segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Post no supermercado

Este fim-de-semana escolhi viver.
Ou se vive, ou se escreve, disse a Virginia Wolf, e eu li isto num blogue de referência, o do Pedro Mexia, salvo erro.
Opções.
Opto fumar em vez de almoçar. Agora, as horas de almoço, à falta de orçamento para ingerir alimentos, servem para escrever posts na Moleskine e dar migalhas de um interminável Panrico fora do prazo, que jaz em Santa Marta, aos pardais mal-criados do Picoas Plaza. Duas fatias por dia, ponho duas fatias por dia num saquinho de plástico, isto lembra-me quando ia com a avó Zá dar pão duro aos patos do Convento dos Capuchos.

Quarta-feira, vou entrevistar uma professora de piano. Que tem voz de homem e anda pela cidade com um papagaio temperamental ao ombro. Decerto, irei optar pelas aulas de piano e deixar os maços pretos e dourados de John Player Special de lado.

Opções.
O reembolso do IRS e o prémio anual de produtividade não serão gastos numa cozinha nova. Tenho a canalização de água a manchar-me a parede, mas a pedra é dura e a água mole ainda vai ter que dar muitas até furar. Os móveis cheiram a velho, o meu marido literário esteve lá a cozinhar e gostou do cheiro dos armários, eu não o suporto mas ele gostou do cheiro, ainda assim, não vou comprar uma cozinha encarnada no Ikea.

Opções.
Espero - sonhei assim - torrar dois milhares de euros a trazer o piano de Viseu para Lisboa, espero que o dinheiro chegue ainda para o afinar (se calhar, fica na cozinha, que, assim como assim, é a divisão mais ampla da casa, e tem as paredes pintadas de encarnado escuro, e na arrecadação da Avenida do Brasil - outra casa de seis assoalhadas que serve de depósito de traquitandas - tenho uns candelabros dourados, rocócós, para pendurar na parede do lava-loiça, ou, talvez, na chaminé, vejo-me a cozinhar à luz de velas encarnadas, vejo-me a preparar iguarias, enquadrada com os candelabros dourados), espero não engordar dez quilos com a falta de nicotina, que seja fácil deixar de alimentar o cancro do meu pulmão direito, que seja troca por troca, vício por outro, espero sonhar em solfejo, espero ouvir no silêncio tanta música como a chuvada de palavras que cai no meu cérebro.

Este fim-de-semana optei viver.

Mas as palavras mandam em mim, tentativa vã, de pouco ou nada me valeu não ter posto os pés em casa, de ter pedido exílio político ao território protegido contra as novas tecnologias, presidido pela senhora minha mãe. Os posts são quem mais ordena, se não tenho um teclado branco da Macintosh, tenho folhas de papel e, ontem, no Pingo Doce dos Olivais, no verso de uma gigantesca conta do mês de Novembro do Corte Inglés, uma das muitas que colecciono numa carteira de cortiça, com a Magui a escolher um paio, depois um pão saloio, e, por fim, uma embalagem de esparregado congelado da 4 Salti, nasceu este post, que é mais um da série das marcas de amor:


"Queria que o teu amor me incendiasse o peito. Queria chamas, labaredas, queria que para além de pirómano, fosses mestre na arte de cravar tinta invisível na pele; queria o fogo tatuado no peito, pintado com muitos tons de encarnado, queria que queimasse à distância de um toque. Queria um amor assim, que me chamuscasse o lado esquerdo do peito, queria que um incêndio de grandes proporções, que abrisse todos os telejornais, queria que lhe desses muito ar e muita lenha, que catasses pinhas na floresta, que, louco, despejasses álcool e latas de spray para a fogueira. Queria, a certo ponto, consumida, praticamente reduzida a cinzas, queria chamar os bombeiros, ou emitir um SOS com o fumo do que restasse do meu peito."

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma "inusitada plétora"? Depois desta já não queres saber de mim para nada...

Assinado: Big Brother is watching you

Dia disse...

Caro cursed, benvindo. Sempre gostei muito da palavra plétora, porém, confesso, tive que ir à wikipédia descodificar a exegése (soava-me a algo religioso e, de facto, não andava lá longe). Já andei a pisar o teu quintal, hei-de lá plantar umas coisinhas, em noites de insónias.

Quanto a ti, meu caro BB, é para a toda a vida, vamos ousar ser felizes (esta foi uma tentativa inglória de atingir o calibre dos comentários delicodoces, que, ambos, um em cada casa, encontramos e devoramos nos blogues de série B)

Rui Pedro disse...

Não fazia ideia que a mulher era pianista. Ou existirão duas mulheres em Lisboa com papagaios nos ombros? Boa entrevista.