segunda-feira, dezembro 12, 2005

Breve apontamento botânico (eu sou aquela)

Eu sou a mulher que anda com a cabeça sempre erguida para o céu, a que destoa com todos os outros que fixam os olhos nas pedras da calçada, sou aquela que anda à procura das árvores que dão sombra à minha cidade, sou a que suspira pelos diospiros da vizinha alentejana do segundo andar que ainda não nasceram (nem nascerão, a Magui diz que deve ter sido da seca do Verão), sou a que aguarda pacientemente pela floração lilás dos Jacarandás da Almirante Barroso, da 5 de Outubro e do Parque Eduardo VII, a que sonha o ano inteiro com o perfume das tílias da Avenida da Igreja.
Eu sou a mulher que ama a "bela sombra" da Estados Unidos da América, a árvore africana cujo nome procurei nos compêndios botânicos do Zé Ralha, a árvore de tronco monstruoso e fruto psicadélico, onde brinquei com o Hugo quando era menina.
Eu sou aquela que se emociona com os plátanos da Viriato encarniçados pelo Outono, ou com o amarelo canário das folhas que parecem leques das Ginkgos Biloba, da João Crisóstomo e da João XXI (a Magui diz que a Câmara deve ter aproveitado um saldo de Ginkgos, que hoje em dia não se vê outra coisa pela cidade).
Sou a que gosta das árvores que ninguém gosta, de chopos e eucaliptos, árvores de raízes profundas, as que roubam toda a água aos solos e à vegetação vizinha, e quando era pequenina, meio palmo de gente, convocava a família toda para o pinhal do Robalo, punha-me de pé na mesa de cimento, com uma casca do tronco de eucalipto a fingir de microfone, e dava concertos sob os olhos brilhantes da avó Zá. E as mesmas cascas de eucalipto eram depois recicladas, convertidas em bacalhaus, que fingia vender na mesma mesa de cimento como se de uma banca do mercado de Alvalade Norte se tratasse. "Há pau pau (carapau), sardinha frita", dizia eu, contou-me a Magui outro dia.
Sou a que dá duas voltas na Rotunda da Rio de Janeiro para ver os ciprestes em frente à Biarritz. Sou a que que gostava de ter uma araucária no jardim, a que sabe da lenda dos embondeiros, a que chora quando abatem uma árvore para fazer estacionamento pago da EMEL.

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