segunda-feira, janeiro 16, 2006

E se eu paro de escrever?

Há muito tempo, escrevi um post com o mesmíssimo nome, e nesse naco de prosa, bem cozido, por sinal, estaladiço, ilustrado por uma fotografia da minha caligrafia impressa por uma Dupond de prata nas folhas amareladas de uma Moleskine, eu declarava ao mundo o início de uma relação perversa e deontia, que alimentei a pão de ló de Alfeizarão durante cinco meses - um amor por correspondência, cujo fermento era apenas palavras, frases que se grudavam na pele, frases que encantavam, frases que faziam doer como sal nas feridas, se assim fosse preciso.
E nessas linhas, que não preciso sequer de rever - a grande maioria dos meus posts estão em backup na minha cabeça, o Blogger pode ir ao ar, as cópias que guardo no Gmail com a label empantanas também - eu dizia, e isto foi a meio de Agosto, que, a custo, ia continuar a arranjar frases, num processo tão doloroso quanto prazenteiro. Porque não era pelos meus lindos olhos azuis, porque eu não tenho olhos azuis, tenho-os apenas nos meus genes (tenho a certeza que escrevi esta frase, sem tirar nem pôr). Era pelo que eu escrevia. Eu não me posso dar ao luxo de deixar de escrever, escrevi eu há muitos meses atrás.
Mantém-se. Só já não é para ele. "Tenho uma audiência esfomeada para alimentar", escrevi eu ao RR, em jeito de justificação da produção frenética desta tralha. E antes tinha escrito às minhas duas adolescentes esquizofrénicas, a dos malmequeres e a dos sapatos liláses: "Acho que vou desmaiar". Escrevi isto, fechei os olhos, e com eles bem fechados, vi bolinhas amarelas e ouvi um ultra-som insuportável.
Mas hoje, apesar de ter tomado café na Hagen Dazs com a Marta e de ela falar como os homens, de lhes ter lido a cartilha, a tal que injectam aos meninos mal eles acabam de inspirar o primeiro oxigénio das suas narinas, apesar de o meu coração ter estado em vias de rebentar pela primeira vez desde Dezembro, e de a médica de Medicina do Trabalho ter tido ganas de discar 112 e de eu a ter impedido, e depois de me ter mandado para casa imediatamente sem apelo nem agravo, e eu, nem pense, tenho um texto para escrever, aos 23 anos tive a minha primeira macacoa, 17 de mínima, 27 de máxima, 160 batidas por minuto, aí sim, tive que parar, doutora, fui para o Hospital porque não aguentei quatro serviços num dia e uma greve geral da função pública, e eu sem conseguir respirar numa conferência de imprensa, sem conseguir respirar na linha amarela do metro, e depois a máscara do oxigénio no nariz no centro de saúde e eu a pensar no desgosto que a minha mãe teria quando soubesse que eu tenho um coração fraco, mas antes, a senhora da farmácia muito aflita e eu: só preciso de uma embalagem de Nasex, não consigo respirar, estou um pouco aflita, tenho o nariz entupido, eu a suar em bica e ela sente-se, sente-se, a menina não está bem, e mede a tensão com os aparelhos automáticos e aquilo dá erro, mede com o manual e não acredita, chamem o INEM, grita, e eu, calma minha senhora, eu tenho que escrever três textos, ninguém chama o INEM coisa nenhuma, aliás, eu chamo o INEM, o meu ex-marido socorre-me, vem a voar, e assim foi, e ainda escrevi um texto, mas hoje estava só a 10 de mínima 18 de máxima, 110 batidas por minuto, isso nem é taquicárdia que se apresente e tenha calma, eu não estou nervosa, isto já passa, e eu devia, mas para que é que lhe ia contar, que trago um segredo no meu peito que às vezes me destrói, como é que lhe explicava que tenho o coração descompassado por uma história que é feia demais para ser contada, e nos registos da Unimed, de há quase três anos atrás, eu pesava menos dez quilos, eu tinha uma depressão enorme em cima dos cornos, mas a tensão era estável, normalíssima, 11/7, e eu estava grávida, foi esse médico quem me disse para ir comprar um teste à farmácia, eu estava grávida e já o sabia, disse-lhe que tinha medo de estar grávida, e nessa consulta eu fiz tudo, mas tudo, para ele me considerar inapta para o trabalho, disse que ouvia vozes, que não tomava os ansiolíticos, apenas os excitantes, que me drogava, que bebia muito, que misturava tudo no shaker e tomava de um trago só e quando me pediu para ler as letras eu inventei um novo alfabeto, mas, no fim de tudo, disse-me apenas para eu ir comprar um teste de gravidez e considerou-me apta para trabalhar. Apesar de tudo isto, dizia eu um parágrafo acima e muitas vírgulas depois, não consigo escrever as frases que estão na minha cabeça.
E se eu paro de escrever?

5 comentários:

Anónimo disse...

Dia
Quase entrei em pânico quando li este teu desabafo. Mas faz favor de te tratares. És muito jovem para deixares de escrever. E depois onde é que eu ia ler a Tralha?

Beijão
Anabela do Castelo

Anónimo disse...

Suponho que acima de tudo tens de arranjar rotinas de travagem. Mas não posso dar lições disso a ninguém.

Mary Mary disse...

Se tu páras de escrever quem tem um ataque de coração sou eu!!! Parar de escrever? Enlouqueceu de vez... Nem penses! Nem que te passe pela cabeça! Não sei onde moras mas tenho uma ideia e como já te conheci ainda te faço uma espera! Isto é uma ameaça para ser levada em conta!!! ATENÇÃO!!!

Onde é que eu iria depois ler (T)ralha? Não se assusta assim as pessoas... Um grande beijinho para alguém de quem gosto de ler! Toca a dar ao dedo vá...

MPR disse...

...rebentavas...

Anónimo disse...

eu espero que pares sim meu amor. concordo com as rotinas de travagem. hoje desenhei já dois abrigos para a escrita, um numa encosta no douro, e o outro para ti no meu coração. um beijo em cada um dos teus dedos. (ai lamechiches que sabem tao bem)

menina dos sapatos lilases