quinta-feira, dezembro 28, 2006

Sei o que fizeste no Natal passado

IP Address 213.13.127.135
ISP Telepac - Comunicacoes Interactivas Sa
Visit Length 7 hours 26 mins 38 secs

Navigation Path

28th December 2006 10:26:48 empantanas.blogspot.com/
papagaiomorto.blogspot.com/
28th December 2006 15:30:06 empantanas.blogspot.com/
papagaiomorto.blogspot.com/
28th December 2006 15:30:47 empantanas.blogspot.com/2006/12/mensagem-de-natal.html#comments
empantanas.blogspot.com/
28th December 2006 17:26:36 empantanas.blogspot.com/
papagaiomorto.blogspot.com/
28th December 2006 17:27:58 empantanas.blogspot.com/
No referring link
28th December 2006 17:30:09 empantanas.blogspot.com/2006/11/o-pilinhas.html#comments
empantanas.blogspot.com/
28th December 2006 17:36:21 empantanas.blogspot.com/2006/11/o-pilinhas.html#comments
empantanas.blogspot.com/
28th December 2006 17:36:24 empantanas.blogspot.com/
No referring link
28th December 2006 17:40:45 empantanas.blogspot.com/
papagaiomorto.blogspot.com/
28th December 2006 17:40:54 empantanas.blogspot.com/2005_01_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/
28th December 2006 17:41:09 empantanas.blogspot.com/2005_02_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2005_01_01_archive.html
28th December 2006 17:41:36 empantanas.blogspot.com/2006_01_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2005_02_01_archive.html
28th December 2006 17:43:32 empantanas.blogspot.com/2006_03_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_01_01_archive.html
28th December 2006 17:44:12 empantanas.blogspot.com/2006_02_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_03_01_archive.html
28th December 2006 17:44:56 empantanas.blogspot.com/2006/02/ests-cada-vez-mais-parecida-com-tua-av.html#comments
empantanas.blogspot.com/2006_02_01_archive.html
28th December 2006 17:45:03 empantanas.blogspot.com/2006_02_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_03_01_archive.html
28th December 2006 17:45:23 empantanas.blogspot.com/2006_04_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_02_01_archive.html
28th December 2006 17:46:12 empantanas.blogspot.com/2006_05_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_04_01_archive.html
28th December 2006 17:47:02 empantanas.blogspot.com/2006_06_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_05_01_archive.html
28th December 2006 17:52:22 empantanas.blogspot.com/2006_07_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_06_01_archive.html
28th December 2006 17:53:26 empantanas.blogspot.com/2006_11_01_archive.html
empantanas.blogspot.com/2006_07_01_archive.html

Ora aqui está um bacalhau seco

terça-feira, dezembro 26, 2006

Maria do Céu

Maria do Céu mora nas alturas.
Isto dos nomes tem que se lhe diga – Maria do Céu não poderia morar num rés-do-chão ou numa cave. É certo que Maria do Céu não mora no Sheraton, mas está perto dele, pelo menos. E também é verdade que Maria do céu tem mais dois pisos por cima dela e da placa de betão que é o seu tecto, mas, para efeitos da presente narrativa, decreta-se aqui que um quarto andar já não é mau, e que, com um esforço de imaginação considerável, se pode concordar com a narradora e assumir que quatro pisos já são ligeiramente próximos do céu, pelo menos se alguém se der ao trabalho de esticar um braço à janela para tentar apanhar alguma das dengosas nuvens que alcatifam o azul do horizonte.
Maria do Céu faz tanto jus ao seu nome que tem no seu acento de nascimento como uma Anabela que, em tempos, eu via todos os dias, de madrugada, com o passe social L123 na mão, na paragem do 27 na Avenida de Roma – a Anabela era feia como uma osga, e a Maria do Céu, bem, não emana qualquer imagem celestial, aliás, e para provar que eu não sou tão boa pessoa como muitos me julgam, até há umas semanas, eu não sabia que Maria do Céu tinha essa graça, e durante uma década referi-me a ela como a olharapa.
Deus é o melhor argumentista e a realidade bate a ficção. Depois, há uns desgraçados que têm um dom, que sugam realidade pelos poros, ou pela palhinha, que depois a digerem e vomitam algures entre o olho esquerdo e a moleirinha e, com mais uns floreados e umas destrezas técnicas na manga, é a isso se chama ficção. Estou certa que é por causa disso, e porque sei o nome de muitas árvores – há pouco, o Cerejo queria um botânico para descobrir o nome de uma espécie, para um artigo, e eu disse, sem pestanejar, Ficus Macrophylla –, que hei-de ser uma grande escritora.
Maria do Céu passou o Natal no seu bunker, à altura de quarto piso.
O presidente do conselho de admiração (esta é do Goiaoia e é genial) quis demonstrar que era um humanista quando se vangloriou de pulmões bem abertos e peito inchado que não despedira Maria do Céu. É graças a ele que eu sei que Maria do Céu tem esse nome no bilhete de identidade, fico-lhe agradecida, porque, até então, era a olharapa que tinha um Peugeot vermelho, e que fazia lá sabe-se bem o quê neste edifício que não é carne nem é peixe, não é novo nem é velho, e não é alto nem é baixo.
É claro que a sensibilidade social do presidente do conselho de admiração se traduz em números. Na realidade, e tendo em conta a esperança média de vida de Maria do Céu, e o seu tom esverdeado da pele, não faltará muito para que ela vá para onde o seu nome a manda desde o seu primeiro grito. Feitas as contas, 1,5 salários de indemnização sairiam mais caro à empresa do que deixá-la estar quietinha, mas, foi uma boa tentativa, grande tentativa mesmo, essa, de tentar convencer os tontinhos de que os gestores têm coração.
Certo é que Maria do Céu é uma funcionária exemplar: trabalha 365 e, por vezes, 366 dias por ano. Antigamente havia uns acetatos que se chamavam fotolitos, e era Maria do Céu que os entregava em Alcântara no seu Peugeot vermelho. A banda larga matou os fotolitos, da mesma forma que a tv matou as estrelas de rádio, e a Internet anda deprimida porque ainda não matou os jornais e os livros, mas ela que se acalme e dê tempo ao tempo que ainda lá chega com mais um esforcinho.
Mas a banda larga não matou Maria do Céu. Agora, a senhora, que leva 36 anos em cada perna arqueada, controla a impressão do pasquim, nuns barracões da Mirandela, noite a dentro, inundando as narinas de um cheirete de tinta lançada sobre papel de má qualidade. Depois, ainda os galos preguiçam aninhados com as galinhas, já a Maria do Céu ata a jornalada toda, para que quando os preguiçosos dos escribas chegam, perto da hora do almoço, não lhes falte a leitura no Lacinho ou no Fax.
Maria do Céu tem um bunker no quarto piso. E, dentro desse cubículo, há quadros pregados nas paredes, há vasos com plantas, jarras com flores, há um iMac dos velhotes, porque Maria do Céu se recusa a converter aos PC’s, há um divã que se faz cama de solteiro num instante, prateleiras com livros e bibelots, uma televisão com um naperon de renda de nylon comprada na loja chinesa da Tomás Ribeiro, é lá que ela vive, a Maria do Céu, sozinha, foi lá que ela passou a Consoada, em paz, porque não será despedida em 2007 porque há gestores com coração de manteiga, é lá, de certeza, que o seu grande amigo, o estafeta engatatão, a vai encontrar uma bela manhã, inanimada.
Este é um post sobre os trágicos e sobre as coisas que continuo a testemunhar num metro quadrado ao meu lado, como o homem de aspecto duvidoso que, às 20h30 do dia 24 de Dezembro, em frente ao portão do Colégio Militar, se aproximou do Idea, levantou o pára-brisas, e deixou um folheto mal amanhado de venda de cosmética Oriflame em esquema de pirâmide (podia ganhar 250 euros se arranjasse dez assessores para a Oriflame). Ou da alma que, nesse mesmo dia, e neste mesmo blogue onde pairam agora, pelo menos, um par de olhos, enfiado no edifício da Direcção Nacional da PSP de Lisboa, esperava encontrar raparigas feias fotografadas pelos namorados.

Mensagem de Natal

Certamente já o sentiste.
Falo da dor, da dor física que nos apanha, que paralisa todo o lado esquerdo do corpo, o lado onde bate o coração, que sufoca, que comicha até, uma coceira insuportável, miudinha, que nos chega pelo simples facto de estarmos separados por tanta terra e por tanto mar.
Não no Natal, não só no advento, mas é no natal que tudo dói mais, que tudo alegra mais, mas por cada dor, parece-me só há 0,7 alegrias, pelo menos, comigo tem sido assim, e eu começo a acreditar que eu nasci com este nome e que ele diz tudo, resume tudo. É por estes dias últimos do calendário que a pele se eriça ao passear pela cidade iluminada e, depois... depois, tu não estás lá. Escrevem-se coisas parvas, aquela da árvore de natal foi uma idiotice, foi coisa própria do Natal e da dor, da dor de te ver tão poucas vezes, de partires mal ainda chegaste.
Eu fujo de pensar na tua ausência.
Penso que crescemos no momento em que não gostamos mais do natal. É o aviso de recepção, os alarmes soam por todo o lado e há sirenes que ensurdecem a ecoar pelas moléculas de oxigénio; é quando tentamos enfiar à força na mioleira que a Consoada é um dia igual aos outros e que o natal é quando um homem e uma mulher bem entenderem. Posso continuar a dizer que tenho 27 anos (não faço propositadamente; sai), mas cresci. Não gosto mais do Natal, Miguel.
Não penses, meu querido, que o meu coração está vazio e seco. Transborda de amor. Eu nunca imaginei que pudesse voltar a rebentar pelas costuras. Está cheio do teu amor também, há-de sempre estar cheio do teu amor, assim como o da Carolina, o do João e o de tantos outros amigos que eu não tenho espaço para enumerar. É o que me salva. Eu cresci e descobri que a chave mestra, para tudo, é o amor. Por todas as coisas e, sobretudo, pelas mais pequenas.
É essa a mensagem que te deixo este Natal.

[E lamento que haja tanta gente a ler este blogue com um coração seco como um bacalhau]

sexta-feira, dezembro 22, 2006

A garrafa de Veuve Clicquot

Se calhar, nunca existiu nenhum parecer jurídico de um qualquer advogado reputado neoliberal, cujo nome também nunca veio à baila. Aos poucos, a sindicalista deslumbrante perdia a sua ingenuidade e aprendia que cada cartada deste jogo traz na manga um trunfo e que a cor do seu naipe é o bluff.
É Natal e a sindicalista deslumbrante e sus muchachos deram o melhor presente ao presidente do conselho de administração. Plenário para aqui, plenário para acolá, duas semanas de férias praticamente arruinadas, comunicados escrevinhados à pressa, mas que, mesmo assim, fizeram ferver o leite e saltar a tampa da panela, houve de tudo, para todos os gostos e idades: emails intimidativos na caixa de correio, bombistas suicidas nas margens do Douro, houve moções escritas a chorar, às tantas da manhã, porque até o gato morreu nas benditas férias.
A sindicalista deslumbrante estreou a sua echarpe verde, cuidadosamente bordada por crianças paquistanesas. Disse ao presidente do conselho de administração, tinha que o dizer, também, nada a fazer, podiam vir mais emails gralhados das suas hierarquias de propósito duvidoso, podiam vir processos disciplinares, ou mesmo, um lugar longínquo no novo organigrama, mas têm um azar do caralho desta vez, é que a sindicalista deslumbrante não teme mais, entrou nesta aventura porque, olhem, foi como na faculdade, quando a sindicalista deslumbrante estudava numa escola superior muito bonita, disse um dia, estou farta desta merda, mãe, estou a desaprender, sinto-me a sufocar, e então passou a nivelar por baixo, pior era impossível, e então, tudo o que se sucedesse acima do patamar mínimo da dignidade humana era uma festa, era balões e foguetes a toda a hora, e neste caso, a jornalista deslumbrante só aceitou transformar-se em sindicalista igualmente deslumbrante, porque não tem nada, mesmo nada a perder, e foi por isso, que com os bordados das mãos pequeninas dos meninos de tez de meia de leite ao pescoço, e com um processo de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho a abanar e a tremer na mão direita, ela disse, teve que dizer, já que horas mais tarde, o presidente do conselho de administração estaria a brindar com uma garrafa de Veuve Clicquot Brut: “Há dias em que eu tenho vergonha de pertencer a uma empresa assim”.
E o presidente do conselho de administração fez um lifting imediato à testa por a ter esticado muito, e a sindicalista deslumbrante acha que o viu a encolher os ombros também e, nesse momento, achou-o parecido com o José Mourinho, mas nada, mesmo nada que ela dissesse o faria não abrir a garrafa de espumante prometida para o dia em que ele cortasse, com um aperto de mão da comichão de trabalhadores, 400 mil euros de custos fixos.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Avisito

A emissão segue amanhã.
Sem net durante uma semana. Só fez bem à pele.
Hasta.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Para a Marta*


Martinha,
A Carolina está sempre a perguntar quando é que vamos andar no carrossel da Alameda com a prima Marta. Combina com o pai e com a tia e vamos todos juntos, está bem? E depois do carrossel vamos comer algodão doce cor-de rosa. Tens que dizer à Carolina que algodão doce é muito bom. A Carolina tem medo do algodão doce (e também tem medo das folhas das árvores que caem no chão no Inverno - tens que lhe dizer, como eu e o pai João dizemos todos os dias, que as folhas são bonitas e amigas, que nunca nos fariam mal).
A Carolina gostava muito que tivesses vindo à festa de aniversário: tivemos um bolo com todos os amigos do Noddy, muitos docinhos, e dezenas de brinquedos novos para brincar. Não fiques triste - tu e a carolina vão ter muito tempo para brincar com a bonecada toda.
Martinha, já fizeste a tua carta ao Pai Natal?
O que é que lhe pediste?
Sabes, eu tenho um duende meu amigo que trabalha com o Pai Natal e que, por estes tempos, nem tem tempo para dormir, tão atarefado que anda a ler as cartas de todos os meninos e a embrulhar todos os presentes que eles pedem.
Manda um beijinho grande para a tua mana. E fica com este que te envio pelo céu, num escorrega que é um arco-íris.

Espero que gostes das fotos.



*A Marta é a mais nova das leitoras do (T)ralha. Tem quatro anos e andava a pedir à tia Marina para eu postar uma foto do bolo de aniversário da Carolina.

domingo, dezembro 10, 2006

O plenário

Não.
Enganara-se.
Não eram ainda monstrinhos, pensou o pior, pensa sempre o pior, o que é que se há-de fazer – é que está habituada, ao melhor e ao pior, um a seguir ao outro, ou mais pior do que melhor, é mesmo assim, tem que ser desta forma, ninguém pode ousar pedir o melhor e não estar à espera do reverso dessa moeda de ouro, e o melhor vale mais do que o pior, isso é uma verdade de la palisse, por isso, era quase aritmético, matemático, científico, a sindicalista deslumbrante ainda não tinha conseguido descortinado a equação, mas andava lá perto e para cada um melhor existiam, de acordo com os seus cálculos, 1,71 piores, nada a fazer, é o preço que se paga, é um preço simpático, até, que se paga.
A sindicalista deslumbrante estava deslumbrante de corpete preto de dominatrix no primeiro plenário que convocou e que, atabalhoadamente, com o seu parceiro sindical, dirigiu.
Não eram monstrinhos, ainda não eram, que alívio, a grande maioria não era e ninguém se apercebeu, mais de uma centena de pessoas concentrados como sardinhas enlatadas em 30 metros quadrados, ninguém deu conta de como a sindicalista deslumbrante ficou feliz que, naquele plenário, não se falasse só de trocos, de dinheirinhos, das carteirinhas de cada um. Que se falasse de pessoas, de direito ao emprego. Uma jornalista senior disse à sindicalista deslumbrante que tinha inveja dela. Tonta, a sindicalista deslumbrante pensou que ela falava da sua garra, do sangue que lhe pulsa às golfadas nas guelras, da sua coragem e inconsequência, mas não, a jornalista senior tinha inveja dos corpetes pretos de dominatrix que a sindicalista deslumbrante vestia nos plenários. Mas a sindicalista gostava de ser honesta e disse-lhe:
Há quem ache que eu tenha um grande cú.
Mais ou menos deslumbrante, com mais cinco ou menos cinco centímetros de anca, a sindicalista deslumbrante, com a sua equipa de inexperientes e imaturos jovens sindicalistas, conseguiu que a administração recuasse, e cada um engole como pode e consegue o ter que dar um passo atrás e o presidente do conselho de administração tentou a táctica do eu não disse nada disso, a sindicalista deslumbrante é que é muito exaltada (só lhe fica mal).
Cada um usa os seus trunfos, mostra ou não o seu jogo, aumenta a parada ou retrai-se. Cada um tem os seus objectivos: uns têm a obsessão por uma percentagem, outros são obcecados pelas pessoas. Da sua parte, a sindicalista deslumbrante não queria louros, ou palmadinhas nas costas, não queria também abrir a sua cova, só não queria ouvir um dia destes o presidente da empresa a dizer em plenário: Estávamos à beira do precipício. Hoje, demos um passo em frente.
Alea Jacta est.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Comichão de Trabalhadores

A sindicalista deslumbrante não estava assim tão deslumbrante quando, a meio de um texto sobre projectos urbanísticos aprovados pela autarquia de Lisboa por cima do traçado da terceira travessia do Tejo e da linha de ferrovia de alta velocidade, o telefone tocou, perto da hora do jantar, e a extensão que apareceu naquele seu instrumento de trabalho de quem era quase gémea siamesa era a do presidente do conselho de administração.
Nada a fazer e isto que sirva de lição à sindicalista deslumbrante: eram tempos difíceis, se não fossem tempos tão bizarros, aliás, ela nunca teria sido eleita, onde é que já se viu, uma sindicalista de direita e, ainda por cima, deslumbrante, eram tempos tão conturbados que já não restavam para amostra, sequer, ou para exposição atrás de grades com sinais evocativos para não serem alimentados, sindicalistas com patilhas e fartos bigodes, e assim sendo, a sindicalista deslumbrante acabou o texto, ainda teve tempo para sonhar acordada com uma torre miradouro da antiga fábrica dos sabões que conhecera graças aos delírios do Sá Fernandes, e teve que ir a correr para uma reunião informal e muito tardia com o presidente do conselho de administração, infelizmente, com o cabelo em desalinho e a precisar de uma lavagem urgente, que tinha sido adiada, naquele dia, por motivos imputáveis à botija de gás light da BP, que, alheia à vontade da sindicalista deslumbrante, tinha decidido ir desta para melhor, a meio do duche matinal.
E lá se sentaram, os dois únicos representantes dos trabalhadores que não estavam de férias ou folga, numa mesa redonda, e enquanto ela, com o seu cabelo num estado aceitável para a classe, mas totalmente repreensível para o estatuto de sindicalista deslumbrante, negociava mais quatro mil euros de indemnização para uma trabalhadora a quem tinha saído a lotaria de Natal, com uma rescisão amigável do contrato de trabalho no sapatinho, absorvia, ao mesmo tempo, tudo ao seu redor, procurava sinais de que o presidente do conselho de administração era um ser humano, e para além de anotar tudo numa agenda – o economato continuava trancado para cortar custos –, conseguia também mascar pastilha e encontrou ainda as provas que procurava: lá estava, na prateleira, junto à colecção dos Lucky Lukes, a moldura de acrílico e o retrato dos três filhos do presidente, que, sabe-se lá porquê, lhes confidenciou que a mulher tinha optado por ser mãe a tempo inteiro (e ela suspirou, sem saber se de pena, ou de inveja).
A sindicalista deslumbrante estava nisto, a saborear a sua primeira vitória, afinal o primeiro feriado de Dezembro ainda ia ser pago a dobrar, afinal, tinha valido a pena ficar sem voz durante três dias consecutivos, as mebocaínas, os mini comícios nos fumódromos e nos corredores, a empresa já não impunha, negociava, era bom, quase se esqueceu do cabelo por lavar, de não estar tão deslumbrante quanto seria desejável, quando lhe deu uma crise de urticária.
Era a comichão de trabalhadores.
O monstro não era o presidente do conselho de administração, era triste, mas não era ele, apercebeu-se ela, naquele instante: ele despedira 55 colegas da sindicalista deslumbrante desde Janeiro, ela não sabia e tentava adivinhar como é que ele dormia com isso, mas naquele dia, mais três pessoas tinham assinarado um papel que resumia o seu percurso dos últimos dezoito anos de vida em troca de um cheque, e, nos corredores, os outros, os que ficaram, os eleitos, exigiam pré-avisos de greve apenas porque lhes iam retirar a merda dos pagamento dos feriados a dobrar.
A sindicalista deslumbrante ouviu coisas do arco da velha e era aquelas pessoas que ela representava: despeçam lá quantos quiserem, mas não se atrevam a cortar-me o feriado, ouviu ela, ou, os que foram despedidos estavam mesmo a pedi-las, coisas que nem ela, sindicalista de direita ousara pensar, nos seus delírios neo-liberais. Um departamento inteiro daquela empresa ia ser extinto nos próximos meses e só se ouvia falar de greve por causa do pagamento dos feriados, era tão triste, era a natureza humana, o que é que a sindicalista deslumbrante estava à espera, mas quem é que, afinal, são os monstros?