amores torcidos, impossíveis, platónicos e andava a suspirar lá dentro, nas entranhas, por um amor literário correspondido - no reino dos blogues de referência, aqueles que discutem política, as presidenciais, os maricas e mais não sei o quê, também anda a ser batido um couro literário notável

[eu escrevi esta frase na sexta feira - este post está sentado de pernas cruzadas, não deu a volta para nascer, vai ser um parto difícil e no final de tanto sofrimento, estou certa que vai ter que se cesariana de urgência -, antes de esse mesmo blog de referência me bater a mim e não à namorada do primeiro-ministro (Nova Gente dixit) "o" real couro literário, mas eu estou de abalada para o segredo outra vez, não te vou linkar (apetece-me imenso, tenho o ego literário lá em cima, à altura e com a vista do restaurante panorâmico do Sheraton), quero proteger este quintal onde escrevo mais do que devia dos olhos da nata da blogosfera (eu gosto de gente comum, aos domingos vou ao Lidl de Xabregas só para ver gente feia e os meus leitores não são feios, não é isso que eu estou a dizer, os feios porcos e maus não teriam pachorra para textos intermináveis, para neuroses profundas dia sim, dia sim, os meus leitores apenas não escrevem manchetes que demitem ministros e similares, já fico o encaralhada o suficiente por saber que o JPH, a ASL, a EL por vezes vêm aqui), acho que não vou conseguir mantê-lo tão privado como desejaria, todos os dias tenho mais de 200 visitas, mas pelo menos tentei. Telefonei-te a agradecer o cavalheirismo de pedires licença ao meu irmão, teu chefe, teu chefe muito grande e pesado (respeitinho é aconselhável quando se tem um irmão grande que pode ajustar contas por nós), para linkar este quintal no teu canil, não atendeste e eu não gosto de falar para máquinas, não te conheço, sou tímida e faria figura de parva: estivemos juntos apenas num serviço da campanha do Carmona, quando me deixaram brincar aos jornalistas de política, uma visita ao túnel do Marquês de Pombal, mas eu não tenho jeito para a coisa mesmo, vestia-me demasiado bem, aliás, conhecemo-nos e eu estava de saltos enormes, mamas demasiado à mostra, vestido à deusa grega pós moderna (esta é do meu "marido virtual") e tu: "És a Diana Ralha? O teu irmão é o meu chefe". E eu: "Sou assim tão parecida, pensava que era mais gira...", capacete na cabeça, vamos lá às entranhas do túnel, não te liguei nada, devo ter passado por arrogante, mas faltava menos de uma semana para as eleições e eu andava animada com aquela coisa de ter voltado a ser uma jornalista séria, depois de ter sido enterrada por ter tido uma filha em segredo.]

Cheguei a preencher os papéis da anulação do meu primeiro casamento literário para ficar livre para o Branco. Não foi consumada a união, era coisa simples: preencha aqui, assine ali, que eu carimbo acolá. Mas, à última da hora, rasguei os impressos em mil e trinta e três pedacinhos, guardei-os no bolso e usei-os como confetis, atirando-os para cima das nossas cabeças, quando saímos de mãos dadas e sorrisos rasgados da capela do Blogger. A lua de mel passámo-la a escrever nas paredes de minha casa. Vivemos muito felizes para todo o sempre e tivemos muitos blogues.

Eu tenho dois amores literários que em nada são iguais. Tenho dois e terei quantos mais me apetecer e aguentar.

Desde a noite do casório atenho andado em estado de graça, tenho medo de escrever porque não chego aos calcanhares do meu marido, e desculpem-me os viciados, três dias de silêncio é, de facto, muito tempo, mas decerto me perdoarão – é que tive um fim-de-semana feliz, com amigos que não me deixaram começar a escrever lençóis de caracteres minutos antes de soarem as doze badaladas da meia-noite, tive um domingo também sorridente com "o" couro literário num blog de referência nacional, estive caladinha, mas agora compenso a ausência, se não houver cheias na cidade.

Post com 8500 caracteres, página e meia de jornal – é preciso, de facto, muita pachorra para se ser leitor deste quintal. E agora que o quero publicar, o ISP do patrão não deixa ninguém ir à net.

Agradeçam ao Telescópio, a quem dei o meu user name e password pelo messenger, para ele publicar a posta por mim.

10 comentários:

FTA disse...

Couro por couro, o teu está melhor.
Um talento filha da puta...
E não falo mais contigo que tu escreves bem demais.

Dia disse...

Tolo...
Isto era um obrigada. Percebeste?

Anónimo disse...

MINHA NOSSA.

Como me sinto (literalmente) bigbrotheriano ao entrar nesta caixa de comentários.

De qualquer forma era só para aplaudir o fulgor. E a missão está cumprida. Outros oito mil caracteres me esperam e tenho que tomar café para ficar criativo...

LR

FTA disse...

A minha avó Isabella (com dois élles) já me dizia que eu não era o mais bonito (isso é o Rodrigo que faz novelas e tudo e é loiro e tem olhos azuis e é tão bonito que me ficava com as namoradas quase todas. Só fiquei aí com cem...) mas era o mais charmoso. Obrigado pelo obrigado. Agradece-te a ti mesma. Um talento filha da puta.
Não falo mais contigo. Até à próxima vez que falar.

Dia disse...

Big Brother,
Volta sempre, ainda bem que és grande que assim ninguém se mete comigo e sem querer atrapalhar a tua produção literária jornalística, a que fulgor te referes?

Dia disse...

A minha avó Isaura dizia que eu ia ser uma arrasa corações e chamava-me Lolita.

Anónimo disse...

Neste caso era mesmo o fulgor literário.

A loura está muito bonita nas fotos.

Mary Mary disse...

Não é preciso ter pachorra nenhuma para ler este quintal... Quem gosta nem vê as linhas a passarem. E quando acaba fica com pena de não haver mais...

FTA disse...

E o meu tio Joca queria que eu fosse advogado!

Dia disse...

Francisco, estive a ler os teus comments e acho que gosto de ti: és muito asneirento como eu, apesar de teres um apelido cagão e uma avô cujos éles do nome próprio tinham eles próprios dois éles.
Acho que ninguém da minha família queria que eu fosse nada de especial. Só não quiseram que eu fosse aquilo que eu queria.
A Magui quando eu e o LR nascemos pediu três coisas, quando viu que éramos perfeitinhos, cinco dedos em cada mão e em cada pé:

(quando me viu pela primeira vez, aliás, desatou a chorar porque achou que eu era mongolóide, tinha e tenho os olhos em bico, bom, e o tufo de cabelo com que nasci no meio da testa não ajudou a compôr o ramalhete; acho que foi nesse momento que as expectativas de toda a família em relação a mim baixaram drasticamente, e no segundo dia, para tentar salvar a situação, fiz um show de streap tease no berçário - este vai dar um post, coisa gira esta que agora me lembrei, explica muita coisa isso de eu me ter despido com apenas umas horas de vida e acho foi mesmo aí que começou a história da arrasa corações)

pediu que não fôssemos padres, paneleiros, ou jornalistas.
Não tenho vocação religiosa, o meu negócio, infelizmente, é homens, para chatear tivemos que ser os dois jornaleiros...