terça-feira, janeiro 17, 2006

Amnésia - post decepado na Feira de São Mateus

Na Feira de São Mateus – quem será este santo?, e lá estou eu com as minhas dúvidas biográficas acerca dos Santos, who cares?, porque é que eu me consumo tanto com o que não vale a pena, com o que é acessório e, depois, o essencial esfuma-se, todas as noites, nas beatas que se acumulam no cinzeiro, e o cinzeiro nem sequer é um cinzeiro, é um pedaço de vidro laranja que nasceu para ser a cama de uma vela, não nasceu para ser depósito de beatas, mas é mesmo assim, não é? Todos nascemos fadados para um determinado destino, mas às vezes chega-se tarde, o despertador não tocou, os lençóis estavam quentes, o dia estava cinzento, só mais cinco minutos, já vai, e havia trânsito, pára-arranca, buzinadelas, suspiros, ajeita o cabelo no espelho da pala do sol, suspira de novo, um cabelo despigmenta-se nesse preciso instante e fica branco, ou nasce dessa mesma cor de geração espontânea, é que nem todos andam na faixa do BUS despudoradamente como eu, nem todos pensam a 300 à hora, nem todos se preocupam com quem foi o São Mateus e, se calhar, eu não cheguei tarde, não estou atrasada, cheguei mas foi cedo demais e fico com um nervoso miudinho quando estou à espera –, uma vez comi tantas farturas com o avô Oliveira que, só 16 ou 17 anos mais tarde, numa madrugada alta do dia de Santo António, na Praça dos Restauradores, à procura de um táxi que me levasse a casa, desde a casa dos Bicos, com umas meninas aflitas dos pés uns metros atrás, é que voltei a enfiar um frito daqueles pela goela abaixo, com muito açúcar e, ou a fome era muita, ou então o recalcamento de uma noite passada em branco a vomitar há muitos, muitos anos atrás, se apagou com o passar dos dias.
E se eu vos disser que não me lembro a que propósito vêm as farturas e a Feira de São Mateus, acreditam? Fugiu. Desconhece-se o seu paradeiro. Foi apanhar sol, e eu queria agarrar nas duas adolescentes esquizofrénicas e na minha loira e plantá-las ao sol, ouvir os gritinhos histéricos da Carolina ao ver as conchinhas e o mar, o post foi para lá sozinho, gostou da imagem da minha cabeça, fez as malas e partiu sem se importar com quem ficou para trás com um texto decapitado.
Era prudente parar. Mas eu não posso parar, guardem as facas na gaveta, fechem as janelas, não se atirem, não posso parar, apesar de me começarem a irritar os erros ortográficos que nunca dei (se eu paro de escrever não tem acento como eu escrevi, raios, que merda é esta?) e que começam a poluir este blogue como tortulhos (tortulhos são cogumelos em dialecto beirão, esta é uma expressão que a Magui utiliza amiúde e eu sempre gostei da palavra amiúde, é mais um ensinamento perdido do Zé Ralha – e ontem, sem aviso, a descer a Rua do Século vinda do Garcia, descubro que a minha madrasta também lê a Tralha e fiquei em semi-transe, acho que disfarcei bem, mas fiquei em semi-transe –, há uma música dos Xutos, “de Lisboa a Bragança são nove horas de distância, queria ter um avião para lá ir mais amiúde”, e não a miúda, como toda a gente cantava, e o senhor até me ensinou muita coisa e ontem, na loja do Dirk, ainda sorri com a Manuela a lembrar quando ele teimava em armar os filhos, os enteados e todos os seus amigos cavaleiros com o cabo de uma vassoura, e garanto-vos que doía, e também me ensinou a ajoelhar, uma princesa ajoelha-se apenas com uma perna, as coisas úteis que aquele homem me ensinou…).
A culpa deste post manco é de um outro vizinho (outro dia escrevi vizinho com ésse) que não posso linkar, por razões de segurança. Turvou-me os olhos, já não chorava há muito tempo, a beleza continua a comover-me, ao menos isso, já que as aberrações me dão vontade de rir à gargalhada, é um post sobre avós, como o meu era, mas pelos vistos, a beleza também me dá amnésia.

1 comentário:

Anónimo disse...

É UM ESPANTO COMO DE UM CASO DE AMNESIA TU CONSEGUES ESCREVER UM POST.
VALEU A PENA LER E NÃO TER GUARDADO PARA AMANHÃ.
DEU COR A UM FIM DE TARDE CINZENTA E FEZ-ME RIR UM POUCO.
OBRIGADO POR MAIS UM POST