sexta-feira, setembro 29, 2006

quinta-feira, setembro 28, 2006

A casa de onde não chegaram a sair dragões*, nem a entrar pombos pela janela


A questão é apenas esta, e à qual não vou responder, nem vou contar esta incrível história, pelo menos, enquanto o Da. não a for ver como só ele sabe ver, enquanto não ma trouxer em formato digital, para eu a poder guardar para sempre. A questão é tão somente esta: pode uma casa, uma casa, sim, é isso mesmo, são quatro paredes, e estas são de tabique, são telhas lá em cima, para que o mundo não nos caia em cima da cabela, são azulejos, portas, estuque, falo apenas de uma casa, pode uma casa pedir socorro? E, pior, pode uma casa pedir socorro em sonhos, e abrir todas as suas portas para que eu já a conhecesse, para que eu, já acordada, a acudisse?
E só pela Lyra, eu mostro os tesouros que uma casa, sim, que uma casa, me deu. A obra de Francisco Rodrigues Madeira saiu do lixo. O senhor António deu-me uma cadeira de baloiço e duas paletas de aguarelas. Mas eu resgatei quem as usou há cem anos atrás, quem foi deixado para trás. Eu já estou habituada a ter os mortos de ninguém a fazerem-me companhia. Esta casa já pode morrer em paz.

Eu não falo mais, espero as photos do Da. Para elas falarem também. Vamos fazer magia neste blogue.





*Alguém há-de entender o título, se acabar por sair um obituário que escrevi para o pasquim onde continuo até à data a não ser dispensável, apesar de me estar sempre a queixar que só me pagam 4,54 euros à hora.

** o Beta Blogger não me deixa postar mais fotos, querida Lyra.

Porque é de três em três semanas que o indivíduo me fode o juízo

Lá vamos nós para Tribunal outra vez. Veremos se desta, ele fode o juízo à juíza.

(mil perdões pelo palavreado; mas qualquer malfeitoria que eu tenha feito nesta, ou noutra vida, só pode estar absolvida depois de um infeliz encontro de dois seres neste planeta que, sem qualquer explicação científica ou mesmo "isotérmica", deu um ser lindíssimo, de olhos azuis pestanudos)

quarta-feira, setembro 27, 2006

Prenúncio

O gato laranja, de duzentas e trinta gramas, que habita em Santa Marta, acaba de urinar em cima do Semanário Sol.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Este blogue não morreu,

parece que está na moda, deixá-los ao abandono, até que as estatísticas confirmem e atestem o seu óbito (o querido FTA emudeceu (eu linko-o hoje, porque isto pode funcionar na blogoesfera e no Sitemeter como o choque eléctrico de um fibrilhador automático externo no peito de uma pessoa em paragem cardiorespiratória) e eu ainda choramingo, já sem falar do mano Trafuncas por quem ainda solto um pouco de baba e ranho na voltinha matinal pela blogoesfera - foram todos para o Sol? Agora é lá que se fazem os blogues???).
Mas não, não morreu, está bom de saudinha, roliço e com rosto trigueiro, apesar de se vestir sempre de preto - é porque emagrece. e porque a cidade está cheia de pequenas mortes - e eu quero-vos contar mesmo isso: uma história de abandono. A cidade está cheia de pequenas mortes, repito o que escreveu um blogger que não ouso citar, ou então que se lixe, mais cem visitantes, menos cem visitantes, ele nem vai reparar, e é mesmo verdade, assisti hoje a uma morte anunciada e, por isso, tenho uma cadeira de baloiço de madeira no quarto e uma paleta de aguarelas dos anos 50 na chaminé da cozinha encarnada. E não é que não tenha os dedos cheios de vontade, de raiva, e de um tremelique ansioso que já não sentia há muito tempo, mas o Apple Ibook de onde escrevinhei, em tempos, sem parar, até as mais altas e pouco saudáveis horas da madrugada, está ocupado por alguém que coloca o jantar nesta casa, nos quinze dias do mês em que a minha fralência técnica me faz ganhar uma média de 0,33 cabelos brancos por dia.
Por isso, calminha que eu já volto. (São quase onze da noite, ainda não se jantou, a pequena toma banho na assoalhada laranja, trabalhei onze horas, o fantasma do despedimento é mesmo assim, e eu já posto, não tarda, uma foto das aguarelas e da cadeira que um morto me deu.)

sexta-feira, setembro 22, 2006

O dia começa melhor

Quando à espera no Gmail está uma orgia de comentários do Goiaoia.

Depois há o silêncio da redacção vazia - sem telefones frenéticos, sem folhas vomitadas do porta-aviões que é a fotocopiadora, fax e impressora laser, cujos segredos de funcionamento estão muito bem guardados e acessíveis apenas a quem tirou o doutoramento na Xerox - e o vinil do chão ainda muito limpo, os caixotes do lixo vazios, os cafés e os cigarros sorvidos de enfiada até que alguém chegue para eu dizer bom dia (chegou o senhor Onório com as revistas da Sonae, de como somos um grupo socialmente responsável, sustentável e blá, blá, blá; demora a dizer bom dia, o senhor Onório, e, num instante, fico com medo de não existir, de ser um sonho de outra pessoa, que acabou agora mesmo de despertar), é o cortar a fita de plástico que une a jornalada da minha secção ("estas tretas das revistas que vocês deitam logo fora", diz-me o senhro Onório zangado, e depois acrescenta "e fazem muito bem!", e afinal existo e respiro de alívio), e é mais um dia que começa e eu vou ler o 24 Horas.

quarta-feira, setembro 20, 2006

O que mais me custa

O que mais custa não é sair da cama, a horas que, há tão poucos dias e durante tantos anos, não convenceriam as pestanas a desenroscarem-se umas das outras, nem à custa da promessa da visão de uma das maravilhas do mundo. A rua de Santa Marta acorda mais cedo que eu, sei-o bem, e madrugar não é o que me custa, não me queixo, quase todo o mundo acorda mais cedo que eu, que moro por debaixo dos pés do marquês e do seu fiel leão amestrado.
Durante nove meses carreguei nos olhos noites brancas, e ouvi a minha rua a despertar para mais um dia de trabalho, de alegrias e tristezas pontuais sem hora marcada nos ponteiros do relógio. A minha rua acorda quando o sol e os galos ainda preguiçam e ouvem-se vozes de todas as línguas menos daquela que eu sei decifrar. Depois há os polícias, vão e vêm, de e para a esquadra emblemática que nunca está de portas fechadas, mas fazem pouco barulho, pegam no trabalho e largam o trabalho em silêncio, não percebo bem porquê, mas honro o acordo informal entre civis e autoridades do trânsito, que permite aos residentes toda e qualquer espécie de estacionamento selvagem no perímetro da rua de Santa Marta com o Largo de Andaluz e até ao Largo das Palmeiras, segunda fila, por cima dos passeios e, com jeitinho e dois minutos de conversa com o porteiro, até nos dois lugares reservados à Judiciária, cujos agentes almoçam sanduíches na baiuca da D. Beatriz, que os chama respeitosamente de “doutores”.
Não custa entrar às nove e sair as cinco, não custa sair da cama antes das oito da manhã, e só custa um bocadinho a poluição que se entranha na pele, logo pela manhã cedo, na Duque de Loulé, e é um pouco desagradável a poeira que me suja o cabelo das obras do túnel do Marquês, Fontes Pereira de Melo acima.
O que me custa mesmo é não estar na redacção à hora que a Dona Maria chega para lavar as casas-de-banho deste edifício. Deixo-lhe, religiosamente, o 24 Horas em cima do teclado, com um post-it amarelo com qualquer coisa simpática rabiscada, mas acabo por não discutir a manchete do tablóide-bíblia com mais ninguém, não tenho ninguém para falar das as parvoeiras do dia, não oiço queixas do reumático, não debito lamentos sobre os meus joelhos e isso custa, custa mesmo.
A Dona Maria é a melhor coisa deste jornal.

domingo, setembro 17, 2006

O Professor de Filosofia VI (acho eu, já lhes perdi a conta)

Previously, em O professor de Filosofia:

O Professor de Filosofia recolheu, uma a uma, as fichas de alunos já preenchidas, percorrendo como numa marcha militar, as cinco filas de carteiras

Estragou o almoço dos alunos da Ameixoeira. Escrevam numa folha e entreguem-me a resposta a: O que é pensar?


Ainda bem que pergunta, estava a ver que nunca mais, estranhas as coisas: faz-se tanta pergunta vã, de que marca são as tuas calças, qual é a cor desse verniz, já emagreceste quantos quilos, e esta, tão premente, ninguém a faz, certamente depois há um problema de sobreaquecimento da resistência que carbura na mioleira e é uma desgraça, é que não é fácil a resposta a esta pergunta, mas podia-se tentar, não é, e eu às vezes faço perguntas que são óbvias como esta, e depois, riem-se de mim, mas ainda assim, eu não desisto, não me conformo, mas aprendo, a cada dia que passa, a estar calada e guardar estas coisas em mim, até que me apareça alguém que sinta o mundo como eu o sinto.
Porque é que o maestro não usa batuta, perguntei eu, aos seis anos, naquela que foi a minha primeira visita de estudo, ao Maria Matos, não para ver teatro, mas sim, para ouvir Beethoven. Riram-se. Porque é que o ar que bafejo para cima das minhas mãos, nas manhãs geladas que me cortam a respiração, mas que a trazem de volta quando saio de casa e há orvalho nas folhas do rusgo, é quente, e porque é que o mesmo ar, que sai da mesma boca, mas quando o sopro, é frio e me arrefece a sopa?
Até hoje, ninguém me soube responder, provavelmente também não será o professor que me vai tirar esta dúvida, mas por favor não se ria de mim.

(sem dar por isso, chamou-lhe professor. Sim, chamou-lhe, mesmo que tenha sido a tinta permanente, na folha de papel rigída da marca Ambar – só a Ambar produz papel de cem gramas por metro quadrado. Não há chamamento mais forte do que aquele que é feito por escrito. Eu chamei o senhor 50.000 por escrito, neste blogue escuro, cujo layout já precisava de um bafo quente de mudança; ao acaso, tivesse eu gritado pela janela o seu nome, teria ele vindo como veio, por debaixo de uma roseira de santa Teresinha com mais de cinco metros de altura? Pois não... por isso, muita cautela com o que se escreve, e mesmo muita, mas muita prudência com aquilo que se deseja, porque, certamente, se realizará. Professor ficou, desde aquele instante, apesar de ele ser, na altura, demasiado novo para ser professor, mas ela não sabe se foi das bexigas que lhe marcaram a cara para sempre e que lhe davam aquele ar duro, se foi do cabelo impecavelmente penteado ou do colarinho engomado. Aquele não era um setôr, era um professor e, da mesma forma, que ela sempre soube que algo incrível iria acontecer à 50.000ª visita deste blogue, também teve a certeza que aquele jovem professor de filosofia seria uma espécie de gurú, o seu primeiro mestre nas lides de como ser melhor, um pouco melhor a cada folha do calendário que se rasga)

Professor (repetiu a palavra, e apercebeu-se da gravidade do que havia feito – a turma toda, sobretudo as da Ameixoeira, iriam troçar, chamá-la graxista, lambe-botas e outras coisas menos aceitáveis, por este chamamento solene. Tanto pior, para eles, pensou, quando precisarem de copiar nos testes faço-lhes um manguito – coisa que ela sempre soube foi que a vingança era prato que se servia acabadinho se sair do pólo norte, e, de quando a quando, no Aki de Telheiras, ela encontra uma tal de Mónica, que pertencia a esse grupo da freguesia da Charneca que, sabe-se lá porquê, foi parar à quequíssima Alvalade, e sorri quando lhe entrega o Visa do Barclays, e tira-lhe, literalmente, as medidas, de alto a baixo, por cima do seu uniforme amarelo e boné ridículo, que lhe faz sobressair a obesidade mórbida que se instalou no seu corpinho outrora número 34), a pergunta devia ser ao contrário, penso eu – interessante, esta minha escolha de palavras, já viu? Penso eu... E o que raio é pensar, pergunta-me, e eu não lhe respondo, lamento, não me apetece.
Estou há oito anos à espera para contar o dia em que eu deixei de pensar, entre uma garfada de açorda e o olhar perdido num feixe de projectores de iluminação da pista de tartan do estádio da FNAT (ai, perdão, não sei se leva a mal este revivalismo estado-novista, mas lá em casa não se me permitem exultações ao dia do Trabalhador – ele não levou a mal.)

Sem saber, ela escreveu o seu primeiro post, numa folha pautada de cem gramas por metro quadrado, a tinta permanente sépia, mesmo antes de existir Google, muito menos Blogger.

Soltou o monstro. Até aí, era a miúda que não era magra, mas também não era gorda, que não tinha os cabelos lisos, mas que não os tinha aos caracóis, era a que tinha boas notas a tudo, mas que, especialmente, tinha jeito para o desenho, seria designer, ou estilista, sempre gostou de uns trapinhos, e gostava de costurar, sim, provavelmente, seria designer de moda. As suas composições eram medianas, por vezes, pedia ao seu irmão mais velho, que sempre teve mais imaginação e melhores notas, para inventar umas histórias, é que ela nunca teve paciência para trabalhos de casa, ora são oito horas fora de casa, e ainda mais duas horas de trabalho em casa? E depois, como poderia ela questionar os dados adquiridos do mundo? Não sobraria tempo. Foi aquela pergunta, simples, que alterou tudo, que soltou o vulcão que esteve a aboburar em lume brando oito anos. Desde então, perdeu o jeito para pintar, foi-se-lhe a perspectiva, ou isso, ou vive num mundo com estranhíssimos pontos de fuga, e estranhas proporções. E há quem diga que a blogoesfera foi feita apenas para ela, para ela poder brilhar (e sempre que olha para o statcounter, e espia no technorati os bloggers de referência que a linkam sente que a sua passagem por este planeta já não foi em vão. De certa forma, cumpriu um micro-objectivo de vida e fê-lo à custa do seu trabalho, do seu talento. Isto é mesmo muito importante para ela, ser realmente boa em alguma coisa).

Isto marcou-me muito, ainda não o ultrapassei totalmente – da primeira vez que olhei para a lâmpada do candeeiro de mesa-de-cabeceira do meu tio Zé, e depois vi muitos feixes de luz a serpentearem-se na escuridão dos olhos fechados, também me assustei, tanto quanto desta vez em que parei de pensar, e pensei que cegara, chamei por socorro e a minha avó deu-me uma palmada no rabo e disse-me para não voltar a olhar directamente para as lâmpadas que ainda ficava cega, e eu assim fiz, e nunca mais me assustei.
A expressão corriqueira para descrever o que se passou naquele dia seria “parou-me o cérebro”. Estava muito ruído. Nessa altura, éramos muitos à mesa, e o Hugo não queria comer a sopa e eu recusava-me a abrir a escotilha e deglutir açorda de pão com peixe cozido.

A minha mãe berrava qualquer coisa da cozinha que se eu não comesse, qualquer coisa e tal que deixaria de fazer. A minha avó, no meio de mim e do Hugo, convencia-nos, sob uma qualquer chantagem ou prémio, a comer tudo sem refilar. E eu fixei o olhar na janela, os vidros estavam a precisar de uma limpeza, quinto andar sobre o bairro de Alvalade, uma bela vista, garanto-lhe, o estádio lá mais à frente, o projector de milhares de watts a rasgar o céu, a minha avó com um garfo numa mão e uma colher na outra, e por poucos segundos, um agradável silêncio, tudo parou, até passar um avião que me tirou daquele transe.

Professor, juro-lhe, eu não pensei em nada naqueles segundos. E foi uma paz indescritível. Pena não haver um botão. Por exemplo, agora mesmo, estou de olhos fechados, em concentração absoluta, com imensa vontade de não conseguir pensar. Mas no máximo estou a pensar que não estou a pensar.
Eu acho que são as vozes da consciência. Eu oiço muitas vozes, acompanham-me, são simpáticas, não se preocupe, que não me dizem para cortar ninguém aos pedacinhos com uma faca daquelas que se vende pelo TV Shop. Eu sei que elas não são reais, não sofro de nenhum distúrbio psiquiátrico, sou, verdadeiramente, inofensiva, para mim própria e para os outros. Elas são o meu pensamento. Não é linear. Dá curvas e contra-curvas, daquelas de gancho, em que se reduzem duas velocidades, porque só se vai conseguir vencer aquela sinuosidade em altas rotações.

Eu penso quando algo ou alguém me estimula. E aí tenho rendimentos notáveis, posso ser a melhor desta escola toda. E quando assim é, nem lhe conto, é uma barulheira infernal na minha cabeça, quando estou em velocidade cruzeiro todas elas falam umas por cima das outras e eu só consigo apanhar duas, no máximo três, perco todo o resto do meu pensamento, imagino que seja como ler pautas de música, ler o meu pensamento, colcheias numa pauta, e breves noutra, orientadas por uma clave. As duas, ao mesmo tempo, dão um lindo som, perfeito. Se só apanho uma, sai-me coxo o pensamento. Acontece-me muitas vezes.
Raramente deixo de pensar, de uma forma tão sentida como naquele almoço em que não comi a açorda, e provoquei um ataque de histeria à minha mãe, na cozinha, e arranquei suspiros à minha avó que já estava a ser devorada por um cancro.
Certamente, a vida seria melhor com menos ruído. Sorte aquela dos que não pensam.

(lamento, não consigo acabar o professor de Filosofia ao post 700. E este, afinal, é o quinto e não o sexto capítulo da saga do professor)

quarta-feira, setembro 13, 2006

E outra declaração, ao post 699 (ao 700 mato o prof de filosofia)

Estou triste.
A história do beta blogger saiu-me cara e eles bem avisam que uma vez beta blogger, para sempre beta blogger, não dá para voltar atrás, ah pois não, e a menina devia saber que quando diz Beta é sempre arriscado (não sei se as betas são arriscadas; eu dessas coisas, só sei do testemunho de um blogger de referência que me diz que as suburbanas é que são a sua kryptonite).
A moral da história é que tenho que me deixar de geekices (eu prefiro escrever guiquisses). Continuo a aderir a todas as novidades idiotas que aparecem, aos gadgets que não sei para que servem, às extensões mais doidas do Firefox que depois nunca uso, apenas para impressionar alguém que já não é impressionável e que às vezes sonho que lê este blogue às escondidas (ler o blogue dessa pessoa é como comer chocolates às escondidas).
Por causa do Beta, o pessoal deixou de poder comentar esta horta e eu também estou impedida de escarrar uns bitaites nas caixas de comentários por causa da ousadia que cometi sem ler as letrinhas pequenas. Sim, estou triste. Portanto, senhores da Google, arranjem lá esta merda depressa, senão eu amuo e deixo de contribuir para este magnífico ecossistema de flores raras que é a blogoesfera.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Declaração (quase a chegar ao post 700 e sem vergonha nenhuma na cara de ser uma adolescente parva e de este ser um querido diário)

Todas as palavras que eu gasto por dia deviam servir apenas um propósito, seriam sagradas, assim, e não discursos vãos, monólogos a dois, se é que tal coisa pode existir e eu não me estou a lembrar, neste momento, da palavra certa, é que eu gasto palavras em conversas de surdos, de loucos, de humoristas negros como a noite, de pintores surrealistas que absuam do laranja, as minhas palavras não deviam transformar-se em notícias que já passaram de prazo quando as dedilho com todo o amor que dou a todas as coisas deste mundo, ou que expiram duas ou três horas depois de serem traduzidas em zeros e uns, num qualquer computador obsoleto onde entro em transe.
Todas palavras que arranco aos dedos, que alguém me sussurra ao ouvido e que eu me limito a reproduzir, deviam servir-te e servir apenas para dizer que te amo.
Nada mais importa.

A lei das compensações não existe, querida Lady e Carrie. Aconteceu mais uma coisa má, mesmo muito má. Mas o impossível também aconteceu e a roseira de santa Teresinha que eu comprei em honra ao homem que me impede de cortar os pulsos com tanta merda, merda da pior que há, daquela que é inenarrável, da que eu me recuso a escrever porque isso seria consentir que ela existe mesmo, que não é só um filme de muito mau gosto, uma partida tonta que alguém me quis pregar, a roseira floriu, sem explicação possível, dez meses antes do previsto.
Foda-se, e há formigas a saírem do teclado do iMac. E os canos da cozinha rebentaram.

domingo, setembro 10, 2006

Enquanto a sopa não levanta fervura

Algo está para acontecer, coisa diferente, talvez, quem sabe, algo que me arranque a pouca força dos joelhos e me mande ao chão, com a delicadeza de uma rajada de vento ciclónico. Se calhar, coisa boa, será? Algo tão forte que me atinja como um raio em noite de tempestade. Coisa má, é possível? E, sim, vem chuva, os joelhos e os ouvidos meteorológicos desta que vos escreve, emitiram o alerta laranja há mais de uma semana.
Vai acontecer algo em mim e eu gostava que me levassem a sério.


A maldição do bacalhau com espinafres acabou.

E dentro da ruína em que me encontro sorri. Porque voltei a saber cozinhar bacalhau com espinafres. E isto foi depois de uma conversa ao telefone que me fez ganhar dois fios muito prateados na imensa cabeleira castanha escura. Eu acabei a chamada, suspirei, e disse ao João, Isto tira-me anos de vida, Eu não sou esta, Acabaram de me nascer dois cabelos brancos, senti-o, quando poisei o telefone, acreditas que me acabaram de crescer dois cabelos brancos?
Eu preciso que me levem a sério. Isto não são hipérboles. Há cães que cheiram doenças, ao que sei, ao que li algures na imprensa de sábado, há até moluscos que detectam cancro, e uns peixes de aquário, os Plecostomus, que comem a psoríase da pele de crianças. Eu sinto sempre que envelheço mais um bocadinho.

Na casa-de-banho de serviço da casa do Outeiro, cabelos molhados de água com doses pouco recomendáveis de cloro, no espelho que está lá desde sempre, como as chávenas de café que estão lá desde sempre, e as cortinas com armas e brasões e armaduras a divivirem as salas, que, adivinhem, estão lá desde sempre, dois cabelinhos minúsculos, recém-nascidos, brancos como a porcelana do lavatório que não está lá desde sempre, mas há, certamente, tantos anos quantos os que constam no meu bilhete de identidade, caducado desde Maio.
E depois disto, um mergulho na piscina, e já cá em casa, a roupa arrumada por ordem cromática, no closet, e as cordas do estendal divididas, coisa de obsessão profunda, uma para o João, onde só entram as tee-shirts e calças do João, uma para a Carolina, onde só entram roupas em miniatura, outra para mim mesma, a terceira, depois da deles, onde entra pouca coisa porque esta máquina só tinha dois vestidos meus, e outra para as cuecas.

E eu sei que algo está para acontecer.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Milagres e afins

E porque o assobio não pára, eu não tenho outra escolha se não olhar para o lado feliz da vida, isto antes de ir tomar um comprimido para a dor de cabeça e de o João acabar de fazer a mézinha que me vai pôr a dormir, que finalmente me vai deitar a baixo como um dardo tranquilizador, em dose para rinoceronte, e no meio de um desespero ensurdecedor - eu oiço vozes, sabiam? Eu estou sempre a ouvir vozes, é isso que conta a saga do professor de Filosofia se algum dia lá chegar -, e reparo que houve um milagre hoje: o Ricardo, no meio do sudeste asiático, o Ricardo que nunca tem onde cair morto, e o Pedro, o tio Pedro, o Pedro que sentiu o pontapé mais assustador da Carolina, estava ela no oitavo mês na barriga da mãe, ambos se disponibilizaram para pagar a mensalidade do colégio da pequenita. E o João, o João não me deixa ir trabalhar no fim-de-semana para o El Corte Inglés. Diz que tudo se resolve.
Mais do que o grande prémio do Casino de Lisboa, mais do que uma eventual comoção do João de Valsassina Heitor ao ler a minha "anulação de matrícula, por motivo de desemprego de um dos progenitores", mais do que a funcionária da secretaria a desejar-me força neste momento, bom, isto vale muito mais do que isso.
Olho para o céu à espera que me caia um milagre na testa, remexo a terra das floreiras da janela à procura de notas de 500 euros e nem reparo que já bateu à porta uma coisa muito mais aterradora - estes amigos nunca me vão faltar.
E quanto ao outro, o que se espera de um homem que não pagou o enxoval da filha? Segue-se em frente, e nunca mais se espera nada de homens sem sangue quente a correrem-lhe nas veias.
(Agradeço à insónia pela clarividência. E vou-me deitar)

quarta-feira, setembro 06, 2006

Novidades, chefe

Olá chefe,

Não fomos ao casino, mas comprámos uns frasquitos de vidro, hereméticos, na catedral sueca da decoração do lar. As putas das formigas não mais nos vão comer os cereais do pequeno-almoço. O Cerejo diz para eu as gasear com a dispensa cheia de mantimentos com BioKill, mas eu acho que o Cerejo não regula bem e já era tempo de ele saber que eu me chamo Diana e não coisinha.

Começo pelas boas notícias, hoje, só para variar, porque o meu dia foi um pouco monty pithonesco e na minha cabeça só toca, em assobio, o Always look at the bright side of life.

A Carolina está óptima de saúde, alta e robusta para os dois anos e nove meses que vai fazer daqui a dois dias, garantiu o pediatra que há vinte anos atrás domava as minhas anginas, insistindo com a minha mãe que mantivesse a integridade das minhas amígdalas, porque elas estavam lá para alguma coisa. E eu ficava feliz, chefe, porque ele dava carta verde, apesar do meu excesso de peso manifestado na primeira infância, para comer todos os gelados que me apetecesse.
A loira está a entrar numa idade perfeita, 33 meses, os pediatras gostam sempre de contabilizar a idade em meses e eu teria que puxar da calculadora do meu telemóvel baixo de gama para saber quantos meses tenho, mas isso é informação puramente inútil, lamento se não faço sentido, se já estás efectivamente assustado com estes meus emails, mas estou cansada, e sim, confirma-se, não gosto de viver, não gosto de viver porque há 42 meses a minha vida cruzou-se com a de um verme, de uma espécie de parasita com calvice, e, agora sim, vou puxar da calculadora e contabilizar quantos mais meses vou ter que o trazer colado a mim como uma sanguessuga, uh oh, bela merda, chefe, no cenário mais optimista, considerando que a Carolina lhe vai dizer tchauzinho e passou bem aos 15 anos, ainda me faltam 180 meses, chefe, 180, vê lá tu, tanto tempo, e eu em 42 meses já vivi mais do que muita alminha que anda por aí a dizer mal da sua vidinha, e às vezes, esborracho formigas e penso na cara dele, se tivesse ratos, decerto ia ser uma matança desgraçada ao som daquela pecinha de Mozart que eu gosto, Apolo e Jacinto, eu sou uma pior pessoa porque ele respira, chefe.

Ah, as más notícias. Anulei a matrícula da Carolina no Valsassina. Não me apareceram 2300 euros do céu, chefe. Também não tentei o casino, é certo. A sorte não bate duas vezes á mesma porta. Encontrei o senhor 50.000 à 50.000ª visita, e o dinheiro não cai no blogue, nem se lhe cheira o rasto através do Statcounter.
A dois dias do começo das aulas, chefe, anulei a matrícula, escrevi uma carta de fazer chorar as pedras da calçada ao Frederico Valsassina. A sanguessuga não paga. Parece que está desempregado, mas curiosamente, foi de férias, e anda com um carro melhor que o meu. Eu ainda o fiz passar por boa pessoa, chefe, na carta que enviei ao Frederico Valsassina, não acredito que escrevi uma carta ao Frederico Valsassina em que ele parece um pai extremoso. Nem imaginas o que eu já chorei hoje, chefe. Não imaginas o que dói só existirem direitos e os deveres serem sempre para cima de mim. Os bibes da Carolina estão prontos. Nome, Carolina Ralha, porque ela vai ser sempre Ralha, mesmo que eu perca o processo no Constitucional, bordado a linha azul escura.
A mochila das princesas está no chão, aqui na assoalhada ao lado, e já não vai para a Quinta de Santa Teresinha na próxima segunda-feira. E, de certa forma, chefe, tu também tens um bocadinho de culpa nisto tudo. Porque é que eu sou a gaja mais mal paga de todo o piso 1, chefe? Sabes que há quem diga que eu sou a melhor escritora? Acho que vou pôr baixa, chefe. Ganho mais dinheiro quando estou de baixa e só me apetece chorar, chefe.
Dia

terça-feira, setembro 05, 2006

Carta para o chefe

Querido chefe,

Cada qual com o seu dramalhão.
Cá em casa não há ratos, mas há formigas por todo o lado e eu já quase paralisei de medo nas escadas, com a Carolina a dormir no meu ombro direito, e uma barata alada quietinha no degrau da escada onde moram os carunchos.
Cada um tem a praga que merece. (Eu nunca gostei de formigas, é um facto; indecente aquilo que fizeram à cigarra. Mas eu dantes não matava formigas. Eu não matava nada antes. Agora, extermino as pobres obreiras com bio kill e acende-se um brilho esquisito nos meus olhos, ou esborracho-as entre os dedos, ou brincamos aos tsunamis na banheira, sanita e lavatório - parece-me que é na casa-de-banho que elas se aquartelaram.)

Mas este mail não tem a ver com as pragas do Egipto (espero, porém, que já não haja roedores em tua casa). Ou talvez tenha, de certa forma. Dizia eu: cada qual com o seu dramalhão e cada um tem mesmo a praga que merece. Eu estou habituada a dramalhões.

(...)

Algum dia viste o filme Run, Lola, Run? A menina de cabelos vermelho fogo, interpretada pela Franka Potente, tem oito horas para arranjar um milhão de marcos e safar o namorado tonto, Manni, de uma morte dolorosa perpretada pela máfia russa (ou berlinense, tanto faz).
Eu estou na mesma onda que a Lola. Só que não tenho joelhos bons para correr. Talvez pinte o cabelo de vermelho, quem sabe. (...) Tenho um aviso de pagamento do Valsassina, de 4600 euros, na minha mesa de cabeceira que não me deixa dormir desde quinta-feira. Tenho toneladas de férias atrasadas, espero que não haja problema em tirar estes três dias, onde terá que se dar o milagre da multiplicação dos euros.

PS- Após três tentativas falhadas e sempre ao som de techno alemão, a Lola consegue o dinheiro que precisa, no casino. Esta noite, acho, vou até ao Parque das Nações, largar cinco ou dez euros nas slot's. Eu ainda acredito em milagres. Talvez, quem sabe, esta noite nasçam dentes do siso ao indivíduo e ele deposite a metade que lhe corresponde na minha conta do Montepio Geral.

Um beijo para ti, chefão, já tenho saudades.
Dia

segunda-feira, setembro 04, 2006

Draft

Agora, já não tenho medo de o escrever, sabendo, decerto, que a caixa de comentários se vai encher de leitores preocupados, solidários e voluntariosos, capazes de largarem tudo o que estão a fazer neste momento, para, das duas uma: pegarem no telemóvel e saberem qual é o dramalhão desta vez, ou, escreverem alguma coisa simpática, como, descansa, não vinques mais a ruga a meio das sobrancelhas, tudo se vai resolver. [Eu só escrevo isto, desta vez, porque li um comentário febril da Lyra, no Trafuncas, a contar que o seu post "Sou profundamente só" foi o que mais comentários teve na sua existência bloguística, apesar de ninguém er percebido de que solidão falava ela]
E tendo a certeza que sim, que tudo tem conserto na vida, que este assunto, este indivíduo (quando eu lhe chamo indivíduo é porque a coisa está má) já me roubou mais vida do que aquela que ele merecia algum dia viver, digam o que disserem, e venham todos os milagres que me fazem, por vezes, crer que não, neste momento, como em tantos outros em que este post ficou em draft, porque eu não gosto ou quero que sintam pena de mim, porque eu luto contra a minha biploaridade com uma força que não sei onde vou buscar, eu não sei se gosto de viver.