sábado, dezembro 31, 2005

Balançinho

Na assoalhada à minha direita - será que alguém deu pela minha falta? -, comem-se camarões e lagostins. Até eu comi camarões - lagostins não sei descascar, a Magui descascou-me um para eu experimentar, eu nunca como marisco, sou uma mulher económica, não gosto de marisco, não gosto de caviar nem presunto - e o Leonardo está a comê-los à mão, em vez de usar faca e garfo. Ninguém tirou fotografias, se eu não o escrevesse aqui, não haveria registo para a posteridade.
O ano despede-se alegre, acompanhado de uma reserva tinto de 1999 - a Marina também gosta das cabeçinhas, diz a minha mãe ali do meu lado direito - e, tal como aconteceu com o Natal, o melhor Natal de há muitos anos, tudo corre melhor do que se poderia imaginar.
Venho aqui, a uma hora e cinquenta do novo ano, um ano par e, apenas por isso, torço-lhe o nariz, eleger os cinco melhores textos que escrevi em 2005 - cinco porque é ímpar, cinco, um por cada dedo da minha mão doente, cinco porque três não consigo escolher, é muito pouco (escrevi 411 posts em 2005), cinco porque estamos em 2005. Gosto de muitos mais textos, gosto dos mais merdosos até, tenho-os quase todos na cabeça, sei, inclusive, os meses em que os escrevi, não é difícil encontrá-los.

Os que eu mais gostei de escrever foram estes:

Deus no armário dos sapatos

Menina Alzirinha

Os loucos

Há tanta gente infeliz


Às catorze horas e quarenta e três minutos

Estão a chamar-me. Até.

2005

Às vezes, escrevo posts de cuecas. Durmo de cuecas, e acabei de acordar, a Carolina deixou-me dormir até ao meio dia e meio e, esta noite, fiz batota, precisava mesmo de dormir, tomei um poderoso soporífero, por isso, vivam com isto, eu sei que é demasiada informação, que não precisavam de o saber mesmo, mas, neste momento, estou sentada no sofá laranja a escrever de cuecas. E enquanto escrevo estas linhas, xuto uma de ER no AXN, e quando escrevo posts de cuecas, a bateria do Ibook dá-me umas mini-descargas eléctricas nas pernas, que às vezes não me chateiam, mas hoje está particularmente eléctrico o computadorzinho da maçã.

2005 não foi um ano tão mau como possa parecer, ao reler este blogue - a (T)ralha nasceu a 6 de Janeiro e acho que devíamos comemorar o seu primeiro aniversário algures no Bairro Alto (boa?).

Não faço balanço deste ano.
Agradeço ao amigo que já não é, por ter sido o notário que me entregou a escritura deste pedaçito da Blogger.
Agradeço ao Andy e ao seu desaparecimento súbito em Fevereiro, agradeço a paixão assolapada que senti pelo senhor holandês - eu não me apaixonava assim há muito tempo, totalmente platónico -, agradeço-lhe mesmo o facto de ter inspirado as postas tristes dos primeiros seis meses de vida da (T)ralha.
Tenho que agradecer, também, ao indivíduo com quem tomo bicas em cafés manhosos, porque sem ele, não teria escrito postas sublimes, não me teria sentido invencível, não me teria sentido uma merda também, mas, sem ele, não teria escrito palavras que nunca supus ser capaz de parir e que estão aqui, neste layout preto, para mais tarde recordar.
Sem eles, sem estes três homens que marcaram 2005, não conheceria a Thê, o Ganilho, a Mary, a Cordeira, o FTA, o MPR, o Manual, e tantos outros (o levantamento é exaustivo, nem é esse o propósito deste post, até porque o computador continua a dar-me esticões nas pernas e é um pouco desagradável).
E vocês, pandilha de leitores ainda sob anonimato, não teriam nada para ler de manhã, se eles não me tivessem assombrado em 2005.

Feliz ano novo.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Ao que tudo indica...

... lembraram-se do meu nome para seguir um candidato presidencial...
Ehehehehehehehhehe
Lá andarei eu de saltos altos por esse país a espalhar glamour.

O homem da minha vida

É a única foto que tenho grávida. E está desfocada - a Catarina tem uma boa colecção de flashs tirados na cervejaria Lusitana do Picoas Plaza, 18 horas antes de eu ter uma filha loira de olhos azuis nos braços.
Está desfocada, mas é a única que tenho. É a que mais amo. Porque, do meu lado esquerdo, o do coração, está o homem da minha vida, o amigo eterno, o amigo arraçado de anjo (os anjos não têm sexo), o amigo sem confusões e a Magui diz que não há nada como ter um amigo assim e eu percebo do que ela fala.
A fotografia foi tirada algures nos primeiros dias de Dezembro de 2003, numa quinta em Aljeruz, Palmela, no dia em que a Carolina parou de se mexer na minha barriga, no dia em que tudo se teve que precipitar, e ela acabou por nascer três ou quatro dias depois, no dia de nossa senhora da Conceição, e não no dia de Natal, quando acabava o termo da gravidez, e eu não sou católica, não acredito em santas, mas eu estive quase a perdê-la nesse dia, quando as máquinas começaram a apitar por todo o lado e o coração dela a parar, eu quase a perdi e, por isso, abriram-me a barriga, sem anestesia, ainda me lembro do grito que dei quando o bisturi me rasgou a pele, de estar amarrada à marquesa, dos gritos do obstetra para a anestesista, das paredes de mármore cheias de sangue, de olhar para o meu lado esquerdo para a minha mãe para ela me dizer se ela estava viva, de dizer-lhe que não conseguia respirar, foi momentos antes de eu desmaiar, eu disse, ela chama-se Maria.
Eu tenho mágoas nesta vida. Ter tido uma filha em segredo. Não ter o Miguel ao meu lado quado ela nasceu.
Ele foi-se embora às seis da manhã e, como eu previa, a vida já não é tão fácil como nos últimos dez dias.

A octogenária que comprava cuecas de renda por 30 euros e outras histórias que não lembram ao menino Jesus

Não queria fazer aquela chamada.
Inventou mil pretextos para não a fazer.
Podia ser que ninguém lhe perguntasse se já tinha cumprido aquele seu último dever.
Primeiro, ficou de ir lá a casa despedir-se, à casa que cheira a velha, e que fica junto ao estádio do Sporting.
Não deu satisfações para não o ter feito. Ninguém lhas pediu, também.
Todos compreendiam a resistência em pegar no telefone portátil e fazer um pouco de ginástica nos dedos pelas teclas numeradas de zero a nove.
Teve uma vida cheia. Mentiu sobre a idade desde os 30 anos. Gastou rios de dinheiro em lingerie. Ainda hoje, com 89 anos, compra cuecas de 30 euros. E soutiens, com muita renda. Manda ainda fazer por medida, à costureira, as suas combinações de seda pura.
Foi uma mulher vistosa. Vistosa, não bonita. É baixa, é muito magra. Tem umas mãos e unhas enormes, belíssimas.
Este ano, deixou de pintar o cabelo de loiro platinado, vi-a no dia de Natal com um plix roxo, estranhei, percebi que algo se passava, mas a maquilhagem estava impecável, a lucidez e pose altiva iguais, e apesar do cabelo roxo, ninguém diria que que faltam três meses para os 90 anos.
Ninguém diria que a morte estava sentada a seu lado.
Não chegará lá, dizem. Ninguém acredita que chegue aos 90. Eu arrisco que sim, que chega. Porque é teimosa e quer morrer com 90. Não com 89. Gosta de números redondos. E 90 é um posto. Aos 80 muita gente chega.
Aos 80, fez o pino. Quando estava de cabeça para baixo com as pernas ao alto, já tinha a seu cargo, numa cadeira de rodas, o ex-marido, de quem cuidou até à morte apesar de não suportar o velho, sentiu orgulho da mulher que era. Da família enorme e unida que tinha. O sangue subiu-lhe à cabeça, sentiu-se uma menina de tranças e laçarotes de seda a passear de sapatos de verniz pelas ruas da Figuerira da Foz, mas nunca, nem aí, nem minutos, dias e anos mais tarde, lhe passou pela cabeça que ali, com o pino, com os 80, tinha ficado tudo de pernas para o ar.
Começaram os anos mais difíceis. Com pouco glamour. Sem as idas ao Casino com os visons, sem as jóias, sem as unhas pintadas de encarnado.
O velho morreu, até foi um alívio, era um vegetal. Meses depois, suportou a morte dolorosa e rápida do seu único filho, um solteirão bon vivant, que um cancro nos roubou a todos nós. Todos vaticinaram que morreria em menos de um mês. Com o desgosto. Resistiu.
Há coisa de seis meses não se finou numa cirurgia de coração aberto. Os médicos ainda não acreditam na pujança daquele coração remendado de Matusalém. Às vezes, os mais cépticos, vão lá com o estetoscópio ver se ele bate mesmo, se a mulher dura de rosto quadrado estará mesmo viva, ou não será um boneco da madame Tussaud.
Há seis meses atrás ainda me deu conselhos sobre a importância da disciplina na educação da minha filha Carolina. Há coisa de dois meses, conseguiu enlouquecer uma empregada brasileira com o seu mau feitio.
Parece que o seu fígado parou, resta-lhe pouco tempo.
Ele não queria discar o número.
Sabia que era a última vez que falava com a sua tia Mami.

Esta é para o Miguel, que parte daqui a duas horas para o Dubai, e para a Mami

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Ainda não é a história do Pap'açorda. Os posts são como as cerejas.

[Reeditado]

Claro que não reparou nos candeeiros. Era novinho, loirito, não era nada feio e eu tenho pena que não me chegue um espécime destes, que eu nunca vá ser feliz com um indivíduo que possua apenas boa aparência, corpo torneado, que saiba montar candeeiros e pendurar varões de cortinados, não me basta que dê oito seguidas de manhã, outras tantas à tarde e à noite, eu sei que não é por aí, não vale a pena sequer tentar, eu disse isto à Clara, durante o almoço económico de há um mês atrás, umas tostas merdosas à beira mar, os dois directores das publicações mais vendidas de Portugal penso que ouviram a minha clarividência súbita, eu, estranhamente, nem estava a falar alto como é costume, mas também não sussurava, acho que me ouviram mesmo e deram ordens automáticas e vitalícias aos seus cérebros para nunca me virem a contratar seja em que circunstâncias for, um do meu lado direito, o outro do meu lado esquerdo, disse isto à Clara, a minha companheira de desterro, que sempre que está comigo me pergunta por gajos e a minha resposta é sempre a mesma, nada, nada, nada, mas acho que descobri a pólvora desta última vez, eu respondi isto à Clara e acredito mesmo que esteja certa: eu só vou sossegar, eu só vou ser feliz, só vou ter paz, ao lado de um homem que seja mais inteligente do que eu.
Da mesma forma que a Magui justifica a má sorte com o sexo masculino com o facto de ter passado a vida a procurar um homem igual ao seu pai, Manuel Lourenço de Oliveira - não encontrou na sua demanda, pela vida fora, nenhum exemplar que chegasse aos calcanhares do meu querido avô -, eu preciso de um homem inteligentíssimo para me amansar.
A Magui confessou-nos isto, a mim e ao Hugo, no dia de Natal, e ò Pai Natal, esse post está em draft, não sei se sairá desse estado vegetal algum dia, mas tu não sabes como me fizeste feliz, o melhor presente de sempre, um Natal com o Hugo, coisa que não acontecia há vinte anos, ainda para mais de surpresa, mas, voltando ao que interessa, estávamos os dois na cozinha, a tecer considerações sobre o amor, o desamor, a vida e para que é que cá andamos e a Magui intromete-se na conversa entre dois primos que se amam como irmãos, que são praticamente da mesma idade, um mais problemático que o outro e, zás, diz-nos isto do pai e eu não ando a procurar sacanas como o meu pai, apesar de o meu pai verdadeiro, o mano Leonardo ser a pessoa mais inteligente que eu conheço, aquele que eu tento que tenha orgulho de mim, o que se me dissesse "apaga o blogue que ainda te fodes" eu nem pestanejaria e carregaria no delete, se calhar até podíamos analisar por aí, ando à procura de uma réplica do meu irmão, ou então, voltamos à teoria dos pais biológicos e o meu é um sacana ímpar e, de facto, tenho feito um casting rigoroso, têm-me calhado uns na rifa indivíduos com o mesmíssimo calibre do meu dador de esperma, vampiros de emoções, capazes das coisas mais impensáveis; e, depois de a minha mãezinha me ter inquietado com isto, voltou a meter-se nos nossos diálogos existenciais e disse também que a vida não passa de um dia após o outro, disse isso com uma paz que eu, provavelmente, nunca terei, porque eu sei que só serei feliz com alguém que seja mais inteligente do que eu, alguém que me inspire numa base diária, que faça revelar o melhor que há em mim, que me faça aprender com prazer as coisas mais bizarras, que me desafie numa base horária - há uns anos, eu tornei-me expert em direito do trabalho, não porque estivesse apaixonada pela minha fonte, mas porque ele era mais inteligente do que eu, anos luz mais inteligente do que eu e, por isso, porque ele era inteligente e adorava passar conhecimento, eu serei ainda, provavelmente, a jornalista que mais sabe em Portugal sobre contratação colectiva -, e venham as tendinites todas de tanto escrever, venha a miopia de tanto ler, fique sem pestanas de tanto estudar, vinquem-se as olheiras de não dormir, porque eu sei que só poderei ser feliz assim.
Entretanto, distraio-me com rapazinhos bonitos, como o que veio cá dar à luz, que se deixam hipnotizar apenas com decotes profundos em vê, de renda preta, do "cache coeur" (gosto tanto desta palavra e tenho milhares destes casaquinhos traçados) que a Magui me ofereceu no Natal.
Não olhou para os tectos, não viu candeeiros, na verdade, não elevou o olhar para lá do metro e setenta que os saltos me emprestaram esta tarde, e como já estava escuro cá em casa e não havia electricidade, eu tinha umas velas acesas na janelinha da cozinha bordel, e toda a gente sabe que uma mulher, qualquer mulher que seja, pode até nem ser um mulherão, à luz amarela e difusa das velas, qualquer coirão ganha graciosidade, qualquer tez baça ganha luminosidade, e eu até nem sou feia, o meu problema não é esse, é a saliência que a minha inteligência um pouco acima da média me dá, coitadinho, não tinha mesmo hipótese de reparar nos candeeiros.

Um abraço ao meu querido Mac, um amigo que está sempre lá, o amigo que me veio desligar a electricidade às dez da manhã, trepando por um escadote acima e correndo perigo de electrocução, um amigo que, cheira-me, é mais inteligente que eu, mais psicopata que eu (esteve a ajudar na decoração da cozinha com os caixotes), mas que foi apanhado primeiro pela minha melhor amiga.

Candeeiros? Quais candeeiros?

Amanhã, abro a porta assim, ao gajo da EDP. Reparará ele nos candeeiros pendurados nos tectos altos da Martinha?

[E amanhã, bem cedinho, ao acordar, porque hoje tenho que dormir, são três da manhã e hoje não pode ser até às cinco da matina, vou ligar a televisão (para justificar os quase 22 euros que pago de TV Cabo), procurar um canal qualquer que esteja a dar televendas, não vou ligar o aquecedor porque sou pobre, porque ando cheia de dívidas e a electricidade vai passar a ser paga daqui a 12 horas, por isso, é melhor começar a habituar-me ao frio, da mesma forma que me habituei a banhos rápidos para poupar a botija de gás light da BP, que invariavelmente carrego escada acima e escada abaixo, porque nunca me lembro de pedir uma aos senhores que apenas cobram um euro para a elevar ao meu quarto andar; tenho que dormir, porque ando impossível, rabugenta, de manhã, saio do prédio, fecho a porta horrorosa de alumínio, entro na tasca duas portas ao lado, já no largo de Andaluz, e peço três cafés curtos e a Dona Beatriz fica a olhar para mim com ar de pânico e reprovação, e eu explico-lhe que não consigo dormir, tenho vontade de lhe dizer: falta de sexo, D. Beatriz, mas não digo, porque ela me tem em grande conta, esta história de mãe solteira a viver num quarto andar sem elevador faz de mim uma santa, mas amanhã, assim que acordar e começar a montar o cenário de caixotes de mudanças na cozinha bordel, ligo o computador, utilizo a wireless internet que esteve operativa antes mesmo de eu ter água (a net é a minha necessidade básica e ponto final - salvo seja, porque nesta terra continuam desaparecidos, sem deixar rasto, esses sinais de pontuação imprescindíveis em qualquer prosa), sento o Ibook voador na bancada fria de mármore e escrevo sobre a minha primeira refeição no Pap'acorda, esta história tem mesmo que ser contada, mas amanhã de manhã, porque hoje tenho que me obrigar a dormir, e esta noite vou desmaiar o corpo do lado direito e imaculado da cama, porque a Carolina está a ocupar a minha metade esquerda, deixo apenas um cheirinho desta bela noite, regada com Quinta de Pancas, e adianto-vos que, na mesa ao lado da nossa, com uns brincos demasiado dourados e ridículos, mas com uma figura elegantíssima, estava a Qui Qui Espírito Santo (é Qui Qui, como a minha mana Quintela?) e que eu e a Maria combinámos, caso não apareça o idiota do príncipe encantado em 2006, combinámos isto com o consentimento do Miguel, que nos pagou a janta na rua onde eu não punha os saltos altos há muito muito tempo, combinámos, dizia eu, engravidar, ao mesmo tempo, do nosso melhor amigo, porque não há amor como o dele e porque a vida, nestes últimos dez dias, andou mais cor-de-rosa e ligeira, mas depois das dez da manhã de sexta-feira, vai outra vez ser insuportavelmente dolorosa, porque ele apanha o avião na Portela e volta para o Dubai e, em Fevereiro, assina um novo contrato de três anos com a Emirates.]

quarta-feira, dezembro 28, 2005

E os Pestana nem vê-los

Não pode ser todas as noites, claro que não, só quando estou na casa de um recém-amigo que desenha anjos negros como ninguém, é que me dá para desmaiar de cansaço.
Hoje que precisava de dormir, claro, nem vê-los, nem um parente afastado me bate à porta, nem sequer se digna a mandar um toque para o telemóvel, eu ligava-lhe para ele não gastar dinheiro, mas nada, e eu vou só escrever este mini-post porque isto é pior que um vício e é um vício que puxa outros vícios que me enegrecem os pulmões e me destroem a linda voz que a Magui me deu, amanhã, os senhores simpáticos da EPAL, que evitaram que eu tivesse um chelique (é assim que se escreve? sabes, Isa, eu também não tenho dicionário de português no Ibook voador, diz-me uma coisa: o teu também é de doze polegadas?) nos primeiros dias de 2006, ao abrir um envelope com uma nota de débito de 3500 euros, vêem bater cá a casa às oito da matina para confirmar a leitura do contador, não vá eu ter enviado o da electricidade desta vez, e a propósito de electricidade, e outra vez sem pontos finais, esses, também ninguém os vê por estas bandas, pregam noutras freguesias, na quinta-feira à tarde, os senhores simpáticos da EDP virão cá dar à luz e eu vou fechar todas as portas de casa, vou deixar apenas a cozinha à mostra, e vou dar uma de cenógrafa, eu sou muito boa em qualquer coisa em que me meta, uma vez, há quase 15 anos, um pica apanhou-me na estação de Roma sem bilhete de metro e eu dissuadi-o de me passar uma multa de seis contos (na altura, éramos pobres, miseráveis, um dia escrevo um post que vos fará rir à gargalhada sobre a pasta de dentes da TWA que esprememos até ao limite do impossível e das mil e uma maneiras de cozinhar pescada que a Magui inventou, mas eu não comia a pescada, deixei de comer, não tínhamos dinheiro para isso), porque o fiz acreditar que era vítima de violência doméstica pela mão pesada do meu pai e ele caiu, e eu até chorar chorei e depois senti-me mal porque o Zé Ralha é um pobre Diabo que eu via, na época, uma vez por ano, e então, na quinta, vou tirar o fusível que me dá electricidade há 14 meses, vou pôr muitos caixotes no chão de xadrês encarnado e amarelo para fingir que me acabei de mudar para Santa Marta, se calhar, eles vão achar estranho eu ter os candeeiros montados na cozinha bordel, mas eu não vou descurar nenhum detalhe a não ser esse (não cabe na cabeça de ninguém desmontar os candeeiros, até porque eu não os sei montar outra vez), ninguém vai desconfiar que eu vivo e consumo ilegalmente energia eléctrica neste quarto andar há mais de um ano, até porque eu vou pôr um decote até ao umbigo, vou pintar-me e alongar as pestanas até ao limite do impossível, para melhor fazer olhos de Bambi, terei um metro e setenta e três com os saltos de dez centímetros e o simpático senhor nem terá hipótese de reparar nos candeeiros da cozinha.
(uff, recuperar o fôlego)
E agora vou acabar o meu livrinho. E ouvir o "Bom dia tristeza" do Vinicius de Moraes, musicada pelo Adoniran Barbosa.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Imparável. Imbatível.

Vacinei a miúda, tratei da legalização da electricidade, paguei para me mudarem a lâmpada do Stop direito que entregara a alma ao criador há coisa de meio ano, fiz olhos de Bambi para me encherem os pneus e o depósito de água do esguichinho dos pára-brisas e para passarem polish na tinta azul de um pilar do estacionamento do feira Nova da rua Cidade de Bratislava, que teimou transferir-se à chapa do Idea por cima da roda direita traseira (quem houvera de imaginar que havia uma torneira escondida num pilar?).
Não há nada como uma boa noite de sono.
Hoje estou imparável. Hoje estou imbatível.
E vou comer um bife ao Snob.

Cura milagrosa

Continua a ser a primeira coisa que faço mal acordo: ligar o Ibook voador, abrir o Gmail, depois o PÚBLICO, depois checkar a blogalhada sem a qual eu não passo, através dos favoritos dinâmicos do meu browser Firefox 1.0.7 (tenho que fazer o upgrade, ando a adiar issohá muito tempo), que me informam se algum blogger arrotou novas postas de pescada sem eu precisar de abrir a página - a barra dos favoritos tem, por esta mesmíssima ordem, o Isto não é um Jogo, o Deitadinha, o Diário, o Músicas, o Hálito da mente, o Mau tempo, o Mais cidade que sexo, o Glória, e mais umas boas dezenas, mas estes são os que eu abro todas as manhãs.
Ligo o Ibook ainda de pijama, sem conseguir focar como deve de ser, a esfregar os olhos e arrancar pestanas sem dó, ligo o Ibook a bocejar, com pouca vontade de sair de casa, mas já não é o primeiro pensamento do dia, já não tem esse privilégio, apenas penso que já não penso nele e isso não conta sequer como pensamento, já não ligo o Statcounter todas as manhãs para ver se um determinado leitor já cá veio ler a colheita de mais uma noite de frenética produção de lençóis de caracteres (para o meu leitor da comoção, fique sabendo que hoje contabilizei, às dez da manhã, oito entradas no quintal do seu IP que não baralha o programita das estatísticas).
O Pai Natal curou-me. Não o vejo nas caixas do correio de Santa Marta sempre que me preparo para subir as escadas dignas de um filme de terror, que me levam a um quarto andar sobre a Duque de Loulé, não o vejo nas marcas que ficaram gravadas no hall da minha casa no dia 18 de Julho e que não saem de nenhuma forma, são tatuagens, não há Cillit Bang que me valha, não o vejo quando estou parada nos semáforos da rua Engenheiro Vieira da Silva, ou quando miro o gaveto da Duque de Loulé com a Luís Bivar, que antes era uma casinha apalaçada cor-de-rosa e agora é um prédio de sete ou oito andares amarelo.
E ontem adormeci profundamente em casa do meu anfitrião, que, por isso, teve que dormir no sofá, parece que as insónias se foram de vez, 2005 despede-se da melhor forma, com a cabeça limpa, com o coração varridinho, arrumado e colado com super cola três, no fim de tudo, um recomeço e ai eu bem que mereço tratar bem do melhor que há em mim.

O horóscopo de hoje:

Resista à tentação de fazer promessas a amantes, amigos, familiares ou sócios. A vida já é difícil sem esses compromissos. (lá se vai o pacto do bajulanço, gaita!)
E acabo de receber um telefonema da EPAL, enganei-me na contagem e enviei a leitura do contador de gás em vez do da água. Só me dava uma factura de três mil euros. ehehehehhehehe. Gajas...

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Outro, enquanto seco o cabelo

Não parava de o surpreender. No primeiro encontro, um vendedor de flores, de nacionalidade paquistanesa, abordou-os à mesa de um restaurante nem muito caro, nem muito barato, que estava na moda. Ela dispensou o homem e as rosas de estufa que trazia, dizendo alto, para todos ouvirem: Não obrigada. Já fodemos.

Post marado enquanto me visto para ir jantar

Era uma despudorada. Mal o conhecia e pediu-lhe para lhe fazer um blog.

Ainda a propósito da comoção

Ficai sabendo, admiráveis leitores, que a minha filha já sabe dizer anjo.
Aprendeu-o na véspera de Natal.
Em carolinês diz-se "bébé-piu piu".

A comoção é para os blogues sim

Como eu jurei que não comentava mais um determinado quintal (já abri duas excepções e agora vou ter que mandar umas vergastadas de penitência, mas à terceira é de vez e eu não quero ir parar ao inferno), utilizo a minha horta para te dizer que a comoção é a matéria prima dos blogues.
Esta tralha até pode ser pirosa, como o tal vestidinho cagão que deste à tua sobrinha (? deduzo eu) pelo Natal. Mas este é um quintal cavado, diariamente, por uma média de cem pessoas (muitas das quais eu não faço ideia quem sejam, como, por exemplo, o teu caso), que voltam duas a três vezes ao dia para ver se há novidades de uma estranha, que vive em Santa Marta, que cria uma filha sozinha, que morre de amores sempre pelos tipos errados, que adora as empregadas da limpeza, que se emociona com árvores, que oscila entre crises maníacas (mais raras) e crises depressivas (mais frequentes).
Há um leitor especial desta quinta, que me escreve estranhas e perturbadoras prosas para o e-mail que está aí do lado direito, e eu devoro-as devagarinho, saboreando cada palavra, ele trata por você, por "Querida Diana", trata-me com um respeito e solenidade às quais não estou habituada, e eu estou a divagar como sempre, ele vê-me como um objecto de estudo, e logo ao início quis saber se tudo o que escrevo é verdade. Não sei, não lhe perguntei quando respondi que sim, se faria alguma diferença, mas penso que faria, se tudo não passasse de uma grande imaginação.
Nesta casa, não há mais nada a oferecer senão comoção. E ao que parece, é um excelente petisco.

[De facto, ainda bem que eu não comento, não haveria pachorra]

Bajulanço - a primeira resolução para 2006

Hoje, três pessoas que se conheceram no Snob, num sábado de há umas poucas semanas atrás, vão sentar-se à mesa, vão degustar um requintado petisco de beringelas recheadas, irão emborcar um vinho bom e caro, que algum cliente do anfitrião enviou de presente de Natal (quando eu era jornalista de Economia, tinha, todo o ano, uma simpática garrafeira, a custo zero, patrocinada pelos banqueiros deste país; na secção que me calhou na rifa não há vinhaça para ninguém, vá lá que o senhor da Central de Cervejas continua a mandar-me paletes de Sagres e de água do Luso, tenho que fazer uma festa da cerveja cá em casa, a propósito), eu vou levar uma garrafa de champagne francês, que a AIP me mandou pelo meu 27º aniversário, os três irão encher as flutes (provavelmente não haverá flutes, mas não faz mal, é só para o texto ficar mais bonitinho e selecto), erguê-las no ar e fazer o seguinte juramento solene:

Em 2006, não vamos idolatrar ninguém, não escreveremos mais histórias de amor, será difícil, muito difícil, mas não vamos dar mais do que podemos a quem quer que seja, por mais especial que seja esse alguém, por mais apaixonados que estivermos por esse ser vivo, por mais que pareça que pareça que desta é que é, que, finalmente, os astros se alinharam a nosso favor.
Em 2006, é a nossa vez. Queremos ser bajulados. Não aceitamos de outra forma. Eu por mim falo, mas em 2006 anseio ser objecto de idolatria literária, como é a Catarina em tons de azul do meu marido, como foi o indivíduo - ele fica danado que eu o chame de indivíduo - de que vos falei meses a fio.

Se calhar era mais fácil deixar de fumar.

Véspera da véspera de Natal (a revolta dos drafts natalícios)

[Um dos muitos drafts do dashboard que eu teimei que tem que ser escrito hoje, apesar de estar com sono, com muito sono - os Pestanas fizeram as pazes com este T3 de Santa Marta, parece que o Pai Natal também e eu estou grata, apetece-me dizer "bem haja", que era a frase que o meu avô Oliveira dizia sempre que alguém praticava o bem perto dele. Agora, não esperem grandes obras literárias, nem hoje, nem nos próximos dias. Estão fartos de saber, até porque eu o repito até à exaustão - e não, hoje não vou citar o Vinicius - que a felicidade não é amante da qualidade literária, mas se esse é o preço a pagar, que assim seja, que se dane a escrita, eu nem sequer estou certa que escrevo bem]

Hoje, véspera da véspera de Natal, vejo mais do que ontem.
Vejo coisas do arco da velha e isto nem sequer é novidade, não sei porque escrevo, eu vejo sempre mais além. E hoje nem não estou de óculos de massa castanhos escuros pendurados sobre o nariz arrebitado, o nariz cheio de personalidade que o gene dos Ralhas me deu. Não uso óculos há muito tempo, aliás, não sei onde meti as armações do senhor Calvin, as que me valeram um piropo no elevador Schindler do jornalista mais bonito, charmoso e respeitado de Portugal, as que me aumentaram milagrosamente as letras dos livros e do computador, porque, eu não sabia, eu pensava que era o contrário, mas eu não vejo é nada ao perto.
Hoje é véspera da véspera de Natal e vejo coisas que mais ninguém vê, penso noutras que mais ninguém pensa.
Anda todo o mundo atarefado com as compras, com os perús, os brinquedos, os bric-a-bracs que se acumulam nos sacos de plástico, merdas que ninguém precisa, umas peúgas para o primo Luís, um pano da loiça para a sogra Carménia, uns bombons para a cunhada Isabel, um Nenuco para a mais nova e uma Bratz para a mais velha, anda toda a gente nisto, a Magui inclusive, e eu, alheada a todo o reboliço que me cerca, fico hipnotizada com o talhante que corta costoletas como se fossem feitas de manteiga (quando ia ao talho de Alvalade com a avó Tóia, um talho que tinha um touro de peluche por cima da vitrine de exposição da carne, ficava maravilhada com a máquina de fazer hamburgueres; quando a Magui tinha dentes e era uma das mulheres mais lindas do planeta, eu ficava em transe com a táctica de brushing da sua cabeleireira, podia ficar ali horas a olhar para aquilo).
O povo saiu à rua num dia assim, fumaram uma ganza de espírito natalício (droga caríssima e cada vez mais difícil de encontrar, só nas melhores lojas, nas mais requintadas, lembra-me as trufas com as quais tenho desejos de há umas semanas para cá) e decidiram fazer uma revolução. Em vez de cravos, trazem cartões de crédito nas mãos, e em vez de saírem para as ruas, fazem esvoaçar os Visas (vi poucos Mastercard; a Magui tem um Mastercard, eu acho que só gente mesmo fina tem Mastercards) sobre filas intermináveis das caixas de pagamento, e esta gente lembra-me as defuntas e aterafadas formigas de Santa Marta, que, se calhar, andavam nisto também, enlouqueceram em pleno Inverno, quando deveriam estar quietinhas no formigueiro a curtir a labuta do Verão e a recusar comida à pobre da cigarra, foram, decerto, contagiadas com esta coisa do Natal e andavam às compras na minha cozinha bordel, até que eu as exterminei, sem dó nem piedade, com o estranhamente eficaz insecticida Raid.
Eu não sabia porque não gostava do Carrefour. Agora já sei. No hipermercado francês, os letreiros gigantes que anunciam os preços dos produtos do folheto são feitos e impressos a computador. Nos hiper e supermercados do grupo Jerónimo Martins, há um artista que os desenha. E eu dou por mim, com o carro cheio de lampreias de ovos, troncos de Natal, rabanadas, sonhos e coscurões a pensar nesse senhor (tenho a certeza que é um homem), fechado numa espécie de atelier, junto a paletes de leite e de arroz a desenhar letras e preços num estirador improvisado com caixotes de detergente Skip; dou por mim a sorrir com o cunho artístico que ele empresta a cada letreiro, escrito com marcado preto sobre fundo amarelo - gosto muito do perú que ele desenhou ao lado dos 1,99 euros por quilo, da lampreia naif (mais uma vez, o trema, não o encontro) a 7,99 euros o quilo e do bolo-rei a um preço que não fixei.
Hoje tenho visão raio x e, pela primeira vez, dou-me ao trabalho de reparar que o hipermercado onde levo a Magui a abastecer-se, no meio de Chelas, se situa na rua cidade de Bratislava. E, parada no trânsito, em vez de levar o olhar perdido no semáforo camaleão, que, ora é verde, ora é encarnado, olho para o carro do lado. Primeiro, para o meu lado direito, onde um casal viaja com semblante carregado e profundamente infeliz (estão juntos apenas por causa da hipoteca da casa que compraram num qualquer subúrbio de Lisboa). Depois, para o meu lado esquerdo, onde uma mulher está a chorar. Fixo-a. Identifico-me - tantas vezes peguei no carro sem destino, apenas com o propósito de chorar, chorar sozinha, pela cidade, enfiada num qualquer engarrafamento, chorar no meio de estranhos porque eu não quero que a loira me veja assim.
Mas nunca ninguém se dignou a mirar a minha dor. Nem mesmo quando andava de metro, sempre acompanhada de um caderno de merceeiro da papelaria Fernandes e de uma caneta Rotring prateada, e às vezes, quando escrevia uma qualquer coisa bonita, relia e depois chorava, chorava sem vergonha, não tenho vergonha de chorar, sou desavergonhada a chorar e a rir, também, faço ambos os exercícios com perfeição, utilizo toda a cara, vinco rugas na minha cara (quando choro, surge a ruga a meio das sobrancelhas; quando rio, faço rugas nos cantos dos olhos e afundo a covinha na bochecha direita).
Há um qualquer sexto sentido que nos alerta quando alguém está a olhar para nós. Mesmo quando estamos a dormir, mesmo quando estamos a chorar. A mulher estava em transe, com um ataque de comoção, mas pressentiu-o. Olhou para para mim, Honda Civic preto, o sinal ficou verde, uma última lágrima caiu-lhe pelo rosto sem ela querer, ela limpou-a, envergonhada por eu estar a olhar despudoradamente para a sua dor, sei que ficou danada comigo, perguntou para si própria: porque é que não és como os outros, os que fixam o olhar no semáforo e vão a pensar o que vai ser o jantar, ou se haverá sexo logo à noite, e além de ver tudo, eu às vezes também leio pensamentos, larguei a mão direita, a que está doente por ter trabalhado noite e dia sem descanso a escrever um amor, soltei a mão da manete das mudanças, e espalmei-a de encontro ao vidro, como quem diz: "Vai tudo ficar bem". Ela sorriu e seguimos as duas com a nossa vida.

domingo, dezembro 25, 2005

Post ultra-rápido que eu tenho que ir levar a miúda ao pai

Faz muito, muito tempo que eu recebo diariamente, por sms, o meu horóscopo (signo, caranguejo). Ao início era grátis, depois passaram a cobrar 1,46 euros por mês, mas é dinheiro bem gasto pelas gargalhadas que me faz soltar às dez em ponto da manhã. Gosto disto. De a Magui me acordar geralmente às 09H45 e de eu dormir mais um bocadinho até ao horóscopo chegar.
O de hoje, dia de Natal, é muito divertido:

Um admirador secreto está a observá-lo à distância. Esta é uma boa ocasião para o convidar a aproximar-se. Quem sabe?

Então, vamos lá a isto, admirador secreto que me anda a observar à distância por este blog, queres vir jantar comigo? (resposta ao mail aqui do quintal. Sigilo garantido)

É dinheiro bem gasto, este serviço da Optimus, é mesmo bem gasto...

Bom Natal a todos.

E contra todas as expectativas...

Foi um bom Natal.

[quatro posts em draft, nenhum me parece sequer sofrível, digno de publicação. Será que estou com o bloqueio do escritor?]

A todos os leitores, continuação de umas boas festas.
Eu volto logo, logo, assim que conseguir escrever coisas bonitas.

sábado, dezembro 24, 2005

Eu hoje vou dormir assim


[Temos mais um record em véspera de véspera de Natal (há um ano, o Andy Vring apareceu na minha vida, foi no Restaurante Brasuca, na Rua de O Século): 479 pageloads, 117 visitantes. Como esta noite não consigo parir os dois drafts que estão no dashboard, vou ver pela enésima vez o Eduardo Mãos de Tesoura e depois tentar dormir, quero sonhar com os presentes que o Pai Natal traz no saco este ano - é o mecenas, Pai Natal, o mecenas que me pague as aulas de piano, esquece o grande amor, é o mecenas, ok? Também pode ser um grande amor dado ao mecenato, vá, eu não me importo com dois em um]

Esta não é da Diana Quintela.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Dona Maria

Senão me vê à sexta-feira, a dona Maria deixa uma folha de papel A4 em cima do teclado preto da Compaq, onde escreve, com uma caligrafia infantil, pejada de erros ortográficos: "Bom fim-de-cemana, menina Diana".
Haverá, decerto, muito boa gente no pasquim onde trabalho, que não faz ideia quem é a Dona Maria. A Dona Maria é a senhora que faz a limpeza ao final da tarde, que me chega ao primeiro piso por volta das 18h30 e pergunta, com um sotaque do norte: "Então, menina, muito stress hoje?".
A Dona Maria tem um sorriso bonito, está sempre bem disposta, mesmo quando anda com problemas com o filho e a ex-nora, um regaço que me lembra o da minha avó Tóia, e pergunta-me sempre pela bébé, depois de averiguar o nível de stress dos meus finais de tarde. Depois fala-me da netinha, a Mónica, que eu conheci numa acção de campanha do Carmona, nos Olivais, e para quem cravei uma réplica da Roteiro, a bola do Euro 2004 que o candidato apoiado pelo PSD distribuía pela criançada nas "arruadas", à caça de votos. No final, pede-me emprestado o 24 Horas para ler depois das limpezas. Eu, tenho-o sempre guardado para ela, na minha secretária, por cima da pilha de milhentas merdas que está ao meu lado esquerdo, e faço-lhe a revista de imprensa, assinalando as notícias mais (i)relevantes.
Vim ao pasquim (de onde vos escrevo, e deixam-me dizer-vos que, faltam oito minutos para as 19h00 e já foram contabilizados 329 pageloads e 96 visitantes únicos, admirável público) apenas para dar um beijo à Dona Maria. Fiquei de queixo caído, quando ela tirou de uma bolsa uma caixinha de oito Ferrero Rocher e, envergonhada, ma entregou.
No embrulho, escrito a esferográfica azul, está: "felis natal, menina Diana".
E isto sim, é a magia do Natal.

[mais logo, quando me debater com as senhoras doutoras insónias, há mais]

Eu hoje vou acordar assim


Créditos fotográficos, como sempre, da Diana Quintela

A guerra dos comments (porque é que eu lhes chamo comments e não comentários?)

A guerra dos comments, no inesperadamente explosivo post "Começou a Guerra Química", valeu 388 pageloads e 106 visitantes únicos a este quarto escurto das desarrumações - muito aquém das 411 vezes que o quintal foi cavado, num um dia de Novembro, em que um leitor inominável e incitável o descobriu e o lavrou de uma ponta à outra, tendo ficado com uma brutal indigestão que, segundo, o próprio, até lhe causou insónias (eu gostei desse post e do outro, que não tinha link, fiz copy paste para os meus dois computadores, o de casa e o que tem vista para um plátano da Viriato, e quando acho que não sou nada, que nunca serei nada e que não posso querer ser nada, dou uma espreitadela ao ficheiro que baptizei com o nome "couro", sinto-me um pouco melhor, e volto a ter em mim todos os sonhos do mundo - o Álvaro escreveu isto a 15 de Janeiro e apenas por isso era justifiação suficiente para que fosse decretado feriado nacional).
Se eu estivesse registada no blogómetro (e o grande Acidental, onde escreve outro Ralha, já vai no 15º lugar do "ranking" - e eu votei várias vezes no Acidental para melhor blogue de direita, maninho, cumpri o meu dever cívico na blogosfera), a façanha alcançada ontem valia-me a 173ª posição dos blogues mais lidos de Portugal, em ex-aequo com um quintal que se chama Azenhas do Mar.
Mas, adiante, isto era só para fazer o resumo da guerra dos comments e como ela fez disparar as audiências desta horta, onde eu gostava que houvesse sanchas e diospiros (e um canteiro de orquídeas e outro de sardinheiras, e uma hera atrepadeira e uma buganvília gigante e pára aqui, porque senão, nunca mais acaba, mas, também queria um salgueiro chorão, descobri um aqui, muito perto de Santa Marta, num jardim que tem um coreto bonito).
A quem possa interessar e falando de outras guerras, exterminei as formigas. Não sobrou uma para amostra, estou na fase da eliminação das provas do crime e não me orgulho nada de ter sido forçada à solução final, sou uma pacifista, ao contrário do que o meu apelido possa sugerir.
A quem possa interessar, tive um dia feliz e por isso o post de hoje não vai sair grande coisa (a felicidade, essa grande inimiga da beleza da escrita). Um dia em que não aconteceu nada de especial, mas, basta o meu melhor amigo estar em Portugal por dez dias para serem dez dias felizes, e antes era felicidade aos molhos, todos os dias, e agora só me acontece duas vezes por ano (este ano foi a loucura e vimo-nos três vezes, porque eu não aguentei as saudades, enfiei-me num avião e fui para os Emirados Árabes Unidos). E eu já sei que ele já não volta em 2006, eu andei a pensar que sim, que ele voltava, que era só os três anos do primeiro contrato e depois não aguentava as saudades e vinha outra vez tomar conta de mim, e, sei também que, provavelmente, nunca mais voltará, quem é que quer voltar a Portugal? Mas eu é que não sei se quero viver mais tempo longe dele, porque a vida parece-me mais fácil com ele à distância de uns minutos de automóvel.
A quem possa interessar, consegui dormir dez minutos, há pouco, acho que desmaiei de cansaço, enquanto tentava convencer a Carolina a adormecer e enquanto as compras do El Corte Inglés não chegavam (chegaram à meia noite e a nota de cinco euros de gorjeta que eu tenho sempre no bolso para gratificar o desgraçado que carrega com 24 pacotes de leite, 200 fraldas, 6 embalagens de Dodots, detergentes, bolachas, iogurtes e mais umas coisinhas poucas que não chegam para sobreviver durante quinze dias, não saíram do aconchego do bolso que cobria a minha nádega direita, porque o senhor vinha com cara de mau e lançou para o ar um "o filho da minha mãe é que não volta cá outra vez". Puta que o pariu e amanhã vou lá fazer queixa que é para não se armar em saliente. Quando são os brasileiros a entregar não se armam em finos).
A quem possa interessar, lá se foi mais um quilo, acho que não janto desde Domingo.
Boa noite.
Hoje são apenas duas e vinte da manhã e eu decidi que tenho que dormir. Dê por onde der. Vou comer pão e leite quente, sugestão que me veio para a conta de Gmail do empantanas (onde não recebo ameaças de morte, apenas palavras simpáticas de meia dúzia de leitores corajosos e devidamente identificados).

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Delicodoce

Hoje chamaram-me delicodoce num post (a mim e a outras fãs de um blogger de referência). Estou de greve, não deixo lá mais comentários.... até amanhã.

Mais um post de estilo bastante diferente do meu

Era um amor literário.
À noite, quando ele chegava tarde do emprego, tresandanado a álcool, do copo que ainda tinha ido beber ao Snob, ela não fazia cenas de ciúmes, não procurava baton nos colarinhos, enrolava-se dengosa e pedia-lhe apenas isto: escreve-me.
E ele agarrava na caneta Rotring, de tinta da china, bico 0,7 mm, e em vez de escrever aquele amor no papel, tatuava-o na pele da mulher morena.
Às vezes, ela não tomava banho. E às vezes, choviam queixas dos colegas de trabalho, porque quando ele escrevia no seu corpo, com palavras demasiado belas, ela tentava preservar o máximo de tempo aquele amor literário, agarrado à sua pele.
E quando tinha saudades, quando ele se esquecia de vir para casa, ela levantava a manga da camisa, ou puxava a saia até à coxa e sentia-se mais feliz.

[Foda-se, que é uma imagem bonita]

Começou a guerra química

[tenho que ir buscar o carregador do Ibook, já só tenho 33 por cento de bateria - bela percentagem -, é só um momentinho, fregueses]

Hoje foi mais um dia estranho (não muito bizarro, não pode ser todos os dias bizarria, ninguém aguenta muitos dias bizarros de enfiada), uma quarta-feira sobre a qual recaía apenas um desígnio.

[há coisa de umas três semanas - se eu não fosse preguiçosa e se não fossem três da manhã, ia à procura do post nos arquivos e punha aqui o link para quem não leu, pronto, faz de conta que está aqui -, quarta era dia de mudar o destino, e eu mando para o ar estes reptos à filme do Jeunet e depois o destino muda mesmo, mas, ao menos, podia ser pontual, que é uma qualidade que eu muito aprecio - ai, estas variações Golbberg matam-me, e saibam, senhores leitores, que a maioria dos meus posts é escrita ao som de Bach, ou de Chopin e às vezes de Ben Harper -, porque o destino decidiu mudar de faixa de rodagem, sem fazer pisca, sem olhar pelo retrovisor, e abalroou as duas miúdas que têm a mesma idade, que se vestem de preto, que gostam das cores encarnado, beringela e de sapatos de salto alto e biqueiras pontiagudas (aliás, estas mesmas garotas foram comer um bife ao Snob, dias antes de o destino mudar, com um calçado muito apropriado para escalar e descer ruazinhas estreitas com passeios esburacados e estradas em macadame do Bairro Alto). Atropelou-as na terça-feira, e não na quarta, e as terças, antigamente, eram dias de Andy (faz amanhã, sexta-feira, um ano que tu entraste na minha vida, holandês voador, e não tem sido fácil), e eu já estou como a Teresinha e acho que tenho um blogue, não só para terapia intensiva pela madrugada fora, mas, também, para saber a quantas ando, que dia da semana é que é]

A missão desta quarta não era ir vacinar a miúda, ou tratar da papelada da EMEL (não vou fazer nada do que me propus fazer, não tenho pachorra e há sempre lugares de estacionamento não pago nesta rua por debaixo da Fontes Pereira de Melo e da Duque de Loulé). Era simples: encher caixas de comentários de blogues alheios (e, como amor com amor se paga - e como eu gosto de provérbios -, as caixinhas desta horta também estão a abarrotar, anónimos de toda a blogosfera, juntem-se a nós, nós os que somos voyeurs compulsivos confessos, que adoramos espreitar as vidas de desconhecidos, mas, também, gostamos de participar, de as invadir, gostamos de dar vida aos posts, outra vida, levando-os, por vezes, para caminhos sinuosos - maus caminhos, naturalmente).
E porque quero perpetuar as estranhezas, as bizarrias desta quarta-feira, hoje não vou começar pelo princípio, nem pelo título (fiquem a saber que é raríssimo eu começar a escrever um post sem primeiro esgalhar um bom título, foi isso que eu estudei publicidade - haverá aí muito leitor que não sabia esta, que eu estudei para ser vendedora da banha da cobra e, arriscando mais uma vez a justa causa, se o patrão me descobre o quintal, não trabalho na indústria publicitária, mas, basicamente, o meu quotidiano é esse mesmo, mas não faço filmes, nem coisas criativas, nem sou tão bem paga como provavelmente seria, se levasse a vida a fazer anúncios, mas se eu já fico puta da vida com notícias sem importância, não sei como reagiria se tivesse que fazer um anúncio do Jumbo com o Jorge Gabriel a perguntar a uns actores pagos para fingirem que são pessoas normais, apanhadas de surpresa, a afirmarem que esse hipermercado é o mais barato -, quatro anos a fazer o curso com os pés num edifício bonito em Benfica, sobre a Segunda Circular, que ganhou o prémio Secil de Arquitectura, mas que é irracional, contra todas as regras do bom senso, da ergonomia, da acústica e o raio que o parta, mas valeu de alguma coisa, para além de pés torcidos no caminho de pedras que o arquitecto teimou em perpetuar para se chegar à porta da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa, sei, pelo menos (mas não precisava de quatro anos para chegar a essa conclusão), que se deve chamar a atenção do consumidor (neste caso, leitor) no primeiro contacto, porque senão ninguém se dá ao trabalho de prestar atenção ao resto, sobretudo se existir uma falta crónica de pontos finais e muitos parêntesis e travessões com coisinhas que não lembram ao menino Jesus.
Mas está muito frio em Santa Marta, o aquecedor irrita-me porque faz muito barulho, eu sempre que escrevo fico com as mãos e a ponta do nariz gelados e, por isso, fiz uma concha com as mãos, levei-a à cara, tapei todo o nariz e a boca com ela e expirei lá para dentro, num esforço inglório para aquecer as extremidades enregeladas, e nisto reparei nas minhas mãos de perto e veio-me à memória esta imagem: o parque de Viseu, junto ao lago, o Leonardo na biblioteca, eu junto à Magui, pego-lhe nas mãos lindas e compridas, analiso a textura da sua pele junto aos nós dos dedos, olho para as minhas mãos pequeninas e gorduchas, que têm uma textura muito diferente, e pergunto: "Mamã, quando é que eu vou ter estrelinhas nas mãos?" (olhem para as vossas mãos e reparem se a pele junto aos nós dos dedos não faz uns desenhos que se aperentam com umas estrelas). Eu já tenho estrelas nas mãos, 22 anos depois de o perguntar à minha mãe vem-me este fantasma do Natal passado do nada, e agora que o escrevi e gastei mais uma pestana a quem ainda não desistiu de ler este post (hoje tive um recorde de visitantes únicos, 125, é o efeito Carrie, e está a dar no iTunes a minha variação preferida, a 15, bem na realidade, é a 21 a favorita, bom, são as duas, adiante), vamos a isto, Lisboa (argh, resquícios da campanha eleitoral do Carmona; é que há pouco, passava pouco tempo depois de me ter transformado em abóbora, às doze badaladas da meia noite, estive a rever as fotos da divertida campanha, demorei-me, sobretudo, numas hilariantes tiradas pelo Hermínio numa sardinhada no Vale de Santo António).
Começou a guerra química em Santa Marta. Ontem, quando afoguei sem piedade, às cinco e picos da manhã, o exército de formigas que teima em não içar a bandeira branca, voltei à diplomacia, vamos lá assinar o tratado de paz, eu não gosto de matar nenhum ser vivo, basta de carnificina, vamos lá, senhoras, que maçada, mas não, estas formiguitas são da pior espécie, guerrilheiras bárbaras, e hoje já tinham novamente um exército armado, que me atacou um pacote de bolachas e o saco do lixo. Não me restou outra opção senão utilizar o meu arsenal de armas de destruição maciça - Raid Casa e Plantas. Vamos lá ver se é desta...

Hoje voltei ao Independente. Como sou uma tesa de primeira, não tinha dinheiro para telefonar ao meu irmão emigrado na Escócia que, ontem, fez 25 anos (ou 24? para além de tesa sou desnaturada), fui então ao Independente chular o meu irmão mais velho: "Não te importas que eu faça a chamado do teu telefone, pois não?"
E ele não se importou, claro. O meu irmão mais velho até mesada me dava quando eu já trabalhava.
Mas eu não punha os pés no Independente desde que engravidei inadvertidamente de um jornalista desse pasquim e correu tudo anormalmente bem, a loira endiabrada esteve a brincar com o tio e com o paizinho e eu até consegui ir a um café manhoso da Almirante Reis com o indivíduo que começou essa tradição de cafés feios porcos e maus (este era só piroso, tinha um painel de azulejos com o rei Artur).
É que hoje, finalmente, consegui chorar qualquer coisita depois de o destino ter mudado a uma terça-feira, afinal ainda não fiquei de pedra, teve apenas efeito retardado, a dor da pancada - as árvores não são apenas árvores, ninguém me tira esta da cabeça -, e a coisa correu, também, anormalmente bem.
Por isso, hoje (ontem) foi um dia anormalmente estranho. E a propósito do meu post anterior, ao estilo da minha mais recente paixão na blogosfera, ele escreveu assim, no seu blogue, o tal que eu não vou linkar porque ainda arranjo um bilhete de ida, sem volta para Sarilhos Grandes:

Eram blogonamorados. Quando ela o apanhou na caixa de comentários com outra acabaram tudo.

P.S.: You wish.
P.S.2: I wish.

Quatro da manhã. Mais uma noite. Quantos dias aguentarei eu a dormir três horas?

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Vinte e um

O parto da minha filha esteve marcado para hoje, dia de anos do meu irmão Bernardo, dia em que a avó do Miguel partiu. Parabéns aos vivos, e tenho que me preparar para ir à missa em memória da senhora que apenas conheço da fotografia a preto-e-branco em que parece uma estrela de cinema dos anos 50.

Post ao estilo da minha mais recente paixão da blogosfera

Era um amor à moda antiga. Namoravam de mãos dadas na caixa dos comentários.

Post às cinco da manhã (ou as árvores nunca são apenas árvores)

[Post escrito depois de lavar a loiça, depois de causar mais um dilúvio forçado no formigueiro da bancada de mármore da cozinha, depois de ter varrido o chão da casa toda, de ter colado um pedaço de papel de embrulho, com motivos infantis, na porta, com a leitura do contador da água. Post escrito depois de ter estado com o meu melhor amigo, o único homem em que eu acredito, o único que nunca me fez sofrer, de ter passado o tempo todo a olhar para ele, a memorizar o que o tempo e milhares de quilómetros de distância me levam da memória (as rugas junto aos olhos, quando se ri, e o verde azeitona dos seus olhos). Post escrito, única e exclusivamente, porque há leitores que pegam nesta tralha antes de lerem a jornalada, antes de saberem na Lusa se houve algum crash nos mercados internacionais.]

As árvores nunca são apenas árvores, disse-me o Leonardo, citando um senhor qualquer cujo meu cérebro não se deu ao trabalho de memorizar.
A Magui tem passado a última semana a ouvir motoserras a cortar os chopos dos nossos jardins.
As árvores nunca são apenas árvores e a minha mãe está a morrer de tristeza.
Não sai de casa, não me quer ver a mim ou à Carolina. Nem sequer me telefona para me acordar e, por isso, as manhãs têm sido mais compridas, mas os acordares mais tristes.
Ontem estive cinco minutos na Estados Unidos e revi a imagem dela, sentada na cadeira verde de plástico da sala dos gatos, a chorar em silêncio ao som de música celta do Alan Stivell.
Anunciou-me hoje, pelo telefone (fui eu quem tomou a iniciativa de procurar se ela estava viva), que não vai haver Natal este ano lá em casa.
As árvores nunca são apenas árvores e o Carmona podia ter distribuído uns panfletos a avisar o que pretende fazer com aqueles jardins e, francamente, podia ter alguma sensibilidade, e deixar passar as festas e só depois começar a chacina dos chopos da Estados Unidos (as árvores nunca são apenas árvores e matar uma árvore, mesmo que ela esteja doente, o que não me parece que seja o caso dos chopos da Estados Unidos da América, que sobrevivem Verões inteiros sem uma gota de água, dar eutanásia a uma árvore é sempre um crime).
As árvores nunca são apenas árvores, são recordações de um amigo, de um amigo como o Miguel é para mim, que morreu num Natal, faz já muito tempo.
As árvores nunca são apenas árvores, são saudades da mãe que decidiu partir, passados poucos minutos de um ano que acabara de começar.
Será apenas mais um Natal triste.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Detesto ser pobre

O Yann Tiersen toca hoje em Lisboa e a mim o que é que me dão? Bananas...
É triste.

Encontramo-nos por aí

Quando a escalada de degraus, que têm e aparentam ter mais de uma centena de anos, estava quase no fim, quando já me tinha conseguido arrastar até ao patamar do terceiro piso, o que tem dois vasos, com duas plantas cuja graça eu desconheço, e que é a minha dica que só faltam 16 degraus a pique, a Carolina a dormir profundamente e a ressonar baixinho sobre o meu ombro direito, e eu, em piloto automático para os espécimes do reino vegetal, "Tchau Flores", e a mão esquerda a dar uma ajuda valiosa às pernas, a fazer batota, agarrando-se com toda a força ao corrimão de madeira, a mão a ajudar as pernas que tremiam reclamando o excesso de esforço, os joelhos a estalarem e eu a imaginar, nas minhas entranhas, a cartilagem cada vez mais desfeita e o ortopedista que trata dos joelhos dos futebolistas do Sporting a dizer-me, há nove anos atrás, que eu tinha as rótulas descentradas, a cartilagem destruída, a falar-me em cirurgia, mas deixando o aviso "Acabaram-se as canzanas, menina Ralha", mas de volta aos degraus, o coração a bater nas têmporas, a respiração descontrolada, mas sem poder exprimir-se em toda a sua sofreguidão para a loira não acordar, e eu a agradecer aos deuses de ter ido ao circo com um vestido encarnado espampanante, mas de sapatos novos, redondinhos, com uma rosinha do lado direito, mas sem salto alto, eu a pisar os últimos blocos de madeira gasta que são a via sacra até a um quarto andar sobre a Duque de Loulé, eu a ter pensamentos profundos, os mais profundos dos últimos dias, e não é mais do que dois minutos, a expedição que vence todos os degraus de Santa Marta, mas já me acontecia isto quando vivia sobre o céu da Estados Unidos da América e a viagem de elevador, os mesmos dois minutos de Santa Marta, nos quais não tonificava os músculos das pernas, o velho motor da extinta marca Hércules é que ficava sem fôlego até ao décimo piso, e já então me deleitava com pensamentos profundos até chegar à porta de casa - às vezes, a viagem parecia um relâmpago, nem se dava pelos andares a passar, outras vezes, pareciam horas, nunca mais se chegava mais perto do céu. (ufa, primeiro ponto final)
E eu a meio das escadas e a luz apagou-se, ainda mais difícil, eu a imaginar a voz do circo a gritar: "grandioso exercício!" E, às escuras, pensava: "O filme acaba hoje aqui, não vai acontecer mais nada". E enganei-me. Toquei no interruptor, fez-se luz, e, no tapete da porta de minha casa, o tapete do falecido senhor que cá morava, um tapete muito ranhoso e poeirento, nesse tapete, estava aninhado, um enorme gato preto e branco, o maior gato que eu já vi na minha vida e eu já vi muitos gatos na minha vida.
Para trás, tinha ficado o circo e a Carolina sentada ao colo da tiazorra bonita que estava na fila de trás e que tratava a sobrinha Constança, de seis anos, por você: "Está a gostar, Constança? Olhe que o senhor não engoliu as bolas, isto é magia, tá?". Para trás ficou o Hotel do Chiado, eu e a Teresinha refasteladas nos sofás encarnados com pés de garra, ambas lindíssimas, ambas devastadas, e a Carolina a aterrorizar o outro bébé da sua idade que ali estava, e a tiazorra que era a mãe dele a dizer: "por favor, tire a sua filha daqui"; para trás ficou o empregado do bar a pedir educadamente para eu controlar a miúda que estava a incomodar os outros clientes, mas isto foi antes de o diabo loiro agarrar no iogurte natural que a Teresinha pagou a peso de ouro e o ter atirado às calças de um homem de aspecto decente, mas de intenções duvidosas relativamente a uma quarentona que estava sentada demasiado perto de si, a fingir que tirava apontamentos num bloco de notas Caravela (por falar em blocos de notas, Teresinha, deixaste cá a tua Moleskine).
E as calças do homem cheias de iogurte junto à braguilha, e eu a morrer de vergonha, e ele: "E agora o que é que fazemos?". E, eu, sarcástica: "Quer que eu limpe?" E ele, para a minha filha, agarrando em meia dúzia de guardanapos de papel, limpando ele próprio a enorme mancha branca: "Nós encontramo-nos por aí..." E eu a franzir o sobrolho, sem saber exactamente o que é que ele queria dizer com isso.
E depois fomos para a rua, subimos o Chiado, e a Carolina quis roubar as moedas do senhor que era surdo, mas que cantava o fado com a alma, junto ao Fernando Pessoa. Poucos metros à frente, quis sentar-se na esplanada e nós acompanhámo-la. Levantou-se logo a seguir e foi tocar guitarra para junto de uns rapazes com péssimo apescto que ali estavam sem fazer mal a ninguém. Mas os rapazes, os tais que tinham ar de drogados, que nem sequer conseguiriam passar do lóbi do Hotel do Chiado, não me vieram dizer para eu controlar a criança porque ela estava a incomodar os outros clientes. Pelo contrário, fizeram-lhe um caniche com um balão azul e deixaram-na tocar guitarra. Nem os brasileiros que servem na Brasileira (que apropriada a mão-de-obra imigrante, neste caso) se queixaram quando ela decidiu reorganizar a disposição das cadeiras da esplanada, não disseram nada, riram apenas, é um bébé, seus idiotas, não faz por mal, e nem sequer tínhamos pago 14 euros por um lanche, na verdade não tínhamos consumido nada. Sentámo-nos e ficámos ali, a falar, uma hora, talvez, com vista para a ruazita da Hagen Dazs (não sei onde é o trema neste teclado, lamento), a rua escondida por onde passa o eléctrico (eu não vi passar nenhum, porém, se calhar já não passa). E, ali, nas cadeiras de metal, estava-se muito melhor do que nos sofás encarnados, com pés de garra, do hotel do Siza. E apesar do frio que me fez cieiro nos lábios, tivemos direito a um trovador de sorriso bonito, da trupe dos rapazes com mau aspecto, que cantou esganiçado apenas para as duas mulheres de casaco preto com coragem de estar na esplanada, cantou palavras tão certeiras, que se tivessemos sido nós a escrevê-las não teriam saído melhor.
É difícil eleger o acontecimento mais surreal do Domingo. A Teresa poderá ter outra leitura do fim de tarde no Chiado, mas, quando a mulher bonita, muito bem vestida e cheirosa, de olhos verdes, cabelo longo negro e raízes brancas, apanhou o caniche-balão do chão e perguntou: "É da sua filha?", eu confesso que este foi o climax e olhei para o meu lado direito e depois para o esquerdo à procura das câmeras. E eu disse que sim e ela começou a desenrolar uns sacos de plástico, e eu e a Teresinha pensamos as duas, ao mesmo tempo, que ela ia fazer uma magia, como no circo, e tirar do saco transparente um rebuçado para oferecer à loira diabrete. Mas não. Dali saíram Dodots esterelizados e impregnados com desinfectante hospitalar, "porque sou médica e esta zona é muito mal frequentada, há muitas doenças por aqui, e eu sempre que ando de metro pego num Dodot e limpo o banco". E dizia isto enquanto me desinfectava o caniche e eu, mais uma vez sem saber o que dizer, disse obrigada, e a Carolina até se portou como o anjo que sabe ser e, no final, deu-lhe dois beijinhos e ela balbuciou não sei o quê sobre o menino Jesus e que esta mensagem tinha que ser transmitida a todos os meninos do mundo e, depois, despediu-se de mim e da Teresinha, desejando qualquer coisa muito católica à nossa descendência.
Conheço a Teresinha há uma semana e três dias, entrou na minha vida da forma mais bonita e mais trágica de sempre, e ambas sabemos, passados apenas dez dias sobre um bife no Snob, que, juntas, inspiramos os acontecimentos mais improváveis, aqueles que só se vêm nos filmes.

Aceitam-se sugestões para acabar com o formigueiro de Santa Marta. Hoje aspirei algumas, varri outras, açoitei muitas mais com o pano da loiça, queimei com o vapor do ferro as que lá viviam, dentro do electrodoméstico (é verdade!) e, agora mesmo, às três da manhã, afoguei um batalhão de infantaria no lava loiças. No amor e na guerra vale tudo. E é sempre assim: uma pessoa dá a mão e lavam logo o braço todo.

São três e vinte da manhã e Diana Quintela pede-me para eu ser "madrinha" da sua carteira profissional de jornalista. Eu estou emocionada e feliz, mana afilhada.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Coisas que quero fazer nestas duas semanas off

Vacinar a miúda (ainda que com seis meses de atraso - o pediatra também não achou grave)
Marcar todos os exames que a minha mãe tem para fazer há uma catrefada de tempo (se calhar morreu e ninguém a avisou).
Legalizar a electricidade de minha casa (coisa que deveria ter feito há um ano e dois meses)
Tratar do selo de residente da EMEL (outra coisa que deveria ter feito há um ano e dois meses).
E para tratar do selo da EMEL, tenho:
Mudar o BI.
Mudar a carta de condução.
Mudar os documentos do Idea.
Mudar o cartão de eleitor.
Ir às Finanças pedir não sei o quê.
(estou a escrever isto e o holandês voador, que não dava sinais de vida há umas semanas, pergunta, no messenger: "Já foste à EMEL?")
Ir comer um bife ao Snob com o Miguel, que chega do Dubai já amanhã.
Desencantar algum espírito natalício (e antes disso, acabar de comprar os presentes).
Escrever muito, mas sem pressas, por causa da tendinite.

E agora tenho que sair que já estou atrasada.

E amanhã declaro guerra às formigas

Apareceram do nada.
Dou por mim a acreditar que só se vão embora quando o filme acabar (posso não sentir nada, posso andar com medo de ter ficado frígida depois desta, mas uma coisa não mudou em mim e ainda bem: continuo a achar o mundo magnífico e a imaginação continua frenética, a misturar, com cuidado, "coisinhas" à realidade - misturar sem bater, apenas envolvendo, como se faz com as claras em castelo).
Tentei a bem, o diálogo, tenham a bondade de me auxiliar e desaparecer sem deixar rasto para o mesmo sítio de onde vieram e de onde nunca deveriam ter saído (escrevo esta frase e uma formiga passeia-se pelo Ibook. Era uma vez uma formiga). Eu nunca gostei muito de formigas, sequer, desde a história da cigarra e da formiga, sempre tive muita pena da cigarra e achei a formiga pouco cristã e invejosa (mas, espera lá, na história, as formigas ficam mansas no Inverno, não é? No Verão é que andaram histéricas... Isto só dá mais força à minha teoria que elas endoideceram na sequência dos recentes acontecimentos que bombardearam esta casa) Mas daí a gostar de as matar vai um longo caminho. O Leonardo disse-me hoje, no circo, que as formigas só aprendem com grandes catástrofes. Uma espécie de complexo pavloviano.
Amanhã vai haver uma calamidade no reino do formigal de Santa Marta. Depois não digam que eu não avisei. Está aqui o pré-aviso e a declaração de guerra.

[o Dionísio já me espera no quarto, que está a aquecer. Vou-me, que não o quero impaciente; ainda me desaparece pela janela e eu não durmo, ou, pior, estraga-me as orquídeas]

Não durmo há cinco meses

Doze e doze. Excelente hora para começar seja o que for. Neste caso, um post. Por enquanto, sem nome.
Perdoa, dona thê (em minúsculas, como gostas; passei a escrever para ti e, se depois desta declaração, tivesses dúvidas quanto à minha orientação sexual, ainda vai que não vai).
O Pestana está a bater à porta - creio que é o Dionísio, padrinho do outro dos hotéis, e temos que ir ao Palace na Rua Jau, agora que começámos uma tradição de beber chá em hotéis cagões - e eu vou abrir, antes que ele desça as escadas, vou deixá-lo adormecer-me com festinhas no cabelo (estou cansada, não durmo há cinco meses. Faz hoje cinco meses que não durmo).
Sentei-me no sofá com a intenção de imortalizar, neste quintal, mais um capítulo surreal das nossas vidas (o que têm os nossos narizes? Transformam o ar poluído da cidade em droga alucinogénea? será isso? ou estas coisas acontecem mesmo?).
Escrevo sempre no sofá. No laranja. Escrevi um bonito no cadeirão branco, mas o laranja, com vista para o chão axadrezado encarnado e beige da cozinha é onde as palavras me chegam em catadupa, raramente de mansinho.
Mas a digestão do bolo de chocolate que degustámos no hotel desenhado pelo Siza e que nunca será o mesmo depois da passagem do furacão Carolina, não me trouxe as palavras que o nosso fim de tarde alucinogéneo no Chiado merece.
Amanhã ponho tudo em posts limpos.
Depois de conseguir dormir.
Hoje não consigo porque é Domingo (e esta última frase é do meu marido literário, eleito há bocadinho a melhor coisinha que me aconteceu este ano; não fica com ciuminho não, dona thê, a menina superou-se em apenas uma semana - uma semana e dois dias daqui a umas poucas horas).

domingo, dezembro 18, 2005

Como não se consegue escrever sobre o vazio, vamos ao circo

Tenho muita coisa para contar.
E vou demorar-me. É trabalho de parto para lá de duas horas.
Se eu desse ouvidos aos meus amigos bloggers de referência, partia os posts. Fazia render o peixe, como uma novela, tinha posts para toda a semana, já nem me chateava a arranjar tempo para alimentar os leitores em plena quadra natalícia, entre arrumações, embrulhos e consumismo. Em vez de um, fazia três. Faria sempre em número ímpar, não podia ser de outra forma. O primeiro começava aqui. Chamar-se-ia "Amor aos Ímpares".
A Magui entranhou-me o amor pelos ímpares quando eu era pequena e fiz disso uma forma de vida. Só se compram flores em número ímpar. Foi assim que eu fiquei doente, com esta tara - a mais perturbadora de todas, com estes números que não se podem emparelhar (e isto explicava muita coisa, agora que penso: nasci no dia vinte e dois, capícua, e, por isso, menos mal; cresci no segundo andar do número vinte e dois, mas acaba aqui o meu negócio com o dois; o que é uma pena, porque como diria a minha amiga Aimee Mann: "One is the loneliest number that you'll ever do"; porém, a moça também diz que "Two can be as bad as one, it's the loneliest number since the number one") é a do volume do auto-rádio ter que estar sempre em ímpar.
O meu volume favorito é o 37. É alto demais. Mas a Carolina não se importa e, sempre que acaba a faixa de um qualquer CD que lá esteja a servir de banda sonora ao meu road rage (deixei praticamente de ouvir rádio), grita lá de trás, dando-me um pontapé no banco, do alto da sua cadeira alemã imoralmente cara: "MAAAIIIIIISSSSSSSS!!!!".
E isso deixa-me feliz. Porque, caros, escrever não é o que eu sei fazer melhor. Considero-me até sofrível na escrita, sobretudo agora, que deixei de saber para que servem os pontos finais e faço parêntesis com mais de mil caracteres lá dentro. E a propósito de pontuação (não sei se repararam, mas estou a esforçar-me neste post, eu nunca lhe disse, e que eu saiba ele também não é meu leitor, mas isto tem que ficar registado para a posteridade: eu não saberia pontuar tão bem com vírgulas, se não fosse a infindável paciência e generosidade do Paulo Madeira, meu sub-editor durante uma infindade de tempo).
E hoje, a cantar em coro com a Elis o "Como os nossos pais", nasalada, meia rouca ainda da amigdalite, 140 quilómetros hora pela A5 a dentro, pisca esquerdo sem descanso, e "a minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais", e eu a achar isto belo e verdadeiro, universal e absoluto, a vida a repetir-se, sou morena, não sou loira como a minha mãe, temos a boca parecida, porém, carnuda, e é tudo tão replay que já comecei a não me amofinar (é o que ela me diz, quando eu lhe conto mais uma desventura e eu conto todas as minhas desventuras à minha mãe e ela: Não te amofines, filha).
E contando-lhe tudo, no café das velhas, na esquina da Gama Barros, ela passa-me o certificado oficial de que não estou ainda a fazer nada de muito horrível, estou apenas a tentar encontrar o caminho para dias mais úteis e, portanto, mais felizes, e com esse carimbo na mão, mando-me mais uma vez de cabeça, e mais uma vez, também, me dou mal.
Às vezes, a minha progenitora loira, sem um único dente nas gengivas, é má e diz que os homens só servem para procriar, para garantir a continuação da espécie, que os humanos teriam mais a ganhar em ser como as viúvas negras ou os louva-a-deus, que matam os machos após ou durante a cópula.
Às vezes diz que eu estou às portas dos 30 e eu fico triste por ninguém me pegar, olho no espelho, procuro defeitos, sei que tenho um nariz estranho, com personalidade, como diz o Ganilho, e sou ligeiramente estrábica. Há a história do duplo queixo quando me rio com a alma e dois sinais de nascença enormes, em locais estratégicos.
Depois, há dias em que a Magui me recebe em casa com um artigo da Science et Vie que afirma, baseado num estudo realizado à escala mundial, que a proporção do meu corpo é a mais apreciada pelos homens (cintura 70/ anca 100, não falam é das mamas no artigo, enfim...). Diz isto para ver se eu não me recuso a comer o jantar, feito com carinho (e ainda não nos refizemos, mãe e filha, de termos comido sanchas apenas uma vez, neste Inverno), diz isto para ver se eu meto na cabeça que não é defeito meu. Mas depois não se alonga, fez o seu dever maternal e muda de assunto de rompante, revelando-me que descobriu no Discovery Channel que todos os dias damos, pelo menos, trinta peidos. E eu a rir como o Filipe Sena (ela é que o diz; é um riso que dá vontade de rir): "Eu não ! Não dou trinta peidos por dia!" E a minha mãe: "Dás, dás, porque senão estavas muito mal. Isto é o mínimo diário".
Mas "não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aconteceram comigo". Este à parte foi por causa do "Como os nossos pais".
A Carolina não sabe falar quase nada, mas já trauteia os clássicos, de tanto os ouvir aos altos berros no carro (gosta do Pedaço de mim, do Chico, que, para mim, Ana, é a melhor de todas). E isso faz-me feliz (mas não a obrigo a tocar piano se ela não quiser e desejo, francamente que desejo, que ela seja como o tio, genial, ou então média, normal, apenas não desejo que seja satisfaz bastante, como a mãe, porque não há nada pior do que falhar por um bocadinho).

O segundo post começava aqui, se eu os conseguisse dividir.
Não faz sentido parti-los. Só existem porque eu me sentei no sofá ex-laranja, camufaldo de verde fluorescente, porque me sentei e senti vontade de escrever para encher o vazio de um quarto andar sobre a Duque de Loulé, porque são três e um quarto da manhã e eu ainda não tenho sono. E quem não tem paciência para os ler, quem acha que a letra é demasiado miudinha e de difícil leitura porque o fundo é preto, está, inequivocamente, no blog errado: aqui não há quase filtros, escreve-se lençóis que se deixam a corar ao sol. Omitem-se os pontos finais e, de vez em quando, os nomes dos implicados nas histórias. Há apenas um tabú, recente: a história que de mau gosto que me bateu à porta e me esvaziou (a mim e à menina das bolinhas). Apenas se a nomeia. Ficam a saber que aconteceu algo terrível, algo que eu considero terrível. Comigo e com a minha amiga.
O segundo post devia chamar-se assim, O Inominável.
Mas não tinha nada a ver com a tal história. Tem a ver com um sonho que me visitou nas poucas horas que dormi na noite passada. O incitável mais citado deste blogue tem cunha nos Pestanas e meteu-se entre os lençóis comigo (salvo seja). No sonho, apareceu apenas para me dizer isto: "Oh Calimera, qual é o dramalhão hoje?" E depois de perguntar por novidades do mundo da alta política e de eu, como sempre, não ter nenhuma para lhe contar, isso é a sua área de excelência - por acaso tenho uma novidade do mundo da liliputiana política e por acaso era boa para o jornal do mano -, rectificou-me: Oh, gaja! Estás sempre a citar-me no teu blog. Não dizes é o meu nome. Logo, eu não devo ser tratado por incitável, mas sim, por inominável".
Assim funciona o meu cérebro. Nunca pára. E não perde uma boa oportunidade para me rectificar. E assim acaba o segundo post (tudo escrito sem cigarros; a minha amiga deu-me cigarros finos para o caminho, mas ficaram no tabelier do Idea).

O terceiro chama-se Circo.
Eu fui ao circo pela primeira vez aos 24 anos. Foi a minha querida M. (aka "Astride") quem me levou, era muito cedo, muito manhã e eu nessa altura também quase não dormia, fomos no Corsa preto, fomos ver o Circo do senhor Vitor Hugo Cardinalli, que é fino (com um nome destes, com dois éles o que é que se esperava?) e fixou morada no Parque das Nações. Dias depois, a mesma M. levou-me ao circo chinês, no Pavilhão Atlântico.
Com 20 anos de atraso, alguém se dignou a levar-me ao circo. Duas vezes na mesma semana. Alegria demais para uma criança à porta dos 25 anos. Adorei as "Magníficas pirâmides" de elefantes do Cardinalli. E quis ir tirar uma foto com os tigres bébés, mas a M. não alinhou. Bati palmas, muitas, ri-me, tive pena quando acabou. Gostei mais deste circo bas fond, com aquela do "magnífica pirâmide" do que a belíssima versão chinesa.
Lá em casa, o pessoal sempre foi eclético, discutia-se política nacional e internacional ao almoço, e eu apenas queria fazer vestidos para as minhas Barbies e, no máximo, ler os contos da Condessa de Ségur. E ir ao Circo, mas a Magui não gosta de palhaços. E o meu mano, nessa altura, decerto, preocupava-se com a ressaca do 25 do 4 e para onde caminhava este país. Pouco o inquietavam os tigres, os leões, os engolidores de fogo e malabaristas. Muito menos os palhaços.
Amanhã vou ao circo com o meu irmão, com vinte anos de atraso. A minha filha, de dois anos apenas, há-de ir ao circo todos os anos.
Como os dias têm sido uma fun fair, levo comigo a menina que tem lábios que parecem rosas de santa Teresinha. Que só por isso não se chama Beatriz ou Carolina (estou certa, não estou? foi este o primeiro post que eu comentei no teu blog, parece-me)

8.200 caracteres. Porque hoje é Domingo.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Sem nome (reeditado, que o outro estava uma boa merda)

Tenho estado à espera. De cair em mim.
A alma foi dar uma volta ao bilhar grande, foi ver se eu estava ali na esquina de cima, ao pé do Sheraton, disse que ia comprar cigarros - Dunhill, porque a alma é a coisa mais fina que há em mim - e não voltou. Desapareceu de casa da sua mãe, sofre de algumas perturbações mentais congénitas raras, de menor importância (ver luz onde só existe escuro e cores berrantes onde a realidade é monocromática, em gradientes de cinzento), mas é considerada inofensiva pelas autoridades. Vestia calças de ganga de marca Lee a caírem pelo cú abaixo e uma camisa preta com dezenas de pequenos botõezinhos e, para ser honesta, nem sequer me lembro qual foi o dia em que ela abalou (foi esta semana, parece que foi há muito tempo).
Tenho estado à espera. De reagir da forma como sempre reajo: com muito sangue, com muitas lágrimas.
Nada.
Emagreci dois quilos.
Rio muito.
Fumo muito.
Fiquei doente, o de sempre, amigdalite, o manhosococus atacou-me as debilitadas e cansadas defesas imunitárias.
Não durmo porque nada encaixa com nada, as peças todas na minha mão, mas parece que já não sei fazer puzzles, quando essa é uma das minhas maiores aptidões, desde pequena - aos seis anos gostava dos de 50o peças do Mordillo e o meu recorde foi encaixar uma paisagem muito pirosa, dividida em três mil pedaçinhos de cartão, que fiz em trio com a tia Lena e o tio Carlos, durante os três meses das férias de Verão. Tinha uns oito anos. De manhã fazíamos o puzzle (começa-se sempre pela moldura), à tarde eles estudavam para a tese (seria de mestrado, na altura?) e, para me entreter, durante a digestão, enquanto não podia ir a banhos para a piscina do avô Ralha, davam-me testes psicoténicos e de QI que fazia com gosto e dedicação, cujos resultados me punham quase sempre a raspar o genial.
Estou sempre à espera de sair deste coma. Com uma notícia de jornal sobre uma qualquer desgraça ou aberração da realidade, com o facto de o incitável já me chamar "Calimera" (se eu estivesse no meu perfeito juízo bastava isso para me pôr a chorar - é que eu não tenho vergonha de estar triste), com um comentário simpático e atencioso, dos que aparecem neste blogue.
Mas nada.
Até agora, nada.
Dói-me as entranhas quando vejo os olhos verdes da minha amiga, ou quando vou espreitar o seu blogue das bolinhas. É só.
Se calhar, estou a ficar um icebergue como a Magui.
Há um post que eu gosto muito, destes últimos semi-neuróticos (nos próximos dias vou publicar aí um best of, porque esta horta está quase a fazer um anito de vida e isto vai mudar, tem que mudar, de facto já não há paciência para tanta desgraça e vou voltar a escrever as histórias da minha família, dos personagens estranhos que passam por mim e, bem vistas as coisas, até devia mudar de layout), e nesse lençol, escrito no dia em que fui dispensada via messenger, eu escrevi que esperava tudo. Menti: não esperava mesmo que aconteceu. Até porque, a noite em que o destino decidiu juntar-nos, tinha uma lua crescente absurdamente bela e irregular e o bife pelo qual sonhei, quase três anos da minha vida, estava uma delícia.
Não dói.
É só a supresa, o espanto face à cadência de coincidências à filme psicadélico de um qualquer realizador alternativo, que seria um êxito de bilheteira de tão surreal, retorcido e fantástico que é o seu argumento.
Mais uns dias e vou conseguir fechar a mandíbula. Mas não conseguirei cerrar os dentes de raiva e ficar com o rosto menos bolachudo e mais anguloso, com os maxilares marcados nas maçãs do rosto.
E isso não é à Ralha.

Incoerências

Eu não sou coerente.

Defendo a pena de morte, mas sou contra o aborto.
Digo ser alérgica a comunistas, mas uma das minhas melhores amigas é "casada" com o partido e escreveu um livro com o Cunhal (que eu nunca li, é um facto). E, olhem, esta também é bastante divertida: sou super fã do Carvalho da Silva (mas ele é um revisa não assumido, não é? Deve ser por isso...).
Acho o capitalismo perfeito, porém, acredito e luto pela defesa de grande parte do legado do Estado-providência.
Dana-me que o raio da Constituição do meu país democrático tenha escarrapachado, no Preâmbulo, que vamos todos, cantando e rindo, "abrir caminho para uma sociedade socialista".
Digo ser de direita, mas não sou praticante. Se o poder e a riqueza tivesse ficado nas mãos que tradicionalmente sempre os tiveram, toda a minha família seria pacóvia e miserável lá para os lados de Viseu. O meu avô Ralha não teria sido várias vezes secretário de Estado nem um cientista notável, e o meu avô Oliveira não nos teria deixado um património imobibiliário avaliado para lá de cinco milhões de euros.
Votei mais vezes na esquerda que acho "divertida" (no partido do Garcia Pereira - não acho o Soares divertido, muito menos o Bloco...) do que propriamente na direita. Geralmente, voto em branco, mas voto sempre, porque acho que houve muita mulher com tomates (e provavelmente pelos debaixo dos braços, coisa que não advogo) a lutar há menos tempo do que efectivamente parece, para que eu, gaja, tivesse esse direito, que também é dever. Das vezes que votei na direita, votei no partido que se apropriou indevidamente de uma das minhas cores favoritas, o laranja, e confesso que fiquei com náuseas logo a seguir a meter a cruz no boletim.

Sou mãe solteira, acho que nunca me vou casar, apesar de continuar a acreditar no Amor e na Família. Não sou católica, não sou de religião nenhuma aliás, mas acredito em Deus (agora sim com maiúscula, fizemos as pazes ontem, no fim de tudo, de toda a sujeira dos últimos dias, apercebo-me que ele não andava zangado comigo, nem que tinha desaperecido, andou a escrever com uma caligrafia linda, desenhada com primor, em linhas tortíssimas e num papel rasca).

Tudo isto para vos dizer que a bébé que vem nas notícias e que tem um nome que todos nós devemos não esquecer - Fátima Letícia - não tem nada a ver com a eleição do Presidente da República. Era um desabafo meu face ao silêncio da blogosfera de "grande envergadura" (hoje em dia leio mais blogues que jornais) face ao aberrante crime que foi cometido na terra da minha família. Aparentemente, como diz o FTA no seu blogue, o mal banalizou-se.
Os meus dois incitáveis favoritos lá se redimiram, nos blogues que eu não posso linkar aqui - mas posso escrever os nomes, não? Glória Fácil e Mau Tempo no Canil -, senão a maralha apanha-me este quintal e ele fica cheio de ervas daninhas.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Post que eu não devia escrever

Enquanto não me ligam da câmara de Lisboa a explicar-me porque é que estão a cortar os chopos do jardim onde eu cresci, enquanto a febre sobe, da amigdalite que me veio visitar esta noite, enquanto respiro com dificuldade por uma narina menos congestionada.

Mas os chopos deixam de ter importância, deixa de ter importância a insensibilidade do meu amigo incitável face à minha hiper-sensibilidade botânica (quase que chorei, meu sacana, com os teus comentários horrorosos acerca dos meus chopos que estão a ser mortos pela trupe do Carmona), tudo deixa de ter importância.
O lixo dos últimos dias parece apenas um cotãozinho debaixo do sofá, porque uma bébé de 50 dias foi abusada de todas as formas possíveis e inimagináveis, porque a Comissão de Protecção de Jovens e Menores não viu nada e lava dali as suas mãos, porque o Tribunal de Menores não mexeu uma palha, apesar de o primeiro internamento da criança ter sido aos 14 dias de vida - "Não estamos dentro da mente das pessoas", é o título da entrevista a uma senhora que se chama Maria do Carmo Sá e que me mete nojo -, porque ninguém se deu ao trabalho de verificar que o progenitor da criança estava envolvido em vários processos de abusos sexuais, porque, leio, na legenda da foto: "A PJ está convicta de que só o pai terá agredido a bébé; a mãe limitava-se a observar sem intervir".

Eu não posso ler estas notícias, eu não devia ser jornalista e este é um post que eu não devia escrever. Como o que anda perdido nos arquivos deste blogue, o da Vanessa, a menina de olhos azuis que foi deixada morrer pela avó e pelo pai, a foto da menina mascarada de chinesa na primeira página do Correio da Manhã, a Vanessa que foi retirada aos padrinhos que a criaram até aos cinco anos, a Vanessa que foi queimada com água a escaldar e que agonizou até à morte.

Mas anda tudo muito preocupado com quem vai ser o próximo PR, ou quem ganhou o frente-a-frente de ontem. Puta que pariu este país! Decidi agora mesmo: a 22 de Janeiro dou o meu primeiro passo para dentro do grupo da sempre vitoriosa abstenção.

Doidas, doidas, doidas andam as formigas

Eu nem ia ligar o computador esta noite.
Esta noite, sei-o, vou dormir sem sonhos.
Mas decidi, meia hora depois de lutar com o esquentador por uma chamazita forte que me desse água quente, água a escaldar, para eu fazer uma sabonária (ou saponária?) bem potente para me limpar do lixo dos últimos dias (a cidade está cheia de lixo, já repararam como a cidade está cheia de lixo?), meia hora com o dedo a carregar no botão do esquentador (Bruno, socorro e não, não consigo saber qual é o modelo do esquentador, apenas que se chama Vulcano), meia hora a estudar todos os movimentos das formigas que enlouqueceram e decidiram fazer-me companhia em noites de insónia, trinta minutos a tentar perceber se aquela grande da foto será a formiga-rainha (ou isso é as abelhas?), meia hora a rir sozinha que nem louca na cozinha-bordel: com as formigas que ensandeceram (eu não as matei, claro, dei-lhes um prazo para desaparecerem da mesma forma que apareceram, do nada), eu a rir com o técnico de seguros da Zurich que me telefonou e diz que a Polícia tem os meus dados, que eu presenciei um acidente na A8 que meteu tiros e tudo - e eu: não fui eu, eu sei que o senhor tem os meus dados, mas eu acho que me lembrava se tivesse assistido a um tiroteio na A8. E, numa micro-fracção de segundo, a pensar cá para comigo: ou passei a ténue linha e enlouqueci, ou é da droga, mas eu não me drogo já há algum tempo, não tomei nada hoje, nem almoçei, portanto, é impossível ter ingerido alguma coisa alucinogénea, porque simplesmente não comi, alimentei-me de um maço e meio de cigarros. E eu para a Anabela, que era a única viv'alma que estava ao pé de mim: tu ouviste este telefonema, não ouviste? Isto está a acontecer, não está? E ela a dizer que sim, a rir-se, e eu a achar que se calhar não foi desta, que ainda me aguento lúcida por mais uns tempos, mas isto foi antes de o taxista me levar a contra-gosto até à casa dos Bicos, porque estava muito trânsito, porque, disse-me: "não sabe que só se anda de transportes públicos a esta hora do dia, nunca de carro?", e eu a dizer para ele estar manso, o Pedro ao telemóvel comigo e eu a dizer-lhe para ele estar manso, que de uma queixa na Retalis já não se livrava. O Pedro a dizer-me, encostado ao meu ouvido direito, para eu sair do carro e apanhar outro táxi, mas não, obriguei-o a ir até ao fim, e o gajo a bufar o tempo todo, com o rádio aos berros apesar de eu estar a contar ao telefone a minha triste história ao meu ex-marido, o gajo nervoso e eu a rir da minha desgraça com o Pedro, e o Pedro a achar que desta vez é que foi, que me superei, que a vida me deu uma overdose de uma droga potentíssima chamada inesperado, o fogareiro a bater no volante com as mãos, marcando o ritmo da música da sua raiva por mim, e chegados à casa de de nome sugestivo do Campo das Cebolas, passou o recibo da corrida e depois chamou-me puta pela janela (estás bem fodido comigo, motorista do 659, não ouviste a Isabela - esta só tem um éle - a chamar pelo rádio um crédito à rua Viriato em nome de Diana Ralha? Estás a ver o apelido, otário? Achas que é por acaso, meu grande filho da puta?)
Tenho um blogue novo, onde ainda não escrevi nada. Era para histórias de filme B como a que aconteceu entre ontem e hoje, a mim e à minha amiga. Mas esta não fica escrita. A palavra escrita é a mais poderosa das armas, é a Beretta que eu melhor manejo, a palavra escrita não é etérea como a falada, perpetua-se no tempo, pode nunca desaparecer, sobretudo aqui, no computador e na Internet. A palavra escrita em papel rasga-se ou queima-se, que é mais bonito, e acaba. Os ficheiros binários, zeros e uns a dar com um pau, são como os deuses, são eternos diria eu, porque depois de apagados vão para onde? Ninguém sabe e eu imagino um cemitério bonito com ciprestes e jazigos de famílias nobres e cruzes simples das famílias mais humildes. E esta história é tão feia que não merece ser escrita em lado nenhum. Para a posteridade ficam os cinco meses de uma história de amor que eu escrevi neste blog. Que nunca existiu. Apenas na minha cabeça.

Como sempre escrevo demais. Obrigada aos que conseguem ler os lençóis.
Vou dormir. Estou com sono. Espero que a caixinha de madeira gasta esteja já a dormir também.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Ask your saint who he is. Ask him who he's killed.

Esta é do The English Patient. Depois de ontem martela-me a cabeça, até lateja.

102. INT. THE MONASTERY KITCHEN. NIGHT.

Caravaggio comes into the kitchen. Hana is slumped at the table, her back naked. The jug of water in front of her. She's sobbing, her shoulders heaving. Caravaggio approaches tentatively.

CARAVAGGIO
Hana?
(he touches her shoulder)
Hana? Are you alright?

HANA
(without raising her head)
Don't touch me if you're going to try and fuck me.

CARAVAGGIO
(soothing)
I'll have some of your water. It's hot.

She reaches for her blouse, wraps it around herself. Her face is read with weeping.

CARAVAGGIO
(gently)
You have to protect yourself from sadness. This is the thing I've learned.(drinking the water)
You're in love with him, aren't you?
Your patient. Do you think he's a saint or something? Because of the way he looks? I don't think he is.

HANA
I'm not in love with him. I'm in love with ghosts. And so is he. He's in love with ghosts.

CARAVAGGIO
Who are his ghosts?

HANA
Ask him.

CARAVAGGIO
(he holds up his hands)
What if I told you he did this to me?

HANA
(stung)
What? How could he have? When?

CARAVAGGIO
I'm one of his ghosts and he wouldn't even know. It's like he slammed a door in Cairo and it trapped my fucking hands in Tobruk.

HANA
I don't know what that means.

CARAVAGGIO
(shrugs)
Ask him. Ask your saint who he is. Ask him who he's killed.

Evanescense

Eu não sei o que quer dizer a palavra, não há nenhum dicionário aqui no pasquim e o Google não me ajuda, só desajuda. Soa bem, soa a algo etéreo. Eu gosto da menina que canta nessa banda (já sei que é um defeito de personalidade, não é preciso comentarem mais), que vendeu milhões de cópias por esse mundo fora. Gosto dos cabelos pretos enormes até ao fim das costas, gosto dos olhos verde água, gosto dos corpetes com barbas de baleia, das botas da tropa, dos olhos pintados de negro ou de encarnado, gosto sobretudo quando ela canta esta dos Korn:

Thumbing through the pages of my fantasies
Pushing all the mercy down, down, down
I wanna see you try to take a swing at me
Come on, gonna put you on the ground, ground, ground

Why are you trying to make fun of me?
You think it's funny?
What the fuck you think it's doing to me?
You take your turn lashing out at me
I want you crying with your dirty ass in front of me

All of my hate cannot be found
I will not be drowned by your thoughtless scheming
You can try to tear me down
Beat me to the ground
I will see you screaming

Thumbing through the pages of my fantasies
I'm above you, smiling at you, drown, drown, drown
I wanna kill and rape you the way you raped me
And I'll pull the trigger
And you're down, down, down

Why are you trying to make fun of me?
You think it's funny?
What the fuck you think it's doing to me?
You take your turn lashing out at me
I want you crying with your dirty ass in front of me

All of my hate cannot be found
I will not be drowned by your thoughtless scheming
You can try to tear me down
Beat me to the ground
I will see you screaming

All my friends are gone, they died (gonna take you down)
They all screamed, and cried (gonna take you down)
I'm never forget, never forget back against the wall
Gonna take you down

All of my hate cannot be found
I will not be drowned by your thoughtless scheming
Yeah you can try to tear me down
Beat me to the ground
I will see you screaming
All of my hate cannot be found
I will not be drowned by your thoughtless scheming
So you can try to tear me down
Beat me to the ground
I will see you screaming

O Cd andava desaparecido há meses e meses.
Hoje, antes de sair, fui à prateleira, escolher a banda sonora do dia, queria um CD aparvalhadamente alegre. A escolha recaiu nos Enapá 2000. Apetecia-me ouvir "masturbação a bem da nação". Meti-o na mala que uso ininterruptamente há três natais, uma fake da Todds, que o Miguel me trouxe do Dubai. Cheguei ao Idea, abri o CD e estava lá o dos Evanescense.

Apropriado.

Mau tempo no quintal

Chegou a hora da revolta dos drafts: não há mais rascunhos acumulados neste blogue, amotinaram-se, eu devia ter pensado nisso, era um exército já numeroso, são bons guerrilheiros e por isso é que nunca foram publicados, por isso é que eu os alimentava a pão e a água para ver se ficavam quietinhos onde eu os fechei, são diários de ódio, são meus filhos também, são teus filhos, sobretudo, e eu tenho vergonha por terem nascido assim, clandestinos, amputados, mas descobriram a senha da revolta - três voltas para a direita, uma para a esquerda, outras três para a direita -, têm sangue na guelra, são manhosos, são, também, traiçoeiros e decidiram atacar hoje pelas minhas costas, jogar o tudo por tudo, sem sequer me deixarem vestir a cota de malha - nem digo a armadura, apenas a cota de malha -, não me deixaram engolir qualquer espécie de anestésico.
Cheguei a casa, deitei a Carolina, disse-te que não ia fazer nada ilegal, prometi e eu nunca faço promessas que sei que não posso cumprir - aprendi isso com o Fim da Aventura, do Graham Green e eu dava uma católica fervorosa como ele se a Magui não tivesse trauma das freiras que lhe cortaram as tranças em frente às outras meninas do internato, se não tivessem posto a dormir de castigo noites e noites a fio nos corredores escuros dos conventos do Norte do país onde os meus avós a desterraram; dava sim, seria crente, fé inabalável não me falta, e por falar em fé, onde é que andam os Deuses vingadores do olho-por-olho, dente-por-dente de que o Antigo Testamento tanto fala? É tão antigo que já está com reumático? E é mesmo isso, vou pôr o filme já, a punch line da capa dá-me vontade de chorar, mas nem isso consigo, estou mesmo a precisar de ver uma história de amor bonita (é baseada na triste história verídica do próprio escritor), quero ver a cena do bombardeamento, ao som do piano do Nyman, a Sarah a dizer ao Bendrix, depois de ele ressuscitar por milagre, que o amor não acaba só porque se vão deixar de ver - eu acreditei nisto -, dizia, antes de me perder, sem cansar os pontos finais e abusar das vírgulas (mais uns anos assim e recebo o Nobel da Literatura), fui à casa-de-banho laranja, abri o armário do IKEA que comprei e montei com a ajuda do Mário num instantinho, procurei a caixa dos pensos rápidos, abri-a, tirei meia dúzia dos grandalhões - a ferida é grande e eu sei que até precisava de pontos -, desabotoei os botõezinhos minúsculos da camisa preta e colei vários do lado esquerdo do peito, e pensei forte no meu querido Stucky a dizer-me, já a propósito desta história: "Se se magoar, bota band aid que sara".
É desta que eu emagreço. É ridículo dizê-lo com uma mão cheia de rebuçados bolas de neve da velhinha marca Vieira de Castro em cima do sofá que era laranja e agora passou a ter uma coberta verde alface, mas é desta que eu páro de comer por desgosto.

Mais posts que vão sair de draft:

Carta ao Pai Natal

Natal de 1986 (com oito anos de idade)

Querido Pai Natal,
Como sempre as notas foram boas e eu porto-me sempre bem. Queria muito que o Hugo passasse o Natal em Lisboa, que não fosse para a Guarda, e que o Leonardo me parasse de puxar as tranças. Queria um bloco de folhas queridas, um diário, uma Barbie e umas roupas para ela. Claro, um Ferrari Testarossa e um gato persa azul. Mas eu já sei que estes são difíceis.

Natal de 2005,

Querido Pai Natal (ou qualquer outro senhor de barbas que decidiu ensinar-me uma qualquer lição perversa que já aprendi da pior forma, pergunte à santinha da minha rua se não aprendi)

Como sempre, as notas foram boas (cobri uma campanha eleitoral e deram-me palmadinhas nas costas) e eu porto-me bem de vez em quando - trabalho no melhor jornal do país, estou no quadro há não sei quantos anos, tenho um ordenado que faz três salários mínimos nacionais, casa e carro próprios. Queria que o Hugo passasse o Natal connosco e não fosse para Viseu, e que o jornal do Leonardo não fechasse nunca. Peço-lhe, também, menos dores nas costas da minha mãe e que ela se habitue finalmente a usar a dentadura postiça. Um diário também pode ser, porque vou queimar uma Moleskine formato de repórter onde escrevi um amor, por isso, pode esquecer já as folhas queridas, não estou com paciência para elas - lembram-se das folhas queridas, meninas? os meninos coleccionavam cromos e as meninas folhas queridas... Esqueça o Ipod, é um mero sonho idiota de consumo, não me faz falta alguma, assim como mais roupas ou sapatos. Quero paz, não quero ficar cega de tanto ver, protega os meus olhos de noite e de dia. Arranja-se paz? Eu sei que a lista já vai extensa, mas quero um grande amor também. Um que me dê pelo menos um terço do que eu lhe vier a dar a ele. E um mecenas que me pague as aulas de piano. E para isso, claro, que a tendinite passe como por milagre (vingue-se em qualquer outra articulação do meu corpo, mas poupe as minhas invulgares mãos). Mas eu já sei que estes são difíceis.