domingo, dezembro 11, 2005

A alegria é o que nos torna os dias úteis

É do Sérgio Godinho, infelizmente não é minha a frase, cada vez mais acredito que sou uma fraude, que apanho uma frase ali, outra acolá, que reparo num pormenor que salta da realidade como se tivesse um neon rosa para si apontado, depois colo tudo, muitas vezes com cuspo, raramente com super cola 3, e é apenas isso, é tão simples quanto isto.
Está na altura de fazer as pazes com os Sábados.
Acabou.
Agora é só de quinze em quinze dias.
As sextas também já não têm o encanto de outrora. Entrou-me um pombo em casa na manhã do último dia útil da semana (para mim, foi um dia inútil, porque não houve alegria alguma, apenas uma espécie de dor), disse-me assim: "Não estamos embrulhados, Dia". E eu defendi-me como pude, disse que estava embrulhada até à ponta dos 78 centímetros de cabelo, relembrei-lhe que quando era pequenita queria ser embrulhadora de presentes de Natal, que sou atreita a embrulhos, que os atraio-os como poucos, mas, afinal, ele não está embrulhado, e eu apenas lamento, porque seria um embrulho de luxo, de loja de delicatessen, das que vendem as minhas amadas trufas, era um embrulho com um gordo laçarote, feito com fita aramada cobre, é que eu sou mesmo boa a embrulhar, a prenda pode ser uma merda, mas o embrulho é sempre coisa que dá pena estragar, mas como diria a Magui: só perdeu quem não me amou. Azarinho do caralho (mil desculpas, anónimo que não gosta do meu vernáculo).

Dói-me a mão.
Estou novamente com a tala enfiada até ao antebraço, a estrangular-me a circulação, movimentos limitados, estou, novamente, em versão miss tendinite, desta vez com unhas lindas, pintadas de encarnado sangue de boi (a cor chama-se bohème, achei-a apropriada), mãos trabalhadas pela Cecília, a doce Cecília que sabe que as minhas unhas se quebram à mínima pancada, que quando viu as peles roídas soube logo que algo se passava, a Cecília que achou que eu tinha namorado novo quando lhe disse que queria umas unhas sexy, a brasuca de olhos doces e carapinha rala, que não se cansa de dizer que eu tenho as mãos mais estranhamente encantadoras que viu nos seus dez anos de esteticista (antes a Cecília era ama e contou-me, no Sábado, que teve um filho, que perdeu, não me contou como, mas eu lembrei-me como lhe deve ter custado conhecer-me na véspera de a Carolina nascer, ela fez-me manicure francesa para eu receber a minha filha com mãos bonitas e o André, o meu querido e saudoso cabeleireiro, expulso de Portugal pelo SEF, escadeou-me o cabelo), a Cecília disse: "Não esquece de arranhar ele".
Um cabeleireiro é uma espécie de psiquiatra e de confessionário. "Não há ninguém, Cecília, sabes bem que não há ninguém, olha, vou encontrar-me com uma mulher que não conheço, uma das minhas leitoras. Com uma mulher que me disse para eu ir de encarnado, para me encontrar facilmente na Praça Camões". E a Cecília ficou assustada, depois de as unhas já estarem perfeitas, esteve a arranjar as minhas mãos para uma mulher, não para um homem, mas eu disse-lhe, enquanto ela me satisfazia todos os meus caprichos depilatórios - "tira-me esses pêlos horríveis das sobrancelhas, sim, esses mesmo, aí por cima; podes tirar-me estes pequeninos dos dedos também, não podes? E ela alinha sempre em todas; eu descubro micro-penugens e ela risca-as do mapa do meu corpo -, arranjamo-nos sempre para as outras mulheres, porque os homens nem reparam. E ela ficou mais tranquila.
Resumindo, que a mão já não aguenta muito mais: o Sábado foi um dia útil. Saiu-me a sorte grande, a taluda que comprei na casa Viola, trouxe-me dois estranhos que me fizeram rir alto no Snob, e até caguei para o duplo queixo que faço quando me rio alto, e o actor bonitinho das telenovelas, que me lembra um jornalista bonitinho da praça que era meu amigo e deixou de o ser quando engravidei, olhou várias vezes para a nossa mesa para tentar perceber qual o motivo de tanta gargalhada.
Durante aquelas horas eu não pensei na casa vazia, nem na filha a dormir algures na Ameixoeira.
O fim traz sempre um princípio. "Inventamos as duas uma história nova. Sou boa em histórias novas". "Interminável", desejo eu.

2 comentários:

MPR disse...

"O fim de tudo é o recomeço, e olha eu bem que mereço tratar bem do melhor em mim..."

Mary Mary disse...

Temos que conseguir que os 7 dias da semana sejam úteis. E se estiverem a ser bons temos que os transformar em mais dias... Um dia havemos de o conseguir...

Uma coisa agora que não tem nada a ver! Lembrei-me de ter lido algures neste cantinho que ouvias Yann Tiersen, ele vai ao CCB no dia 21.