domingo, janeiro 22, 2006

Deixa aproveitar

Deixa aproveitar as últimas duas horas e meia sem Cavaco Silva, e já o estou a imaginar, com a sua nova pose de quem caiu num caldeirão de Xanax à nascença, sentado nos jardins divinos do também bonito e ostensivo Palácio de Belém.
Deixa aproveitar que as ressacas, assim como as noites serenas de sono, também nunca me batem à porta, estou fresca como uma alface, apesar das três horas e meia de sono e de uma nódoa negra descomunal na coxa esquerda (desconheço como veio cá parar).
Deixa aproveitar, enquanto não tenho que ir para a sede de campanha do Garcia Pereira e, já que sabem a minha vida de trás para a frente, já conhecem a minha filha, os meus decotes, conhecem-me do avesso, conhecem-me triste, às vezes apaixonada, conhecem-me sempre semi-neurótica - vá lá que os que já me conheceram, que me viram com mais carne que osso, comprovaram que a neurose fica no blogue, a fazer sala aos demónios e a servir cházinho no serviço com folha de ouro da Vista Alegre -, vão ser, também, os primeiros a saber que não votei Garcia Pereira pela terceira vez na vida.
Maldita a hora em que vi os últimos tempos de antena de sexta-feira, que acabaram mesmo à meia noite, antes de se transformarem em dia de reflexão, e eu acho lindo, eu gosto mesmo da alta blogosfera, os meus blogues de eleição, devem ter um qualquer livro de estilo, um código de ética, e também cumpriram à risca os votos de silêncio, não se falou de nada a ver com as eleições, mas, maldita a hora em que fui desfolhar o Cão como Nós, e na sala de voto, da escolinha primária nas traseiras da Igreja de São João de Brito - ainda não me recenseei em Coração de Jesus, se nem o selo da EMEL eu trato e levo multas dia sim dia não, e mesmo assim não trato, a burocracia faz-me taquicárdias, acho que nunca votarei no Liceu Camões -, o senhor diz o meu nome alto, um senhor monhé como eu, mais escuro, e depois entrega o papel, e o senhor Pestana Garcia Pereira a encabeçar a lista (ao menos aqui foste o primeiro, Garcia), e depois, quando já vou com cólicas e tremuras a pensar onde vou colocar a cruz, atira: "Diana Ralha? Eu conheço este nome...". E eu, pernas a tremer, ai meu Deus, que é mais um leitor da tralha, um dos milhares de anónimos que não saem do armário, ai meu Jesus que vai dizer que eu sou a melhor escritora, mas não, é ex-comandante da TAP, falou comigo ao telefone várias vezes, e eu fiquei à vontade dois minutos a reflectir se votava no poeta, se no Pestana. Mas os Pestanas não querem nada comigo, a família toda, ainda hoje, tremendamente alcoolizada, com níveis de THC no meu sangue acima da média, naturalmente, com o LSD genético a borbulhar e as pestanas sem quererem abraçar-se umas nas outras, as pestanas querem é fechar-se no instante imediatamente anterior a um beijo, mas isto de beijos não anda fácil, logo agora que eu tenho os dentes perfeitinhos, quando tinha aparelho, era beijos a toda a hora como os piriquitos, não sei como não apanhei herpes, e com o coração a bater a mil, cheia de pena do meu candidato, fiz o xis no Alegre, quero uma crise no PS, quero um Parlamento dividido, quero, quero, quero... chatear branco. Convenci a Magui a votar, apeteceu-me mostrar-lhe o post do Francisco sobre a sua avó Isabella, mas eu dou-lhe sempre a volta e a Magui também esteve quase a votar no Alegre, mas depois, porque é rebelde, fez bigodes nos senhores e corninhos, como é que eu não hei-de ser a filha da mãe que sou, e escreveu PALHAÇOS!.

Deixa aproveitar, que já só temos uma hora e quarenta e cinco minutos sem Cavaco à primeira volta, e ontem, quando escrevia um mail a um rapaz a quem dou conversa, estava de roupão, de rolos na cabeça, a casa toda arrumadinha, a roupa estendida, a árvore de natal desmanchada (dói-me tanto desmanchá-la, em casa da Magui fica todo o ano, fazendo jus à máxima que Natal é quando o homem quiser), e eu a escrever ao rapaz a quem conto a minha vida toda, ou quase toda, e eu a dizer-lhe, caro, quero dizer-te que não te quero levar para a cama, que não te escrevo para te atrair ao meu covil, não é só isso, não é nada que não tenha passado pela cabeça, mas passa-me tanta coisa pela cabeça, às vezes são tão rápidos os pensamentos que nem picam o ponto, há pensamentos speedy gonzalez, mas não penso muito nisso, gosto do rapaz, gosto dele pelo que escreve, só por isso, e ele a mesma coisa, mas, de repente, as mãos ganham vida, e eu a implorar-lhes, não escrevam isso, e elas de ouvidos moucos, disparam uma imagem e eu a suspirar, já está tudo perdido, eu a erguer as sobrancelhas e a pensar, agora é que lhe dá um treco, as mãos, com os dedos enrugados do banho, escrevem uma imagem que eu até já escrevi neste blogue, mas esse post era só um sonho, era pura imaginação e eu estou a escrever ao rapaz e as mãos dançam a um ritmo louco, traem-me e dizem-lhe: o que é que acontece quando se juntam duas pessoas que escrevem coisas que arrepiam até os pintelhos? Como é? Inspiram-se mutuamente? Aumentam gigantescamente a sua produção diária de caracteres? Ou um apaga-se para dar espaço, glória e reconhecimento ao outro? Em vez de beijos na boca, fazem um post? Em vez de sexo escrevem um blogue? Em vez de se casarem, escrevem um livro? Em vez de discussões, escrevem a encarnado, nas paredes do quarto, em folhas de papel de cenário, estrategicamente pregadas com pionaises na cabeceira da cama?
Como será?
Deixa aproveitar para pensar mais um bocadinho sobre isso. Deixa aproveitar, porque sonhar não paga imposto e a imagem é absolutamente deliciosa.

1 comentário:

MPR disse...

Sim ouve a Dia, és mesmo um bom post, que fala de um sonho, uma utopia de tempos que já foram e não voltam tão cedo, falas de inspirações e quiçá suspiros, és inclusivé melhor post do que alguns bem mais famosos que são muito comentados porque falam de preservativos e caralhos repetidos muitas vezes. Descansa que és um bom post. Só vim aqui para te dizer olá e fazer companhia. Como não tinhas comentários agora levas um do tamanho de uma posta de pescada, maior que algumas que mando lá para as minhas bandas e não te preocupes, que os D'Zrt vendem mais que o Sergio Godinho e a Britney Spears vende mais que REM e nem por isso valem "um pintelho"! Nem sempre a atenção significa alguma coisa. Nem sempre a popularidade é positiva e bem-vinda, toda a gente abranda num desastre de automóvel... Não te sintas mal... Ouve a Dia... És mesmo um bom post...