terça-feira, abril 04, 2006

Muitas vírgulas. Poucos pontos. Parágrafos extensos sobre o choro

“Porque é que tu sofres tanto?”
A pergunta salta-lhe pela boca fora, e eu já estou a chorar sem vergonha nenhuma na cara, trago um exemplar do Metro debaixo do sovaco, venho tão perdida para este almoço que nem lembro o que trazia vestido, eu tenho memória de elefante para este tipo de pormenores e varreu-se, é uma terça-feira, a Primavera começou hoje, fui entrevistar uma vereadora da câmara e não disse nada de jeito, empapei as pestanas de rímel preto para não chorar, porque este não é à prova de água, fica um borrão se se solta a lágrima.
É a primeira vez que choro por alguém depois de ti, desta vez não é por tua causa, e és tu que estás ali, para me fazer ver o lado bom das realidades frágeis que me abalam o ser como um terramoto de magnitude seis na escala de Ritcher, tu, que és tão negro como eu, que fazes da depressão um culto, e eu só sei que choro descontroladamente, muito perto do choro com soluços, numa fila de pré-pagamento de um restaurante trendy, onde nos passámos a encontrar – depois de tudo, ainda nos encontramos às escondidas, não é deliberado, estamos separados do resto do mundo apenas pela Fontes Pereira de Melo, podemos ser apanhados a qualquer altura, brinca-se com o fogo, depois de tudo, continuamos a brincar com o fogo.
Limpa-me as lágrimas com a mão, “ficas tão bonita quando estás triste”, e eu encosto a bochecha gorda à mão magra, e desconheço as linhas daquela palma se lá estou encriptada, nunca fiquei a olhar para ela, estive sempre de olhos fechados, ainda hoje não os posso fechar, porque me lembro de uma história que escrevi algures neste blogue, de pestanas que se colam umas às outras em conluio milenar com os amantes. De olhos fechados o tempo passa mais devagar, dizia eu nesse momento de felicidade literária absurda, e com a tua constatação da beleza da minha dor, rio e choro ao mesmo tempo, gargalhada alta, lágrima fácil, daquelas torrenciais, que caem e vão direitinhas ao queixo (e choro mais do olho direito do que o esquerdo).
O exemplar do Metro fica nas escadas, tu é que o abandonas por lá (tento, tento recordar-me em vão de qual era a manchete), ao pé de saleiros e pimenteiros enormes, dispostos numa prateleira de folheado quase negro da Ikea (chamam-lhe wengé à cor, está na moda chamar-lhe isso); pimentas de três cores, sal marinho muito grosso, muito bonitos mesmo – um dia, hei-de comprar um para a Magui, ela havia de gostar –, a ementa à minha frente, a menina da caixa a desviar o olhar do meu choro, embaraçada, e eu a limpar as lágrimas, à pressa, com as costas da mão (a minha vizinha vem à janela já sem lenço, sem cabelo nenhum, com a morte atrás de si, e eu também não a consigo fitar e falo-lhe das tulipas roxas que floriram nos seus canteiros, desconversando de forma estúpida), o prato vegetariano esgotado, vou então para o caril, sim, o menu com café, água natural, porque me dói a garganta, fumo demais, tenho um gânglio no pescoço sempre inchado, sabes que não suporto golas redondas, chegadas à garganta, golas altas, então, são um calvário, esta coisa dos decotes vertiginosos não é só provocação e truque ilusionista para parecer que tenho mamas; é que eu estava sempre com anginas quando era pequena, febres a 40 todas as semanas, e o médico apalpava-me o pescoço a toda a hora, com tanta força e eu quase sufocava, ganhei trauma, é recalcamento sim, fiz a mim própria o diagnóstico, é que nunca na vida me vou sentar no divã, eu não saía de lá se lhe contasse da alergia que me cobre os braços quando estou nervosa, pressionada pelo fecho do jornal, nunca poderia falar-lhe da voz que me faz companhia, saía dali para os maravilhosos jardins da Avenida do Brasil em colete de forças.
A minha filha chora como eu. Gostava de fazer um tratado sobre o choro. Há mil e uma formas de chorar. Eu tapo a boca com a mão direita, quero a dor dentro de mim sempre mais um bocadinho, não gosto de a vomitar à pressa, em busca de curas fáceis e milagrosas. “Porque é que sofres tanto?” Tens aí a tua resposta: sofro tudo de uma enfiada só, não deixo sair a dor, tapo a boca com a mão direita, depois passa a fazer parte de mim, acomoda-se nas minhas entranhas.
E tu como choras? Eu gostava de saber como choras.

[post com muito poucos pontos finais e a abusar das vírgulas. Mil perdões, mas saiu assim e há-de ficar assim]

4 comentários:

Anónimo disse...

a co mudação:
nada sentires sentes que.
vi Venci-a:
skre(veres) como vesescre.
belo post.
espetei-me nele
e adro me si.

Isa disse...

n tens necessariamente de te deitar no divã, podes-te sentar e falar frente a frente.

chorar é terapêutico. alivia e acalma.

bjs mil

Anónimo disse...

tou tou queijo queijo

Mary Mary disse...

Fiquei de coração apertado... Chorar e conversar aliviam a alma... E no final resta apenas um sorriso tímido... Ontem tive uma noite assim!