quarta-feira, novembro 30, 2005

Quero ir comer um bife ao Snob (continuação)

Mas a minha mãe não deixa.

Se for trabalho ela deixa. Se for conhaque já não.

Ontem descíamos a rua do Século de táxi, a caminho da Bicaense, e eu quis ir comer um bife ao Snob.

Já no outro dia fiquei com ele entalado, no dia em que me apetecia desafiar o destino, mas ele (o destino) faltou ao encontro marcado, deixou-me pendurada na bonita Praça das Flores e nem sequer eram horas de comer um bife no Snob.
E na noite a seguir a esse dia, idem, e aquele cujo nome eu não posso mais citar (que tal? dá-te um ar clandestino, fica-te bem, digo eu) telefonou a dizer-me que estava um ambiente bas fond, que era melhor eu não ir ao Snob comer um bife (ainda me conhece mal, o tal que não pode jamais ser citado: não sabe que eu adoro o mais bas do bas fond, que vou ao Lidl de Xabregas para ver gente ordinária e suja, que amo os casais de fato de treino no Feira Nova da Belavista e seus respectivos rebentos ranhosos, com rabichos de cabelo à Ana Malhoa e ouro, muito ouro, nas orelhas, nos pulsos, ao peito).

Quero ir comer um bife ao Snob mas a minha mãe não me deixa.

Toma que a filha é tua.

Queria sentar-me na mesa onde eu e o Lourenço (das arábias), putos de 18 anos, abancávamos, gulosos, cansados, desiludidos com o curso superior que nos tinha calhado na rifa, íamos ao Snob pelo prazer de um bife fora d'horas, íamos ao Snob pelo bife, apenas por isso, e eu estava longe de imaginar que ia ser jornalista, nem o arcanjo Miguel sonhava que iria trabalhar para os Emirados Árabes Unidos, éramos naïfs, não sabíamos que aqueles bêbados todos que fazem parte da decoração do Snob eram, maioritariamente, jornaleiros; gostávamos do Snob e ponto final, do Snob antigo, o mais escuro e mais inflamável (o novo perdeu um certo encanto, mas eu continuo a querer ir ao Snob apenas pelo bife), e poucos meses depois de ter ido ao Snob pela primeira vez, pelos braços do senhor das Arábias, entrei para o pasquim onde me prostituo a escrever notícias sem interesse,

(hoje, infelizmente, escrevo sobre uma desgraça, o Tiago já sabe que não me deve dar desgraças para as mãos, que fico muito tempo a matutar sobre elas, uma breve de 500 caracteres sobre um homem que morreu trocidado por uma serra eléctrica numa linha de montagem demorou qualquer coisa como duas horas a ser escrito, foi o meu primeiro fim-de-semana de piquete nesta secção, tinha as mamas cheias de leite, bastava fazer copy e paste do take da Lusa para me despachar rápido e ir esvaziar o quarto Vigor do meu corpo, era preciso apenas limar o texto, mas a boa da Dia não conseguiu desligar-se, claro que não, aquele homem morreu, uma morte horrível, e eu só pensava na mulher e nos filhos a recortarem a puta da breve e a juntarem-na às outras micro-notícias da imprensa nacional - no 24 horas, o senhor foi um rodapé de página par, sei disto porque me perseguiu a morte deste homem nos dias a seguir -, os dedos da mulher mascarrados de tinta debotada de um papel de péssima qualidade, uma vida toda em cinco micro-recortes, guardados numa pastinha com fotografias do senhor a sorrir junto aos filhos no seu último Natal, o senhor com cara de caso junto aos sogros no baptizado da filha mais nova, o senhor na maternidade com a mulher ainda muito inchada e de bochechas rosadas, acabada de parir um bébé de cabelos muito escuros e espetados, vestido de babygrow azul, um varão, e a breve que não saía dos meus dedos, eu a pensar na serra eléctrica, na linha de montagem, nos 375 euros que levava para casa ao fim do mês)

foi o mano que me arranjou um part-time na secção de Economia (e eu acho isto belo: a primeira negativa que tive na vida foi a Economia, foi também a primeira frequência da faculdade e eu tive um oito, ainda por cima uma negativa par, ao menos que fosse um sete, gaita, e a vida é mesmo assim, oito a economia e jornalista de Economia), ganhava trinta contos a facturas de restaurante e de gasolina, a culpa é do mano, eu nunca quis ser jornalista, e só mais tarde, com a saudosa Gabriela Neto e com uma pandilha selecta de jornalistas de Economia (alguém se ia embora, não sei bem quem) é que fui ao Snob em visita de estudo devidamente acompanhada com espécimes jurássicos do jornalismo nacional, nessa madrugada não comi um bife, bebi um Vodka, e percebi que o sítio onde gostava de comer às tantas com o meu Miguel era o poleiro da classe onde eu entrei sem convite, pela porta VIP.

(E a merda do Blogger acaba de me devorar quatro mil caracteres escritos na madrugada de ontem; anda esfomeado como eu, na volta, quer ir comer um bife ao Snob e a mãe Google também não deixa)

Descemos a Bica, o elevador ganhou outro encanto desde que alguém me contou que mandou lá uma queca, entrámos na Bicaense às sete e picos da tarde, crianças a correrem de uma sala para a outra, isto confundiu-me os sentidos (e a primeira vez que eu fui à Bicaense dava um grande post, mas não vai ser, não quero falar desses dois), no fundo do balcão de pedra (mármore?), a minha ex-madrasta apresentava o seu novo livro, dava autógrafos, o meu mais ou menos irmão André, cada vez mais parecido com o Saramago, pulava de conversa em conversa, e a minha quase irmã Marta, linda e deslumbrante, com sardas no nariz, pele branca e acetinada, mas também ninguém se atreve a tocar à porta, ninguém quer morar nela e na minha sobrinha assim assim Maria, de sete anos.
E a Manuela, de cabelos encarnados, muito bonita: "Minhas filhas, o problema não é vosso, ponham isso na vossa cabeça". Dá uma festinha a cada uma, eu fecho os olhos, ninguém dá festas, ninguém se beija na minha família principal, mas eu acho que gosto deste carinho, e a Manuela não repara que eu não estou habituada e vira-se para o lado direito e diz: "Tenho umas filhas tão lindas, não tenho, Dirk?"

E o Dirk, com o seu sotaque cerrado holandês: "Diana, tu és minha quê?"

E eu: "Deixa-me ver, Dirk: ora, tu és o companheiro da minha ex-madrasta, mãe dos meus irmãos, isso faz de ti o meu ex-futuro padrasto".

Risos. Os Ralhas, os Oliveiras e os Gonzagas foram pioneiros nas salganhadas de laços familiares, que agora são o pão nosso de cada dia.

E o Dirk: "Posso ser teu pai?"

E eu: "Tenho que te pagar alguma coisa?"

E ele: "Não. E eu, tenho?"

E eu: "Não, mas podes-me fazer um desconto na Tom Tom para a semana, quando for lá comprar as prendas de Natal"

E ele: "Filhinha que eu nunca tive!"

E eu: "Paizinho, não te apagues..."

Gargalhada, abraço, beijinho repenicado na bochecha do holandês magrinho que passou a ser meu pai, ginjinha de penalti para anestesiar a garganta.

E agora a merda da notícia da criança que morreu há seis anos num esgoto no Seixal.

(Não tarda há mais. Tenho a cabeça cheia de posts, hoje nem dormi como deve de ser, devido ao congestionamento literário)

14 para os 20 mil (diário de ódio)

[Post reeditado. São quatro e não cinco anos, como tão bem corrigiu o meu ex-marido]

Ainda me lembro quando ficava perto da histeria por ter vinte visitas por dia. Quando acabar de escrever este já devo estar nas vinte mil.
Este blog (às vezes escrevo à portuguesa, outras vezes não - é como calha) está quase a fazer um ano. Este é um diário de ódio e se calhar não existia se eu não estivesse sempre tão triste. E não está assim tão bem escrito, não me lixem, não está assim tão bem escrito (estou num dia mau - apetece-me citar o primeiro post desta horta).
Mas, a par do meu casamento com o pasquim de referência (estamos casados com comunhão de adquiridos há oito anos), onde escrevo todos os dias para garantir o sustento da casa (eu gosto dessa imagem, de ganhar a vida a prostituir os meus dedos em cima de um teclado que me faz tendinites; a Magui suspira, arregala as sobrancelhas, e diz às velhotas suas amigas sobre a estranha forma de vida dos seus dois filhos: "levam a vida a escrever composições, o que é que se há-de fazer?..."E desde pequena a ouvi dizer esta rezinha: "Vocês sejam aquilo que quiserem. Apenas não sejam padres, paneleiros ou jornalistas". Ela não diz isto em público, mas também estamos proibidos de ter relacionamentos inter-raciais, sob pena de sermos deserdados. E não vale a pena ripostar e dizer-lhe que se casou e que pariu dois filhos de um monhé. Monhés pode ser e chineses também), esta tralha é o relacionamento mais longo, mais estável e mais interessante que me apareceu à frente nos últimos quatro anos.
(faz amanhã quatro anos que eu saí de tua casa com dois grand danois sentados no banco de trás do Twingo, o meu amado Twingo, 63-24-JO)

Quero ir comer um bife ao Snob

Mas a minha mãe não deixa.

(continua. À tarde)

terça-feira, novembro 29, 2005

Quem quiser morar em mim

Quem quiser morar em mim tem que morar no que o meu samba diz
Tem que nada ter de seu mas tem que ser o rei do seu país
Tem que ser um “vidinha folgada” mas senhor do seu nariz
Tem que ser um “não faz nada” mas saber fazer alguém feliz


Carlos Lyra, Cartão de Visitas

Quem quiser morar em mim tem que saber isto, é o meu cartão de visitas: há sapatos caros, bicudos, com saltos muito altos e muito finos espalhados por toda a casa. E há cabelos gigantes, ondulados, castanhos, muito escuros – e já vão aparecendo brancos, também, mais grossos, mais frisados, não parecem filhos da mesma mãe –, há fios em todos os cantos tortos da minha casa velha com vista para a Duque de Loulé e para as águas furtadas miseráveis do prédio em frente, onde vive uma senhora de Leste que usa sempre um lenço na cabeça e me diz bom dia todas as vezes que me vê a cuidar dos crisântemos pela manhã; há cabelos no chão de tábua corrida, onde passam despercebidos entre os nós da madeira secular envernizada e brilhante como um espelho, de manhã seguem-me o rasto, sabem o caminho de cor, fazem-no de olhos fechados, atravessam a cozinha e decidem aterrar no lavatório e no chão preto polido da Revigrés.
Depois de a água quente quase me queimar a pele no banho, depois de a pele ficar castigada de encarnado,

[quem quiser morar em mim tem que saber que às vezes esqueço-me de encomendar a botija de gás e tomo banho de água fria, e quem ousar morar em mim tenha isto bem presente: só desligo a água quente quando me surge o post do dia. Quem tiver lido até aqui e continuar a teimar que é possível morar em mim escreva isto três vezes, para decorar: encaixo o chuveiro entre as sobrancelhas e fico ali, a suster a respiração, à espera que a falta de oxigenação me traga a inspiração numa bandeja de vidro colorido verde-garrafa com piquinhos, como os copos da Ivima da Marinha Grande que voltaram a estar na moda; fico de olhos fechados, imóvel, à espera que um mensageiro me entre pela casa a dentro, que me assuste de morte ao abrir sem aviso a cortina psicadélica de plástico – mais uma: quem quiser morar em mim tem que saber que padeço de uma dislexia grave que chama toalha à cortina de duche -, e o susto compensa sempre, num sobressalto abro os olhos, desencaixo (gosto do verbo encaixar, quem quiser morar em mim tem que gostar de se encaixar) o chuveiro das sobrancelhas (que antes de as depilar freneticamente eram unidas, como as da Frida), respiro fundo, abro os olhos, porque surgiu qualquer coisa, uma frase, um título, uma recordação, uma música que não oiço há mais de dois anos, e hoje foi rápido, pouco mais de cinco minutos submersa, para me chegar a modinha do "Quem quiser morar em mim"]

depois de os dedos estarem bem engelhados, depois da súbita ou tardia inspiração literária sub-aquática surgir, deixo para trás cabelos abandonados no ralo da banheira, passo pelas duas salas, ligo o computador, ligo o messenger, o Gmail, leio os blogues, as notícias, não ligo a televisão há mais de três semanas, largo mais uns cabelos nas almofadas folclóricas do sofá laranja, espreito a loira que dorme de boca aberta, descansada, protegida por um com um dossel de tule anil com luzes de libelinhas que ficam ligadas a noite toda; quem quiser morar em mim tem que compreender que é esta a minha rotina matinal, que depois disso rumo ao quarto de vestir e escolho a roupa em função dos sapatos eleitos.
Quem quiser morar em mim não pode levar a mal. E tem que saber que é perfeitamente normal estar com o dedo "pai de todos" direito na boca quando estou preocupada, que levanto a sobrancelha direita quando estou desconfiada, quem ainda quiser morar em mim, depois disto tudo, tem que olhar para o lado quando estou stressada, porque a nervoseira fica-me mal: tremo a perna direita compulsivamente e surge-me uma violenta urticária nas mãos, na cara e nas costas, perto da tatuagem.
Não é fácil, morar em mim. Há algures um mapa, muito confuso, muito gasto, estão cartografados becos sem saída, ruas estreitinhas, mal iluminadas, com estradas de macadame, entroncamentos, bifurcações onde não se pode olhar para trás em noites de lua cheia (os lobisomens andam à solta nas encruzilhadas, dizia-me a minha tia Luz, de bigodes fartos, a tia Luz, em São Félix, que não usava cuecas, apenas sete ou oito saias compridas e fazia xixi de pé como os homens, a tia Luz que já dizia à minha mãe quando a apanhava em criança a beber leite das tetas das cabras: ai menina que te dá uma caganeira de merda extrema…), é um mapa feito à medida e à escala do meu cérebro, labiríntico, quem quiser morar em mim tem que ter paciência, tem que trilhar caminhos nunca antes pisados, tem que descodificar adivinhas complexas, tem que se habituar a um dicionário de provérbios na mesa de cabeceira, que não é uma mesa de cabeceira, é uma mala velha, com autocolantes de hotéis luxuosos onde eu nunca fui, onde eu nunca poderei ir, porque já foram esmagados pelos Íbis e Holliday Inn, quem ainda faça tensões de partir nesta demanda é melhor levar rações de combate e uma catana, é longo o caminho.
Quem quiser morar em mim tem que levar com dezenas de versões das Variações Goldberg do JS Bach em cima das colunas da Sony velhota que teima em não me dar som da coluna esquerda (a esquerda não gosta de mim, e quem quiser morar em mim tem que se habituar à ideia que eu sou de direita). Não pode levar a mal ouvir o mesmo disco em repeat all durante semanas (nunca em repeat one, quem se atrever a morar em mim tem que saber que sou alérgica ao repeat one e isto aplica-se aos discos e a tudo na vida, gosto de obras únicas, de autor, podem ser imperfeitas, não importa, apenas detesto as repetições, mas gosto muito de variações ao tema, saiba, quem quiser morar em mim)
Tenho pavor do tempo. De chegar atrasada. Não uso relógio mas quem quiser morar em mim não pode deixar-me à espera, guie-se pelo sol, pelo relógio biológico, por um Tag Heur, não interessa, não pode é chegar atrasado, pode ter os sapatos sem graxa, mas não me pode deixar à espera. Porque depois a perna treme, o dedo vai para a boca, a urticária vem e repito: o stress fica-me mal.
Quem quiser morar em mim não pode estranhar o dom de ver o invisível e um sindroma raríssimo que amplifica ou inventa cores berrantes onde elas não estão; terá que se habituar ao facto de eu gostar de piano e ouvir sempre a melodia que toca a mão esquerda e nunca a que sai da mão direita (aqui temos das raras excepções à dicotomia direita/ esquerda; oiço sempre o acompanhamento, nunca a melodia).
Quem ainda estiver a ler e continuar a querer morar em mim tem que saber que durmo de barriga para baixo, com a cabeça enfiada na almofada de sumaúma, que para adormecer escavo os lençóis com os pés. Que uso há muitos anos o mesmíssimo perfume: Rush, da Gucci. Que dois terços do meu guarda roupa são pretos e o restante é beringela, encarnado ou castanho escuro. Que à noite uso um aparelho de contenção ortodôntico para os dentes continuarem perfeitos, alinhados, que tenho o tique de brincar com a língua atrás do incisivo lateral direito.
Quem quiser morar em mim tem que tolerar as “coisinhas” que me rodeiam: as fotos antigas da minha família, pregadas nas paredes do hall, as fotos das famílias dos outros que eu compro por tuta e meia, na Feira da Ladra, amontoadas nas prateleiras, nos livros e em caixas; tem que saber que gosto de jarros, de orquídeas, de ciclamens, de bonsais e de monsteras, que salvo pombos, pardais, gatos, cães, pessoas, tudo o que me aparecer à frente; tem que saber que não sei dizer não. Que trago pedrinhas roladas e folhas de plátano para casa, que adoro rebuçados bola de neve e bolo de bolacha.
Quem quiser morar em mim tem que saber tudo isto e muito mais (pára aqui, porque já estamos muito perto dos oito mil caracteres).
Está aí alguém?

Au revoir Paris

Até já

Muito cansada para escrever posts gigantes a que vos mal habituei (e cheira-me que estou a ficar bloqueada, sem histórias, sem arte para as contar...)
Muito contente, porém, porque cheguei a casa há bocadinho - minha casinha meu lar, meu peniquinho onde mijar, mas estou agarrada ao ibook a devorar blogues há mais de uma hora e ainda não me aproximei da sanita; esta frase, por isso, vale o que vale nos tempos modernos, primeiro a net, depois as necessidades fisiológicas, e eu sou a pior pessoa para falar de adicção à world wide web, tive wireless antes dos banhos de água quente -, deitei a criança e não me deu para desfazer a mala, para ir fazer xixi, ou descalçar os ténis que ainda trazem restos de Paris agarrados à sola de borracha. Deu-me para pôr roupa a lavar. E enchi o tambor de vestuário encarnado.
É obra, seis quilos de roupa encarnada, nunca tinha atingido tal proeza, é muita roupa desta cor "difícil" (para não dizer putéfia), e só por isso, apenas por isso, merece o registo neste estendal e ainda para mais vai muito bem com a cozinha-bordel. E a água anda às voltas no tambor, como um turbilhão (adoro esta palavra, mas é-me muito difícil dizê-la, eu já vos contei que tenho muita dificuldade em dizer os "lhes"? E isto até nem seria grave de todo se o meu apelido não tivesse um "lhe"), tingida de encarnado escuro, e parece que matei alguém e estou a destruir as provas.
Talvez daqui a umas horas consiga escrever sobre umas psicopatias graves de que padeço.
Até já

sábado, novembro 26, 2005

O post prometido

(Post reeditado, com um teclado qwerty e seus respectivos acentos)

Este é para os voyeurs.
O teclado é impossível; com alguns acentos e com algumas teclas trocadas de sítio - o "q" está no lugar do "a", por exemplo, e as vírgulas nos lugares dos pontos e no lugar delas estão os ponto e vírgulas.
O meu Ibook detecta todas as redes que andam para ai à solta, mas elas estao protegidinhas por password, ao contrário de uma tansa que vive por debaixo do Marquês de Pombal, que tem a wireless net sem preservativo. Estou a pagar a peso de ouro este post, num web cafe perto de La Sorbonne, onde ha pouco um velho nojento engatava no messenger, garantindo que tinha 35 anos e boa aparência, e os vizinhos do lado procuram uma igreja americana em Paris, com uma traduçao do Saramago ao seu lado direito - nao consigo ver qual é.
Fica uma pequena selecçao de fotos. Vamos agora à Torre Eiffel e depois aos Campos Eliseos.

A deliciosa refeição leve do voo para Orly - sanduíche congelada com champignon crus, regados por uma mistela que de mostarda apenas tinha a cor



Chegada ao quarto laranja na Sorbonne

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Paris aguentou com duas Dianas.

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Hoje de manha, sentada num cafè ao lado de Notre Dame, à espera da dose de cafeína dupla.

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A conta de dois cafés e uma água sem gás

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(ao menos era Evian)

Esta foi a minha cara de parva depois de um café me custar 11,90 euros. Fomos a caminho de Montmartre

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Junto ao Saacre Coeur (é do outro lado)

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Obriguei a dona Qui Qui a ir a um museu em Montmartre só para ver uns quadros do meu pintor favorito, Amedeo Modigliani. Vi tudo à pressa, com fúria de chegar ao Modigliani. Depois de o procurar por toda a "imensidão" do museu (era minúsculo) decidi perguntar: où sont les Modigliani (ponto de interrgoçao que nao encontro). E o simpatico do velhote: pàs de Modigliani. Ils sont partu...

Foda-se!

Entao ficamos a brincar com a neve no jardim.

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quinta-feira, novembro 24, 2005

Piçada (está a nevar em Paris)

Preciso de te ver hoje. Não sei se morro amanhã.

Não era suposto começarem assim os oito mil caracteres do dia.
Mas foram as palavras que me saíram das mãos, quando a janela do programa que está sempre ligado piscou - trabalha doze a catorze horas por dia, sete dias por semana e nunca se queixa, a aplicaçãozinha manhosa da Microsoft (argh, que não me orgulho nada disso, o amigo que já não é infectou-me com o vírus do open source, e não era difícil o contágio que eu nasci com o gene do contra, era só preciso espicaçá-lo, e esta noite ainda fiquei a olhar para o CD de Ubuntu em cima do sofá laranja, o mais geek presente de aniversário que algum dia recebi, e vai não vai, instala não instala, mas fui cobardolas, deixei o Ibook voador quietinho, com o sistema operativo lindo que a Macintosh lhe deu - e se corria mal, quem é que me podia valer?). É um programita que me arruína a produtividade, que atrasa o fecho do pasquim, que me assanha a tendinite da mão direita, mas que me mata a solidão em noites demasiado longas.
Escrevi esta frase linda à fadista, com xaile preto nos ombros, e esqueci-me logo da piçada que levei pela manhã, do meu paizinho blogueiro (que, assim como o big brother, proíbe outros bloggers de me linkarem, apenas para me proteger do despedimento por justa causa - e tenho-me portado bem e nem falei dos papéis que estão afixados a oferecer Ipods Nano -, mas, agora, estou proibida de o citar sem autorização prévia), foi uma piçada descomunal que nem me deixou saborear como deve de ser o lugar de estacionamento à porta do pasquim, fora do domínio da EMEL, pelo quarto dia consecutivo.

Não sei se morro amanhã, mas, pelo menos, está a nevar em Paris (se o avião cair, pelo menos que caia em Orly, com neve na pista - irracional, este medo de voar desde que tenho um pedaço loiro de quase dois anos que depende de mim; e se morrer amanhã, por favor, audiência fiel e gigantesca e muito anónima deste blogue, vão todos a Tribunal de Menores dizer que a minha última vontade é que a Carolina fique entregue aos cuidados da Magui).

Tenho 27 anos. Devia saber, até porque a Dona Prudência não me larga um segundo como um guarda-costas arraçado de roupeiro, que não se dizem estas coisas bonitas a quem não pode retribuir (admito que é só isso, não tem nada a ver com gostar ou deixar de gostar e há ainda outra frase, terrivelmente bonita, que não me sai da cabeça, que ficou pendurada, que não teve resposta e que nunca devia ter saído dos meus dedos - também nunca deviam ter sido mencionadas as qualidades imobiliárias de um admirador pouco secreto, que, espante-se, tem um carro igual ao que eu mais amei nesta vida, mil perdões, senhor FTA -, a frase era esta: "há uma forte probabilidade de termos sido feitos um para o outro". E, estranhamente, continuo a acreditar nisto).

Nunca vi nevar, foi com uma alegria de criança que abri o site weather.com, digitei Paris, carreguei no enter, e como que por magia, apareceram floquinhos de neve durante os próximos três dias e quase histérica (histérica mesmo, confesso) apressei-me a ligar para a minha "mana" pequenina, para lhe dar a estonteante novidade. E agora estou com um dilema existencial, não sei que sapatos e que casaco levar, mas à parte isso, o fim-de-semana ao som dos acordeons parisienses promete (para o caso de não haver acordeons, eu levo-os na mala: toda a discografia do Tiersen vai passar o fim-de-semana a Paris), estão reunidas todas as condições para desafiar o destino, grande arquitecto, supremo engenheiro, senhor das barbas e túnica brancas, desde já aviso que não me contento com menos, quero um fim-de-semana digno de argumento de um filme do Jeunet, ou pelo menos que inspire dezenas de posts.
Os viciados desta tralha sosseguem: vai comigo para Paris o Macintosh de 12 polegadas. E a fotojornalista homónima, que me acompanha na plane trip que ia dando para o torto por causa de um holandês que era voador e agora é marinheiro, leva a sua Canon digital, por isso, haverá actualizações diárias, coloridas com fotos excelentes da maninha.

(E, por falar nisso, ando para publicar esta, ainda do jantar lá de casa; é, como sempre, da Diana Quintela, minha fotógrafa oficial - adoro os pestanões)



[São dezanove horas, a janela pisca, e a resposta é a que mais se temia: "Já não te vejo"]


À bien tôt.

Aviso

Faltam sete visitas para as 19 mil. Pede-se ao feliz contemplado que se acuse. É que ainda estou com esta do dia de desafiar o destino (ontem acabou por não acontecer nada de especial, tirando a parte de me quererem casar com o Francisco porque ele tem uma casa gira no Parque das Nações - oh suas abéculas, atributos imobiliários não me excitam por aí e além, então a minha família não é dona de metade de Lisboa?????).
Agora, a despropósito total, ontem este quintal foi cavado 411 vezes - bem haja aos leitores que não desistem de ler os lençóis.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Dia de desafiar o destino

Quarta-feira é dia de desafiar o destino, decido eu, assim, sem mais nem menos, sem deixar sequer que este pensamento passe pela consciência e receba dois contos: abro os olhos, as pestanas enormes descolam-se umas das outras (elas gostam muito pouco de acordar, o Inverno chegou e sabe bem ficar agarradinho a alguém) e plim: hoje é dia de desafiar o destino surge.
É o primeiro pensamento do dia – é bom, para variar, costuma ser o indivíduo que me fez chorar com soluços –, chega-me no preciso momento em que o telefone toca e é a minha mãe loira desdentada na versão serviço despertar, diz-me que está um dia lindo lá fora – vai já estender a roupa, Diana, que chegas à noite e tens tudo seco –, uma tentativa frustrada de me dar algum ânimo para rumar sem medo de me perder nos corredores de São Bento, mas eu dormi pouco mais de cinco horas (putas das insónias que não me largam - não querem mais nada? um whiskyzinho?, um táxi para casa?, digo-lhes eu, sem pudor, perto das três da matina, quando os camiões do lixo chegam barulhentos, em rave, acordando os cães estuporados e feiosos do prédio da frente) e sim, o sol bate nos crisântemos da janela, a terra está alagada pelas chuvadas dos últimos dias, mas eles, aparentemente, não se importam, andam a treinar para ser a janela mais bonita de Lisboa, e a vinha virgem, essa, continua a teimar comigo que não muda de cor este Outono. As orquídeas estão loucas e preparam-se para florir cinco meses antes do previsto - repito o que escrevi num post há muitos meses atrás: aquele que faz florir uma orquídea merece um grande amor, já agora, um literário, experimentei e não quero outra coisa -, o antúrio recupera da maleita de amor que sofreu quando o separei de uma varanda de sete metros de comprimento sobre a Estados Unidos da América, saio da cama azarada como se ela queimasse, num pulo que estremece o chão de tábua corrida que não tem nenhuma placa de betão onde se deitar, a minha mãe procura primeiro os óculos e só depois o português suave amarelo (e na tabacaria diz à Dona Lena, há mais de vinte anos: são dois portugueses amarelos, à falta de um branco), eu hoje quero um SG Ventil antes de ir fazer seja o que for, vou à cozinha encarnada sangue buscá-lo, parece um bordel, a minha cozinha, um espelho dourado côncavo em cima da chaminé, vou de pijama e trago o regador cheio de água para alimentar os bonsais (esses, estão moribundos: as árvores morrem de pé e de tristeza, não aguentaram os últimos golpes duros, para me poupar, absorveram a minha dor e estão para ali, vai não vai, morre, não morre, brota uma folhinha tímida, caem trinta) – tenho usado pijama, é a primeira vez em muitos anos que uso essa vestimenta e durmo de meias também: a Marta não é uma casa fria, mas as janelas dos quartos têm uma fisga enorme que faz uivar o vento da noite, e ao contrário das sortudas das pestanas, não há ninguém para eu me colar quando escurece.
Dia de desafiar o destino merece banda sonora do Tiersen, lá vou eu para a sala, ainda sem conseguir focar bem, a esfregar os olhos e arrancar as pestanas (tenho inveja delas), muita luz no quarto, sala na penumbra, quebra de tensão, não me sento, procuro o CD a custo na prateleira a ver luzinhas brancas, e carrego no play da Sony velhota, cuja coluna direita anda molengona sem querer brincar ao stereo.
Dia de desafiar o destino, mas não me apetece lavar o cabelo, rabo-de-cavalo, enrola-se os três palmos e meio de cabelo num tornucho como as velhas e faz-se um figurão. Dia de desafiar o destino merece, porém, corrector de olheiras da Clinique. E rímel Lash XXL, para compensar as pestanas dos maus-tratos de há bocado (temos uma relação amor-ódio).
Mas não vou demasiado bem vestida. Desafiar o destino já é demais, quero passar discreta o resto do dia, pelo menos aos olhos das pessoas que não vêem para lá do que está à frente do seu nariz.
Dia de mudar o destino e, claro, o taxista dá o pontapé de saída e escolhe o itinerário mais ilógico, apenas para eu passar à porta de um amigo que já não é. Mala no tapete do raio-X do Parlamento e só quando estou a passar no detector de metais e a sorrir para o polícia é que me lembro que trago na caixa dos óculos umas substâncias ilícitas vindas de Marrocos.
Dia de desafiar o destino, mas não me atrevo a perder na Assembleia da República, dia de desafiar o destino não combina com ataque de pânico, o senhor que está à entrada fica-me com a carteira profissional (tenho um lindo número de carteira e a foto é deliciosa, sou uma miúda), dá-me um cartãozinho amarelo para prender no casaco, e eu: "Explique-me como se eu fosse muito burra... Não se importa que eu anote, pois não? Apanho o elevador até ao quarto andar, depois viro à esquerda, sigo o corredor até ao fundo, depois viro à esquerda, apanho o outro elevador, subo dois pisos, viro à esquerda novamente e quando encontrar umas fotocopiadoras, encontrei o tesouro).
Sem sobressaltos, lá chego, os senhores votam, dia de desafiar o destino é assim, não há tempo a perder com passes sociais (fui buscar o Idea de metro, porém, só para me inspirar para o texto, para sentir na pele o que é isso do transporte público).
Dia de desafiar o destino e, por isso, toma-se café na Praça das Flores. Depois, segue-se a demanda rua acima, queimar algumas calorias, reduzir um pouco o rabo genético dos Ralhas, vamos lá, um pé à frente do outro (ainda bem que não fui de stilettos) até ao Príncipe Real. Dia de mudar o destino e olha-se com atenção para os prédios em obras e para os que estão em ruínas. Quando a porta está aberta, espreita-se o espectáculo de degradação ou de renascimento (muitas escadas horríveis como na Martinha, senti-me melhor com a desgraça dos outros).
Lá em cima, no jardim, encontro o vizinho louco alfarrabista (que me dá mais uns livros para a Carolina), passa-se pelo Snob (tenho saudades) e por uma ruazinha onde um publicitário uma vez me quis comer, no seu apartamento gigante, com uma vista de desmaiar para o Tejo, e eu a achar que ele era só simpático, que queria apenas conversar ao som de um Gin Tónico e de Coldplay (quando ainda ninguém ouvia Coldplay e tenho pena de não ter a vida sexual que me atribuem).
Dia de desafiar o destino, segue-se até à Calçado do Combro, cumprimenta-se a ex-madrasta e o seu actual companheiro, um holandês patusco que senhor Vring voador conheceu numa terça-feira na Bicaense (a Manuela a dizer-me, nessa noite, afogada em mojitos, que o meu homem era um pão, nem me dei ao trabalho de dizer-lhe que ele não era meu, é de ninguém, e os dois holandeses a falarem entre si naquele língua de trapos, e nunca se saberá o que disseram, mas hoje o Dirk perguntou-me pelo Andy: Está no mar, é marinheiro...). Dia de desafiar o destino e o meu irmão do meio, Bernardo, chegou ontem da Escócia, e não o apanho por um míseros cinco minutos.
O destino não quer nada comigo, por isso, sobe-se uma determinada rua do Bairro Alto para espreitar mais uns prédios antigos onde eu queria viver. Depois, nada extraordinário acontece, não se encontra ninguém (minto: vi o teu homem, Clara, do outro lado da rua), apanha-se o metro, lê-se o jornal gratuito homónimo, fecha-se os olhos entre a estação da Alameda e do Areeiro, vai-se buscar o carro à Avenida de Roma, segue-se de cú tremido até Picoas e aí estacionamento à porta e parquímetro da EMEL destruído pelo louco do poeta Afonso.
O destino não quer nada comigo, apenas sorte ao estacionamento azar ao amor e, por falar nisso, Xico (estou à espera desse post), o JPH não se cansa de me dizer que tens uma casa muito gira no Parque das Nações, que és da família dos Lucenas e monhézito como eu. A ASL confirma, passa cá por baixo e atira, acabadinha de fazer anos (parabéns atrasados): "Com que então, uma das melhores escritoras de Portugal...". Não me linkaste, não te linkei, mas estes bloggers sabem tudo, vêem tudo e assim se explicam as audiências doidas deste quintal, e o destino deve querer alguma coisa comigo afinal, porque acaba de chegar a EL, tira-me os phones da cabeça e em vez de dizer boa tarde lança: "Tu e o Xico têm que se conhecer"...
E agora o passe social, que tenho um chefe que reage mal a fechar tardinho, mas o camarada do PCP (argh!) só me enviou agora mesmo o que eu precisava para começar a escrever a capa do Local Lisboa de amanhã.

(Oito mil caracteres outra vez. Foda-se!)

Work in progress



Vi o Hitler, fiz metade da árvore (falta-me fita e luzes).

terça-feira, novembro 22, 2005

Salve-se quem puder!

À excepção do Telescópio, via comment, e do Bruno, via messenger, que são uns xuxus os dois, ninguém ofereceu os préstimos a esta gaja para vir montar a merda da árvore de Natal - ler a bela da posta todos querem, agora ajudar esta mãe solteira, tá quieto ó bicho! (grande dramalhão estou eu aqui a fazer)
Afinal não preciso de um homem para nada, acabei agora mesmo de domar o tripé da árvore artificial (para o ano compro uma verdadeira, nem imagino passar por este tormento outra vez). Hoje à noite, não contem com textos, só deve haver uma fotozita da minha árvore linda em tons de cobre. Daqui a umas duas horas talvez.
Esta noite tenho que me deitar cedo, porque amanhã vou brincar aos jornalistas até à Assembleia da República, detesto ir a São Bento, vou-me perder lá dentro, vou hiperventilar de certeza por não encontrar a saída, um dia conto-vos o que me aconteceu no dia da votação do Código do Trabalho, desde então não voltei à AR, já sei que vai ser assim, um horror, ainda para mais vou assistir à discussão do passe social, numa comissão especializada qualquer, e eu não sei o que é um passe sequer, para que serve, como se usa. Vai ser giro, vai, especialista instantânea em transportes públicos...

Ver o Natal e outras histórias atrás de um volante

Sou a primeira Oliveira-Ralha,

(não é finória, Leonardo, esta história do hífen? O meu próximo filho há-de levar hífen e se calhar apóstrofo também e fica d'Oliveira-Ralha, perco mais uns anos de vida nos Tribunais, peço dezenas de pareceres à Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher para me deixarem ter os apelidos dos nossos avós em último lugar, ou então vou ao banco de esperma e não tenho chatices ou cabelos brancos para lá dos que são normais para quem está quase com trinta anos - esta é a solução prática da nossa progenitora, que até patrocina a ida a Espanha, não para fazer um aborto - neste blogue ninguém aborta -, mas para fazer um filho)

em mais de meio século, a ter um documento na carteira emitido pela Direcção Geral de Viação (a minha ainda ainda é das cor-de-rosa e tenho o cabelo muito curto, pente três), vulgo carta de condução.
O meu avô Oliveira ter-me-ia comprado o carro dos meus sonhos para celebrar o feito notável de ter quebrado a maldição com distinção (conduzo mesmo muito bem e o meu tio Zé, o que me ofereceu não o meu primeiro carro, mas sim, a primeira Barbie, o que sustenta a ex e a brasileira que nem sequer chegou a ser futura ex, que lhes dá casa, Alfa Romeos, que lhes monta negócios, que vende andares todos os anos para sustentar as putas que nem sequer o fodem como deve de ser, apenas lhe fodem o juízo e o coração - prevejo o pior: serei tão ou mais banana como o meu tio Zé -, um dia, estava eu a fazer marcha atrás que nem uma louca, com o Twingo, que o Idea tem uns sensores idiotas que me estragam o prazer de fazer razias milimétricas aos carros estacionados, não há nada que me dê tanto gozo como uma marcha atrás semi-alucinada, e o Zé disse: "Quem me dera saber fazer marcha-atrás como tu". Foi um dia bom esse, melhor, melhor só quando apanho todos os sinais da Avenida da República verdes, ou quando tenho lugar de estacionamento à porta de casa ou do jornal, pena que o Zé nunca me tenha visto a fazer a curva da saída para Entrecampos do eixo norte sul, a 127 Km's/H, outra vez no Twingo, conta quilómetros digital centrado no tabelier, reduz para quarta, rodas direitas no ar, puta da curva dava-me um gozo danado a ser desbravada quando vinha da faculdade...)
O avô Oliveira dava-me um Mazda MX5, verde-escuro, estofos de cabedal, aposto que sim, ele fazia-me as vontades todas, deixava-me escrever à máquina quando nem sequer imaginava qual era o poder das letras, ficava no escritório horas sem fim, ele ia buscar os cadernos de caligrafia do início do século XX onde aprendeu a desenhar letras, não se conformando apenas a saber escrever, ensinou-me a fazer os D’s e os A’s mais lindos, de vez em quando, já não queria escrever, apetecia-me fazer contas e ele tirava a máquina do armário, tinha uma manivela e papel como as caixas registadoras, e eu brincava aos supermercados, fazendo cálculos absurdos. Nunca fui uma criança irrequieta, como pedaço loiro de mim, queria ser costureira ou cabeleireira, ou embrulhadora de presentes de Natal, gostava de andar de triciclo e de bicicleta, também passava horas a desenhar e o primeiro livro que escrevi "O mundo dos felinos, pela grande arqueóloga Diana Ralha" tem ilustrações de cair para o lado e textos lindos de uma ingenuidade que ainda hoje me comove - isso e um desenho que fiz para os avós Ralha, papel timbrado da secretaria de Estado do Ensino Superior, desenhei o avô com cabelos loiros, chapéu de cozinheiro e um rolo da massa, de mãos dados com uma senhora loira com brincos compridos - era a minha avó Zá, que, na vida real tinha o cabelo curto de cor cinzento-velha e usava sempre uns brincos muito simples, duas pérolas, mas, também, o meu avô também não era loiro, nem nunca o vi a cozinhar. Fiz o desenho para lhes oferecer num aniversário de casamento, lembro-me de a avó Zá estar a tirar um castiçal do aparador da sala, e eu nas pinturas na secretária do avô, solene, compenetrada, inchada porque ela dizia que eu ia ser uma grande pintora, com a caixa de lata dos lápis de cor Caran d'Ache em cima da mesa, sei que lhe pedi um copinho de água porque queria fazer aguarelas, ela trouxe-mo, claro, ela teria amado se eu fosse artista, ter-me-ia apoiado ao contrário de todos os outros que teimaram que eu fosse doutora, trouxe-me também um pincel, eu chafurdei à vontade, o desenho ficou lindo e depois, com uma letra garrafal, muito mal amanhada escrevi: Parabéns, Vóvó e Vovô - tenho lá o "Livro dos felinos" e o desenho dos avós, feitos por uma criança com a idade de um dígito só, guardados numa caixa de recordações.

Marcha atrás na história, meti-me num beco sem saída – muito a propósito esta metáfora, num texto em que se fala de carros.

Uma geração inteira de desencartados e se não tivesse a mania de ser do contra (três anos a estudar latim só para saber uma coisa que o Leonardo não sabe) lá andaria eu de táxi de um lado para o outro - o único transporte público que os Oliveira-Ralha conhecem; a Magui, que é mais dada, durante uns anos – poucos – enfrentou o pesadelo dos autocarros 44 e 50, quando trabalhava na Matinha e não havia as Torres de São Gabriel, ou o bonito guetto dos ricos, mais conhecido por Parque das Nações.
O Zé Ralha não conduz – conta uma história qualquer do padrinho, que atropelou não sei quem, admite que seria um perigo na estrada e a mim isto espanta-me, juro que me deixa de cara à banda, o senhor meu dador de esperma ser tão cauteloso: destruiu várias vidas sem quaisquer contemplações, sem olhar para trás, atropelou muita gente, é de louvar que tenha a consciência (eu deitava as mãos ao céu se ele tivesse consciência) de que ainda mataria alguém se algum dia se sentasse à frente de um volante.
A Magui diz que tem sindroma de Manier, não faço ideia o que seja, mas é a sua justificação para ser sócia fundadora do movimento dos sem carta.
O avô Ralha ofereceu ao Leonardo a carta de condução quando ele fez 18 (a mim não me ofereceu a ponta de um corno, pagou-me a bateria do Twingo, que pifou da última vez que eu estive de férias no Robalo, já estava de baixa, grávida de quatro ou cinco meses, pagou-me a bateria e a amolgadela que lhe fiz no porta-bagagens quando mandei uma banca de peixe abaixo - ainda assim, friso: conduzo muito bem-, e já fui com muita sorte, o Zé Ralha tratou-me a pão de ló nessa semana, eu li o “Life of Pi” ao pé do laguinho, o avô Ralha ligou a cascata, tomei muitos banhos de sol e de piscina, e uma noite o meu progenitor fez o teste da agulha na minha barriga com o seu melhor ar de bruxo e deu-me a certeza que ia ter um rapaz – e eu nessa altura, já sabia que não era um Lourenço que tinha na barriga, era uma Carolina, mas não quis discutir, gosto de pensar que a agulha dizia que era um rapaz porque a Carolina sai à mãe, tem mais tomates que muito gajo que anda por aí a dar más quecas) e não faço ideia porque é que o meu big brother não tem a carta. Suponho que seja bastante confortável ter chauffer particular.

Eu sempre gostei de carros.
O meu tio Zé ia-me buscar à escola primária, ele almoçava (eu não, pus na cabeça que a empregada me queria envenenar) e depois marchávamos rumo aos Olivais, entrávamos nos sítios mais sinistros à procura de um VW Carmen Guia em estado e preço razoáveis
Era a única rapariga da rua. Brincava com Barbies mas, também, com carrinhos. Tinha o Porsche 911 mal-cheiroso (caiu à sanita e ficou com esse nome), um Lamborghini Contact e um Pontiac Firebird da Matchbox (todos comprados pelo tio Zé).

Quando a avó Zá morreu nunca mais fomos ver as luzes de Natal.

Enfiávamo-nos todos no Ford Cortina do avô Ralha (tenho algumas recordações ténues de um VW Brasília também, parecem um sonho de que não me lembro bem) e íamos ver o Natal, avenida da Liberdade abaixo, até à Baixa. E a minha cara de boneca colada ao vidro, os olhos arregalados, “vovó: como é que a lua se aguenta lá em cima? Está presa com fios?
Mas quando a avó Zá morreu, nunca mais fomos ver o Natal, nunca mais fiz desenhos na secretária do avô Ralha, nunca mais me “princesei” com os pixisbéques dela, guardados numa caixa de plástico castanho chocolate na última porta do roupeiro, nunca mais fomos buscar leite à UCAL, ou beber chazinhos e torradas à pastelaria São João.

carolina e as luzes de natal

Sou encartada há oito anos. Vou todos os anos ver as luzes de Natal sozinha, avenida da Liberdade abaixo, até ao Rossio. Este ano, soube melhor, não foi só uma orgia de luz, cujo único propósito é manter viva a minha avó Zá.
A Carolina lá atrás na cadeirinha de marca alemã aos guichinhos histéricos, aos pontapés no meu banco de tanta excitação, a dizer sem parar: Tchau Tchau, linhas (tradução: estrelinhas). E eu a olhar pelo retrovisor, não vi a Carolina, vi-me a mim própria num Ford Cortina branco, nariz colado ao vidro, boca aberta, olhos esbugalhados. Olhei para a direita, para o banco do pendura, não vi ninguém, mas eu sei que a minha avó Zá estava lá.

carolina2

(8.800 caracteres; JESUS!!! Como é que eu não hei-de ter uma tendinite???)

[Fotos: Diana Quintela]

SOS

Preciso de um homem!
Preciso de um homem para várias coisas, mas a mais urgente é mesmo para me montar a merda da árvore de natal. Não há-de ser muito difícil, são três pernas, uma base, um anelzito e três parafusos.
Estou há uma hora e meia a tentar e não consigo. Admito: preciso de um homem!
E agora vou para o jornal lixada com a minha incapacidade para trabalhos manuais (maridinho, tu és artista, também não me deves valer nesta demanda).
Acordei cheia de espírito natalício e acho que o estendi na corda, juntamente com uma máquina de roupa branca que, quando eu chegar a casa, muito perto da meia noite, vai estar mais encharcada do que saiu do tambor da Hoover linda que a Magui me deu nos anos. Mas eu continuo a achar que a sorte protege os audazes, ainda para mais o diospireiro da vizinha do segundo andar está da cor do outono, encarnado - nunca digo vermelho - alaranjado, foi por isso que me atrevi a estender a roupa lá fora, na janela da casa-de-banho aos quadradinhos laranja que mete água pelo tecto, cai um chuveirinho de chuva mesmo em cima do foco de halogéneo (preciso de um homem também aqui, mas já chamei o empreiteiro, uma figurinha que só vista, uma centena de quilos num indivíduo baixinho, com um rabicho de caracóis numa cabeça quase careca, muito ouro nas mãos e ao peito), decidi estender a roupa lá fora só para ver o diospireiro a cumprimentar a estação que quase já não existe e daqui a um quinze dias a arvore vai ficar despida de folhas e carregada de bolinhas vermelhas. E eu vou ganhar lata, vou bater à porta da vizinha alentejana, e pedir-lhe uns diospiros, porque ando a sonhar com eles desde Julho (também ando a sonhar com sanchas, mas a Magui, que suspira por eles há mês e meio, diz que esta chuva manhosa vai estragar toda a colheita, só teremos meia dúzia de cogumelos verdes, cheios de areia, a peso de ouro, lá para a semana. Mas se houver sanchas a um preço razoável, quero fazer um jantar de bloggers cá em casa, a Magui é que cozinha dessa vez, não arrisco mais um fiasco gastronómico, quero os meus bloggers favoritos todos à mesa, assim de repente, a lista que me surje é composta pelo meu marido e a minha mana, a Cordeirinha, a Mary, o Mac, o Telescópio, o sargento, para nos dar música e vou convidar, também dois bloggers à séria, sabendo, porém, que eles não acham muita graça misturar-se com a ralé da segunda divisão B do Blogger...)

Já venho.

segunda-feira, novembro 21, 2005

A noiva de branco e outras histórias

A minha mãe casou de preto para chatear a minha avó Tóia.
Eu casei de branco para arreliar a minha mãe.
E casei com o Branco e este pequeno pormenor ainda a deve tirar mais do sério, apesar de ela não conhecer sequer o maridinho. E não vale a pena dizer-lhe que o meu esposo vai ser um grande escritor antes de chegar aos 25 anos, isso ainda vai piorar, garanto, mas que me caiam os dentes que demoraram dois anos e meio endireitar se não for assim como eu acabei de escrever (e eu, ingenuamente, quando pus o aparelho, duas horas e meia de tortura, manhã de 27 de Outubro de 2002, era um sábado, boca aberta, olhos fechados, pedia a Deus que não ficasse um monstro com o titânio a enfeitar-me os dentes, depois arrependia-me da prece silenciosa e pensava nos meninos que morrem à fome independentemente de eu comer tudo o que está no prato. Eventualmente lá sosseguei, a perna direita deixou de tremer na cadeira confortável mas fria do consultório e finalmente suspirei com esta certeza que chegou quando a Drª Rosa Serra colava com ácido as últimas brackets, as dos incisivos frontais: em dois anos e meio a minha vida já vai estar "normalizada", pensei, e terei um sorriso perfeito a condizer - eu não sabia que ainda nem tinha começado, que não haveria muitos motivos para sorrir).
Casar com um artista? Mas tu és tonta? Não viste o que deu com o teu pai? Tens quase trinta anos (faltam três, caraças, três, não tenho quase trinta anos), tinhas oito dentes do sizo, e juizinho não há nenhum nessa moleirinha? Ou arrancaram o pouco que havia para arranjar espaço para a dentadura ficar perfeita e alinhada?, havia de me dizer a Magui, até ao infinito mais um, se soubesse do enlace virtual secreto da semana passada - e já tive uma filha na clandestinidade, num hospital de luxo, é certo, mas foi em segredo, essa vilela do interior onde a terra é vermelha e craquilhada, onde há cactos sem flor e sem espinhos, é uma vilazeca, o segredo, é tão desoladora que aí nada brota; tive uma filha nesse territoriozinho, não está no assento de nascimento, mas foi ali que ela me chegou às 14h35, de uma segunda-feira feriado, e de imediato dei ordens precisas aos guardas da fronteira para ninguém entrar, com ou sem passaporte, com muitos maços de notas de cem euros em envelopes, fomos invisíveis enquanto lá estivemos, saímos pelas traseiras e ninguém, por mais simpático, por mais que telefonasse para o sexto piso, ou perguntasse na portaria, soube que eu tinha tido uma filha lá no segredo. Tive uma filha loira de olhos azuis às escondidas de todos, quarto 615, catéter da epidural cirurgicamente enfiado na cabeça da libelinha que tenho tatuada no fundo das costas, a Magui chegava às dez da manhã, saía antes das sete e picos para ninguém desconfiar, na cabeceira, o caderno com páginas em branco que a Mónica me deu segundos antes de o Mário, o Pedro, a Catarina, o Ângelo e a Magui me deixaram à porta da Urgência - e eu não consegui escrever uma linha, estava paralisada de medo, induziram-me o parto, rebentaram-me as águas, agarrei no caderno, já tinha contracções, abri-o, os dedos gorduchos de grávida de 37 semanas pegaram na caneta, uma moinha fininha incomodava-me um pouco, tive o meu primeiro filho numa clínica de luxo, às escondidas do mundo, não escrevi uma linha durante a minha estadia no segredo e, por isso, casar-me na capela do Blogger, com a Netcabo como única testemunha do "sim", foi perfeitamente cagativo.
Agora que penso, depois de ter desviado a conversa para um atalho de terra batida, bastava casar com quem quer que fosse para a Magui entrasse em transe... (São todos iguais, diz ela no alto dos seus sofridos 55 anos, e nem me atrevo a confessar que perdoei ao holandês marinheiro - a Magui já não gosta de ti, senhor Vring, não é banana, mas eu sou, saio aos meus tios que sustentam as ex-mulheres e as namoradas brasileiras, é de família, o meu avô Oliveira também foi papado por todos, casou as milhentas afilhadas no Buçaco palace, pagou-lhes os estudos, a Magui é que degenerou, é a verdadeira abelha mestra, sai ao outro lado da família, os Santos, eu tenho isto nos genes, nada a fazer - perdoo todas as ofensas daqueles que me ofenderam, só não perdoo ter tido um filho em segredo).
"Na vida só se tem um amor literário. E eu escolhi-te a ti", escrevi eu há tempos, coisa de um trimestre, para o senhor cujo nome não pode ser escrito, muito menos pensado (foi escrito em papel, na carta ridícula que mandei entregar por estafeta, não foi? Aposto que não foste sensato o suficiente para a queimar...).
Balelas!
Na vida pode-se ter quantos amores literários se aguentar. E o meu coração é um T6+1 nas Avenidas Novas, aguenta amores torcidos, impossíveis, platónicos e andava a suspirar lá dentro, nas entranhas, por um amor literário correspondido - no reino dos blogues de referência, aqueles que discutem política, as presidenciais, os maricas e mais não sei o quê, também anda a ser batido um couro literário notável

[eu escrevi esta frase na sexta feira - este post está sentado de pernas cruzadas, não deu a volta para nascer, vai ser um parto difícil e no final de tanto sofrimento, estou certa que vai ter que se cesariana de urgência -, antes de esse mesmo blog de referência me bater a mim e não à namorada do primeiro-ministro (Nova Gente dixit) "o" real couro literário, mas eu estou de abalada para o segredo outra vez, não te vou linkar (apetece-me imenso, tenho o ego literário lá em cima, à altura e com a vista do restaurante panorâmico do Sheraton), quero proteger este quintal onde escrevo mais do que devia dos olhos da nata da blogosfera (eu gosto de gente comum, aos domingos vou ao Lidl de Xabregas só para ver gente feia e os meus leitores não são feios, não é isso que eu estou a dizer, os feios porcos e maus não teriam pachorra para textos intermináveis, para neuroses profundas dia sim, dia sim, os meus leitores apenas não escrevem manchetes que demitem ministros e similares, já fico o encaralhada o suficiente por saber que o JPH, a ASL, a EL por vezes vêm aqui), acho que não vou conseguir mantê-lo tão privado como desejaria, todos os dias tenho mais de 200 visitas, mas pelo menos tentei. Telefonei-te a agradecer o cavalheirismo de pedires licença ao meu irmão, teu chefe, teu chefe muito grande e pesado (respeitinho é aconselhável quando se tem um irmão grande que pode ajustar contas por nós), para linkar este quintal no teu canil, não atendeste e eu não gosto de falar para máquinas, não te conheço, sou tímida e faria figura de parva: estivemos juntos apenas num serviço da campanha do Carmona, quando me deixaram brincar aos jornalistas de política, uma visita ao túnel do Marquês de Pombal, mas eu não tenho jeito para a coisa mesmo, vestia-me demasiado bem, aliás, conhecemo-nos e eu estava de saltos enormes, mamas demasiado à mostra, vestido à deusa grega pós moderna (esta é do meu "marido virtual") e tu: "És a Diana Ralha? O teu irmão é o meu chefe". E eu: "Sou assim tão parecida, pensava que era mais gira...", capacete na cabeça, vamos lá às entranhas do túnel, não te liguei nada, devo ter passado por arrogante, mas faltava menos de uma semana para as eleições e eu andava animada com aquela coisa de ter voltado a ser uma jornalista séria, depois de ter sido enterrada por ter tido uma filha em segredo.]

Cheguei a preencher os papéis da anulação do meu primeiro casamento literário para ficar livre para o Branco. Não foi consumada a união, era coisa simples: preencha aqui, assine ali, que eu carimbo acolá. Mas, à última da hora, rasguei os impressos em mil e trinta e três pedacinhos, guardei-os no bolso e usei-os como confetis, atirando-os para cima das nossas cabeças, quando saímos de mãos dadas e sorrisos rasgados da capela do Blogger. A lua de mel passámo-la a escrever nas paredes de minha casa. Vivemos muito felizes para todo o sempre e tivemos muitos blogues.

Eu tenho dois amores literários que em nada são iguais. Tenho dois e terei quantos mais me apetecer e aguentar.

Desde a noite do casório atenho andado em estado de graça, tenho medo de escrever porque não chego aos calcanhares do meu marido, e desculpem-me os viciados, três dias de silêncio é, de facto, muito tempo, mas decerto me perdoarão – é que tive um fim-de-semana feliz, com amigos que não me deixaram começar a escrever lençóis de caracteres minutos antes de soarem as doze badaladas da meia-noite, tive um domingo também sorridente com "o" couro literário num blog de referência nacional, estive caladinha, mas agora compenso a ausência, se não houver cheias na cidade.

Post com 8500 caracteres, página e meia de jornal – é preciso, de facto, muita pachorra para se ser leitor deste quintal. E agora que o quero publicar, o ISP do patrão não deixa ninguém ir à net.

Agradeçam ao Telescópio, a quem dei o meu user name e password pelo messenger, para ele publicar a posta por mim.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Recado para o Mac OS X que às vezes usa o Safari e outras vezes o Firefox

Pede-me desculpas e volta tudo a ser como era. Anda.

Lua-de-mel

Enquanto eu não escrevo sobre o meu casório de ontem à noite, fica aqui a lua-de-mel.

No café manhoso

Como sempre, cheguei cedo demais e o coração batia tão forte e tão rápido que quando foste embora, um SG ventil depois, fumado a pressa só para aliviar a tensão, ainda cavalgava descompassado de amor, do lado esquerdo do peito (e já só ponho o penso rápido dia-sim, dia-não).
"Um dia, vais esperar por mim", disse eu, a rir, envergonhadíssima, ao balcão do café manhoso - uma bica cheia e uma Ucal de chocolate, por favor. O café é mágico, guarda a nossa história retorcida a sete chaves e trinta e três aloquetes, mas ontem a nossa mesa não estava disponível. Escondemo-nos atrás de uma parede azul.
"Não é um bom dia para me chateares, Dia", responde ele, com um mau feitio e poder de encaixe de metáforas bonitas desligado há uns bons quinze dias. "Queres que eu espere por ti, Dia?", continua, mais doce agora.
Vais esperar, tenho a certeza que vais esperar, já chateia ser sempre eu com uma paciência de Jó, lá fora, sobretudo de fazenda castanho, bochechas rosadinhas do frio, vários posts a nascerem na cabeça, um trânsito cerebral que me deixa desnorteada, e depois é tanta a confusão ao final do dia, que quando me sento no sofázinho branco (não voltei a escrever no sofá laranja, que agora também é verde alface), com o portátil da maçã ao colo e o computadorzinho também é branco, o branco invadiu-me a casa, passo as noites todas com ele (casámo-nos ontem de madrugada, mas isso é outra história que terei de contar depois de escrever um texto para o jornal), que, depois, as mãos e os seus filhos dedos não conseguem dar vazão a tanto post engarrafado, às vezes há mortos e feridos a reportar como houve ontem na A1, choques em cadeia de palavras que se perdem no meio de tanto post aglomerado nas minhocas da minha cabeça, é assim quando não se escreve na hora e depois tem-se tendinites, claro, tendinites assanhadas que não nos deixam escrever mais de sete horas por dia.
Vais esperar sim, um dia vais esperar, nem que para isso eu faça horas na esquina, retoque a maquilhagem, lave os dentes três vezes, ou compre dois pares de sapatos, tens que esperar.
Não sei que dia é hoje. Fazemos quatro meses sim (17 é um dia perfeito, mas o 18 foi melhor, deixou marcas na parede, bem as tentei apagar, mas ainda lá estão) , mas não é por isso que a valsinha me foi entregue pelos estafetas do Gmail.
Estamos no café manhoso e de manhã, quando desembrulhei o presente, não podia imaginar que pudessemos voltar ao café das bruxas, o primeiro encontro depois do fim (fazemos quatro meses e já acabámos tudo umas milhentas vezes; vai ser assim até ao final dos dias; já perdi a conta às conversas que gravei com o nome de "fim" - aqui no PC do pasquim tenho sete fins e cinco "conversas de merda" que despoletaram finais infelizes).
Voltámos ao café manhoso. E ainda não sei se é bom ou se é mau.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Valsinha (sabes que dia é hoje?)

[17 minutos para a meia noite. Hoje é um bocadinho mais cedo, porque estou cansada e de certeza que só amanhã saberei se foi um dia bom ou um dia mau.]

Acordo com beijos da loira pequenina, beijos brutos, acordo estremunhada - como é que ela está em cima da cama, aos pulos, na metade imaculada onde nunca ninguém dorme, a metade que eu nunca trespasso com medo dos dragões que a guardam, como, se a cama é altíssima?
Fecho os olhos remelentos, eles pedem-me mais cinco minutos, apesar de me garantirem que ficavam mais bonitos se dormissem mais duas horas, fecho-os, porque ela continua beijoqueira frenética, rio-me, digo com a minha voz nasalada da manhã: "franga, não sufoques a mamã de beijinhos!". E quando já estamos abraçadas e eu já tenho a cara toda lambuzada de beijos loiros, os olhos ainda fechados, os meus, os azuis dela já disseram olá às flores e ao pombo que mora na nossa janela (olá piu piu, ouvi eu muito lá ao fundo de um sonho que já estava a passar a ficha técnica), lembro-me que ela veio ter comigo a meio da noite, foi isso, ainda não aprendeu a escalar a cama que tem tido pouca sorte na vida.
Brincamos ao "monstro das cócegas" e ao "monstro dos beijinhos", são nove e picos, o caralho dos cães do prédio da frente ladram desalmadamente como se estivessem com um desarranjo intestinal, ou um osso de vaca enfiado pelo traseiro a dentro, todos os dias a mesma coisa, ladram como se as caravanas estivessem a passar, um barulho infernal que se ouve até na Universidade, ou no Hospital onde o João vai tapar o buraco do seu coração; ladram, e depois todos os outros canídeos da vizinhança juntam-se-lhes em coro desafinado, muitos decibéis acima do que deveria ser permitido antes das onze da manhã.
Na primeira semana em que dormi na Martinha, era o final de Junho, tinha Internet wireless, não tinha gás e a electricidade, tal como hoje, era roubada à EDP, os primeiros dias foram difíceis e disse muito mal da minha vida. As alimárias não me deixavam dormir e o diabrete loiro às sete da manhã já estava a pé, animadamente a chamar pelos ão ãos à janela. Ao terceiro dia, abri a janela, em desespero, eram oito e picos da matina, e gritei: calem-se seus filhos da puta!
Hoje em dia, já nem os oiço -- habituei-me aos bichos, que são feios, asquerosos, saem à dona, essa puta, soube-o antes de ontem na tasca do Hélder, foi ela que chamou a Polícia Municipal, foi por causa dela e dos seus bóbis sarnosos que o meu Alfredo lindo foi para a fábrica de sabão, puta, puta, puta, vai pagá-las bem caras, e hoje, coincidência ou não, vi-lhe as trombas pela primeira vez, e até já sei que carro guia... O Alfredo dormia em minha casa e durante o dia vagabundeava pelo Largo de Andaluz, tinha-o desparasitado e comprado uma coleira para as pulgas. Não fazia mal a ninguém, este cão ruivinho, toda a gente o amava (eu amava e lembro-me dele quase todos os dias; ainda tenho uma lata de comida de cão dentro da caixa do correio - quase nunca a abro porque me dá vontade de chorar) e recordamo-lo, saudosos, eu e o meu vizinho Hélder, o tal que tem umas madeixas loiras e que dá gomas de morango à Carolina todas as manhãs (às quais ela chama de "cúcus").
Habituei-me. A história de gritar filhos da puta pela janela foi apenas para criar boa vizinhança, porque sabia que ia dar ordens ao meu cérebro para os neutralizar, para assimilar os latidos histéricos dos animais do demo, foi assim que aconteceu quando me mudei para um 10º andar sobre Lisboa, demorei uma semanita a digerir o barulho da casa do elevador que morava por cima de mim.
A anja loira pós moderna pediu-me água, depois de muitas cócegas e muitos beijos dos monstrengos que encarno logo pela manhã ("água" é um conceito ambíguo: de manhã e ao final da noite quer dizer leite; durante o resto do dia é, efectivamente, água; mais difícil de descodificar é a palavra esquizofrénica com dupla personalidade "chão" - nunca sei quando quer dizer chão ou quando quer dizer colo), 30 segundos no microondas, plim, liga o Mac, abre o Gmail e tenho uma surpresa, já nem sabia como sabia bem ter cartinhas na inbox daquele remetente, uma prenda singela do meu "ex" (muito divertido escrever que és o meu "ex"; na realidade, és o meu "ex-futuro" - desculpem-me o recurso à segunda pessoa do singular; mas ele é uma das primeiras visitas do dia).
Assim do nada, depois de me partir o coração em mil quinhentos e cinquenta e um pedaçinhos, mandou-me uma prenda. Uma valsinha linda. Oiço-a, é deliciosa, e sei que a conheço. 30 segundos depois, lembro-me onde a vi. Fico triste (não posso dizer porquê). Fico contente (não sei mesmo porquê). Não sei o que é que fico. Ainda não sei o que é que fiquei.
Mais tarde, diz que o timing da sua surpresa matinal no meu Gmail foi o melhor que podia ter arranjado, sobretudo pelo dia que é hoje. Eu não sei que dia é hoje. Ele também não diz. Anda misterioso. Já não me conta nada, mas passa a tarde toda a namorar comigo à janela, para mal da minha produtividade e da minha tendinite. Hoje readmiti-o no messenger.
Ele vai negar, mas pediu para ser readmitido. De uma forma torcida, perversa, que parece que fui eu quem quis muito muito voltar a adicioná-lo, que não sabia viver sem ele na janela mágica, mas ele pediu, de um jeito desengonçado, mas pediu. Como quem não quer a coisa mas sempre a querê-la.
O ex-marido lindo vem almoçar comigo, paga-me a sandes porque estou falida, e faço-o rir com a expressão : "bater um couro literário" (nada mais, nada menos do que eu fiz com o meu "ex futuro"). Volto à redacção, encontro a senhora arquitecta linda que está de abalada para Luanda, desejo-lhe boa sorte, gosto dela, gosto muito, passo o cartão na entrada, os torniquetes giram, recuo, pergunto ao segurança: "Mário, que dia do mês é hoje?". Ele responde: "17". Passo o cartão outra vez, "obrigada, Mário", vou a rir-me sozinha no elevador e, como já vem sendo hábito, carrego no segundo em vez de no primeiro piso, saio, chamo outra vez o elevador, desta vez vou para o piso correcto, sento o rabo na cadeira e escrevo-lhe: "Já sei que dia é hoje. Fazemos quatro meses".

(continua amanhã, porque a tendinite já está a ficar assanhada)

Desculpem o ego

Mas tem mesmo de ser. Imperdíveis, os relatos de um jantar-fiasco, com espinafres desintegrados e tarte de frutos silvestres carbonizada, pelos olhos dos meus convidados. Aqui. Aqui. E também aqui.
Amanhã ainda retomo este assunto.

É oficial

Este blog tem mais visitas que o meu Idea tem quilómetros feitos na estrada.
(E a minha filha está a sonhar alto, com cacos e ão ãos, neste preciso momento)

quarta-feira, novembro 16, 2005

Almoço económico

Dois minutos para a meia-noite. Gosto de tradições.

O João tem um buraco no coração. A Clara uma borbulha no queixo. A Cristina tem 38 anos há pelo menos cinco e o Nicolau um papillon azul com bolinhas brancas que, se calhar, comprou numa loja ao pé do liceu.
O Pedro parece o Richard Gere em versão liliputiana (o poder assenta-lhe que nem uma luva de pelica, como ao Nicolau) e a Isabel anuncia que quer ser uma velha gaiteira. Cravo cigarros à futura tocadora de gaitas sénior e tenho vontade de dizer ao Nicolau que me lembro dele muito bem, não de papillon, não num canal da Tv Cabo à sexta-feira à noite, mas sim, de fato de treino, na Quinta do Lambert, na primeira redacção bafienta do pasquim, fato de treino como aqueles que encontramos às centenas em qualquer hipermercado do meu patrão, num sábado de manhã. Não digo, mas portei-me mal ainda assim - disse muita merda e é um facto que não mando nenhum director para um sítio chato que eu cá sei há muito tempo.
Garanto à Clara que estou bem - escreves tão bem, mas é tão triste, fiquei com o coração apertadinho, diz ela baixinho, usando mais uns adjectivos sempre acompanhados pelo sufixo "inho", vício danado da portugalidade (o meu favorito é o "obrigadinho").
Delicio-me com a imagem de uma médica aqui da minha rua ir arranjar o coração do João (também quero que a vizinha do Hospital da padroeira das donas de casa dê uma olhadela no meu) e garanto à Cristina que nunca dormi com ninguém da secção.
Trato o Pedro por tu, quando nunca o consegui fazer quando ele me ensinou a fazer notícias (a primeira que fiz, no computador do Paulo, ao seu lado direito, foi sobre o preço do Brent do mar do Norte. O barril estava a 22 dólares e a OPEP ponderava aumentar a produção em 500 mil barris/dia para impedir a escalada dos preços - onde é que os 22 dólares já vão...).
O Pedro foi o meu primeiro e mais amado chefe, lembro-me de chorar com soluços quando ele se foi embora do Lambert do tecto radioactivo. O João ensinou-me a refilar e revelou em mim uma veia sindicalista perigosa e perturbadora para quem vem de uma família de reaccionários. A Cristina deu-me um conselho para a vida, antes de eu chegar aos vinte - nunca te mudes para casa dos gajos; eles é que se mudam para a tua (não lhe dei ouvidos na primeira, mas há quatro anos que fiz do seu conselho um mandamento para toda a minha vida). A Clara foi emprateleirada comigo ao mesmo tempo e foi a única a telefonar-me quando eu estive quase louca, umas semanas antes de engravidar.
Não faço parte da pandilha de jornalistas de Economia há quase dois anos. Por mais que nos ponham a escrever sobre as coisas mais impensáveis, enterrados na cauda de uma secção que tem horários ainda mais reduzidos que os da função pública, quem entra nunca mais sai. Pertenço, até à morte, a esta sociedade secreta.
E estava cheia de saudades.

Post super rápido

O jantar foi um fiasco, o tempero estava bom, mas a consistência anotou mal a morada, bateu à porta da vizinha (parece que a senhora faz um cházinho e biscoitos de manteiga a que ninguém resiste) e por lá ficou, sem sequer se lembrar que eu tinha três convidados para alimentar (três amigos que, depois de ontem, nunca mais vão acreditar que eu sou uma fada do lar; o telescópio, que apareceu depois da janta, já não acreditava de qualquer forma).
Noite de excessos (houve, sobretudo, excesso de amizade nesta sala dupla, dividida por um "biombo" de gaiola pombalina) e é já um padrão, devia oferecer-me para cobaia de um estudo científico: depois de uma sessão nocturna como a de ontem, sessões que se resumem a sacos do lixo cheios de beatas e garrafas vazias, acordo sempre muito cedo e muito bem disposta, sem receber uma única queixa do corpo.
São nove e cinquenta e já lavei a loiça manchada de verde dos espinafres desintegrados. Dei um jeito à casa, tomei banho (de água semi-gelada), vesti-me. Espero que o diabrete loiro acorde para voltar ao trabalho, ainda com a mão em recuperação.
Aos quatro convidados um recadinho: voltem quando vos apetecer.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Coisas pequenas

Começo este post sem título e sem a mínima ideia do que vou vomitar. Escrevo com o mesmo intuito que os gatos da Magui comem as ervas que ela semeia em algodões empapados de água, acondicionados em caminhas feitas de couvettes de esferovite do talho do Pingo Doce - é para me purgar.
Aqui purifico-me. Os felinos expelem bolas de pelo. Eu vomito palavras. E, de vez em quando, sai alguma coisa de jeito, no reino das "coisas pequenas" (Linha aqui atrás! Encontrei um título: coisas pequenas, as "coisinhas", como lhes chama o foto.poeta, pedaçinhos de realidade cortados do bloco de papel de lustro com tesouras de criança - a minha primeira tesoura era um Pai Natal coradinho -; é aquilo em que sou realmente boa, em que chego quase ao patamar do genial).
É perto da meia noite, e os caracteres sem carácter de ontem, o post meio doido sobre bicicletas, pesadelos e sonhos alucinados de casas que fazem figas por mim e batem na madeira do soalho de tábua corrida, para isolar os maus augúrios que teimam em me fazer esperas à porta de casa (cá para dentro não passam, dou de comer ao passaroco dourado da Mundial todos os dias, a águia fica em sentinela, de asas abertas e pose altiva e temerária, dia e noite, misturo nas sementes umas folhinhas de coca, nunca está cansada, nunca se queixa, fica ali quietinha sob um fundo carmim, a casa e o passaroco da Mundial escolheram-me a mim, não fui eu quem os escolheu a eles e prometeram, ambos, selaram um pacto, num dia de Outubro, nos escritórios de um banco britânico turquesa que também tem uma águia a protegê-lo do demónio do crédito mal parado, prometeram-me segurança, a mim e ao pedaço loiro de mim, para todo o sempre), esse comecei a escrevinhá-lo precisamente às zero zero zero zero, e nem tinha reparado, só há pouco ao ler os comentários da minha extensa audiência (o senhor que me desiludiu, o que tem Internet em todo o lado que vai com o seu mac prateado, continua com o mesmo ritmo de antigamente, entre três e cinco visitas por dia, e só por isso, pela persistência, pelo voyeurismo, o meu coração mole tem vontade de esquecer a grande desfeita de Paris), e parece que se impõe começar uma tradição, mais uma rotina de prazer: escrever momentos antes de me transformar em abóbora.
Ainda só escrevo com uma mão, devagarinho, já arrisco bater com o indicador da direita na barra do space, apenas esse movimento, mas a mão enferma, neste momento, está colada à boca, e a boca está aberta de espanto, a pele está arrepiada como a das galinhas, passei a tarde a adivinhar quebra-cabeças e fui o número perfeito 131. Tive direito a um prémio. E a metade de mim loira também. E está aqui.
Depois de o ler, não tenho coragem para escrever o que quer que seja, soa-me tudo mal. É um grave e sério caso de talento e espero que nunca se cure desse mal.
[Fico histérica quando tropeço em pessoas brilhantes, e estas pessoas neon, tão radioactivas como Chernobyl, só aparecem a quem vê as coisas pequenas.]

Manhosococus e outras reencarnações

[Post escrito com três dedos da mão esquerda: vai sair devagarinho, a conta-gotas, provavelmente com algumas gralhas e um pouco manco, porque não escrevo há muitos dias e dedilhar teclados de computador, ou desenhar letras em folhas de papel, não é fácil ou eterno como aprender a andar de bicicleta -

é uma Ralleigh encarnada, estava no terraço abandonada com uma vista deslumbrante sobre a minha cidade, estava enferrujada, o Zé limpou-lhe o pó dos séculos no jardim de Inverno, a ferrugem dos cromados desapareceu como magia sob o efeito de um spray chamado Bala, o Zé tirou as rodinhas paneleiras, porque ninguém aprende a andar de bicicleta com rodinhas, disse-me ele, e fomos a pé, eu e a Magui, com a Ralleigh quase nova pela mão até a uma oficina nojenta, numa ruazinha feia, cheia de marquises, uma rua perpendicular à avenida do Brasil (e vinte anos depois, foi ali, se calhar, que eu fiz a minha filha, numa casinha feia de porteira, eu quero acreditar que não, que foi, ou na minha casa de bonecas com a altura de um 11º andar, ou em Marvão) e já não sei o que lhe faltava: um pedal, um pneu, a buzina? Não me lembro... Foi numa Ralleigh encarnada, na calçada branca do jardim da Estados Unidos da América, mãos coladas ao guiador, palmas suadas de excitação, muitas gargalhadas embaladas pelo ventinho da velocidade de duas pernas a pedalarem a medo e quando olho para trás, não estava lá o Zé, já estava a andar sozinha, o Zé, o meu tio-pai tinha deixado de me amparar a marcha sem aviso, olho para trás, dou um berro e caio dois segundos depois, esfolando o joelho direito -,

vai demorar: está a ser cozinhado em lume brando porque a botija do gás light está quase no fim (hoje tirei o amaciador do cabelo com água quase gelada), e porque a minha melhor mão, a direita, está roxa, apertada dentro de uma luva elástica com talas que me fazem nódoas negras. Vai sem pressas, estou a aprender a escrever outra vez, na sala cinco da escola primária do Bairro das Estacas]

A Magui chama-lhe o manhosococus. É um vírus oportunista que ataca apenas quando as nossas defesas estão quase esgotadas pelos enxertos de porrada dos dias difíceis. Não tomo Actimel, sabe mal, é escandalosamente caro e não gosto da ideia de dez mil mihões de L Casei Immunitas a invadirem-me o estômago, e o manhosococus destruiu-me o fim-de-semana.
Estava muito vulnerável. Perdi um amor literário, uma história que não era bonita, mas que trazia sorrisos parvos a esta casa, mas adiante, a história, ou a lembrança dela, já só me faz sangrar aos pinguinhos (vi-me obrigada a improvisar um torniquete, já sou naturalmente anémica e estava a ficar branca demais, já nem pareço filha do meu pai, mas sim da minha esquálida mãe, apertei a ferida com um trapo e todos os dias ponho um penso rápido do Pingo Doce do lado esquerdo do peito para assinalar o mapa da dor), solto umas pinguinhas de trinta e três em trinta e três segundos, porque quero que alguém siga o meu rasto, pode ser que alguém me encontre.
Dias difíceis, estes, em que o meu instrumento de trabalho, a minha mão direita, a tradutora da minha consciência, decicidiu reclamar e protestar com uma greve geral pelo direito consagrado na lei de semanas de 40 horas de trabalho (estamos a rever o contrato colectivo de trabalho: eu fiz uma proposta de 75 horas semanais, aguardo contra-proposta munida de anti-inflamatórios e analgésicos).
O manhosococus recebeu o alerta por sms, estava eu ainda na Cuf das Descobertas, a radiografar a minha mão (quando era pequena tinha medo de raio x, porque se via o esqueleto), foi direitinho ao arquivo buscar a ficha com todos os meus dados bibliográficos e atacou-me no Sábado. Não ofereci resistência e estive de cama, febril, entregue aos cuidados e canjas da senhora minha mãe, que conhece este sacana do manhosococus de gingeira, e sabe que ele não resiste a torradas e chás com mel de uma mãe.
Sonhos terríveis visitaram-me. Num, um monhé (atenção, não é depreciativo: o meu pai é monhé e eu própria se andasse de sári...) tinha um restaurante na Avenida da Igreja, onde às terças-feiras fritava gatos e peixinhos de aquário vivos, em tinas de vidro com óleo borbulhante.
No outro, o vizinho que se mudou para o prédio em ruína do Largo das Palmeiras, o vizinho que eu não conheço, que nunca vi, mas admiro e gostava de conhecer, penso nele todas as noites quando farejo um lugar de estacionamento fora da jurisdição da EMEL, não sei se é homem, mulher, se é novo, velho, barrigudo ou espadaúdo, só sei que o vizinho pintou as seis janelas do primeiro andar daquele prédio agonizante e o prédio agradeceu a carícia, o vizinho sussurrou-me: "Noutra vida, foste uma casa. E foste abandonada como este prédio".
E enquanto me mostrava assoalhadas que nunca mais acabavam, enormes de tectos altos e trabalhados por mestres estucadores, assoalhadas onde nenhuma parede estava em esquadria, chão de tábua corrida, assoalhadas vazias, paredes brancas, algumas tinham rachas e outras manchas de humidade, o vizinho (era um homem de quarenta e picos anos, no meu sonho) sossegou-me: "Vai chegar alguém, vai bater à porta e pedir para pintar as tuas janelas, para tapar as rachas dos terramotos recentes. E as casas fechadas, tristes, doentes, aquelas todas pelas quais passas todos os dias, sem seres como os outros, os que passam sem reparar na sua beleza, estão todas a torcer por ti. Porque tu, na outra vida, foste uma casa como elas".

sexta-feira, novembro 11, 2005

Tendinite Chic

Não quero que este mini-post se aparente com um anúncio de fraldas para incontinentes. Mas tenho uma tendinite e ela fica-me bem. É doença de escritor. É chic.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Tendinite

Tenho uma tendinite, a mão direita imobilizada. Não postarei nada muito extenso nos próximos dias.
A todos os visitantes persistentes, um grande bem haja, como dizia o meu avô Oliveira.


Sem título e sem comentários

quarta-feira, novembro 09, 2005

Delete and block this person?


Quando me doerem menos as mãos, conto-vos este conto: era uma vez, há muitos muitos anos, um gigante que fez a sua trouxa e veio de um país da Europa do Norte, para um pequenino, com muito sol muito mar. E ali, impunemente e sem dor alguma na inversamente proporcional consciência, divertiu-se a magoar quem só lhe fez e quis bem. Mas esta história de gigantes desleais fica para outro dia.

PS- Não vou conseguir postar nestes dias. Não porque esteja triste, até já nem estou, tenho que o agradecer ao gigante, responsável pela relativização de tudo, e às dores nas minhas mãos, que fazem com que tudo o resto seja perfeitamente cagativo.
Estou de baixa do blog e das notícias.

You will

A man walks round with a hand bell announcing that the Park is closing. He turns off the gaslights which illuminate the animal cages. Almasy and Katharine sit stiffly on a bench. They don't speak. Almasy puts his hands to his head, he rubs his shoulders. The lights are gradually being extinguished around them.

Finally, Katharine gets up.

KATHARINE
I'd better get back.
(she keeps him away with a hand). Say goodbye here.

ALMASY
I'm not agreeing. Don't think I'm agreeing, because I'm not.

They stand, awkward. Katharine rehearses her position. The bell clangs.

KATHARINE
I just know: any minute he'll find out, we'll barge into somebody we'll - and it will kill him.

ALMASY
Don't go over it again, please.

He takes her hands, lays his cheeks into them, then releases them, gets up, walks away. She walks towards the gate. He calls after her.

ALMASY
Katharine, (he walks towards her, his smile is awful).
I just wanted you to know: I'm not missing you yet.

She nods, can't find this funny.

KATHARINE
You will. You will.

Then she turns sharply from him and catches her head against the gatepost, staggers at the shock of it, then hurries away.

The English Patient. Cena 131. Anthony Minguella.

A glória

E até me esquecia: virei engenheira num blog de referência nacional.

terça-feira, novembro 08, 2005

Tchau, tchau, flores

Começa pelo meio, passa pelo fim e acaba no princípio... faz tudo sentido fora do sentido.. e para que precisamos nós do sentido quando tudo isto é sentido?

A Magui fritou carapaus, joaquinzinhos, pedofilia gastronómica, aposto que fez arroz de tomate, mas não ponho a mão direita que há bocadinho apanhou um esticão da electricidade ilegal e roubada discaradamente há EDP há quatro meses. Não ponho a mãozita que está menos afectada pelas artroses no fogo, mas joaquinzinhos vão bem com um arroz de tomate, e a Magui fritou-os em pouco óleo, vai comê-los com cabeça e tudo. Sabe bem que eu não como animais bébés e, por isso, fez-me um bife panado e a acompanhar fuzilis tricolor salteados com azeite e alho. A Magui fritou os bichos com a ajuda de uma lupa e não ligou o exaustor, para quê, é tão bonito o electrodoméstico, fica ali tão bem entre o MDF das portas da cozinha, é de inox e potentíssimo, fritou-os e não abriu as janelas, o pior foi mesmo quando fez o molho de escabeche que me revolta os cinco sentidos ao mesmo tempo, fritou-os e os 64,3 centímetros que medem os fios do meu cabelo cheiram a joaquinzinhos fritos com molho de escabeche até amanhã.

A minha filha faz hoje 23 meses. Não fala quase, diz mamã, diz papá, muito recentemente diz vó, diz caco (gato), ão ão, piu piu, peixinho, flor, qui qui (privilégios da minha mana homónima pequenina, fotógrafa oficial da família Oliveira-Ralha), diz mais: chão (que é uma palavra dúbia, tanto quer dizer chão, como colo), diz insistentemente não, às vezes, muito raramente, porque tem um feitiozinho de merda como o da mãe, diz sim. É bem educadinha, apesar das caralhadas que a mãe continua a dizer, e diz olá, adeus, tchau tchau e penso que esgotei o vocabulário do diabrete loiro.

A sorte protege os audazes.
Passamos pelo Largo das Palmeiras, no Idea quentinho pelo ar que não cumpre a sua missão (quer subsídio de Natal, já lhe disse que não há dinheiro nem para mandar declamar poemas ao louco da rua Viriato). O ar quente não desembacia os vidros, pé no travão, há mais de dois meses que tenho o stop direito fundido e sempre que ponho a chave na ignição, o Idea avisa-me do facto com um bip bip acompanhado de "avaria stop e setinha para o lado direito", está assim há mais de dois meses, porque eu só tenho duas garagens automóvel a menos de dez metros da Martinha. Vou ter mesmo que ir à garagem, aquela onde eu pus a primeira gasolina do Twingo - nem sonhava sequer viver vinte e sete passos abaixo -, porque O Idea é manhoso, está sentido com o meu desleixo, e não me deixa acertar as horas até subsituir o raio da lâmpada.
Pé na embraiagem, ponto morto, pé no travão, que não dá sinal a quem vai atrás de mim, porque a garagem é a dez metros de minha casa e é fácil demais, e conto uma duas três palmeiras, faz sentido o nome do largo, sim senhora, estou nisto até que um carro me faz sinais de luz porque parei nas traseiras do bonito Palácio Sotto Mayor para contar as tal palmeiras e aproveitei ainda para espreitar, a alguma distância (vejo mal ao perto, não ao longe, e isto é tão intrínsecamente verdade que me apetece franzir o sobrolho), se haverá algum andaluz à solta no largo em frente a minha casa (há uma magnólia e está quase a florir).
Há dois lugares de estacionamento fora das garras da EMEL junto ao Hotel do Palácio meu vizinho, mas a sorte protege os audazes. Azar ao amor, sorte ao estacionamento: hoje quero um lugar à porta de casa, demónio em-vias-de-ser-anjo do estacionamento, porque tenho o carro cheio de roupa passada e bem-cheirosa, direitinha, pendurada em cabides fininhos de arame, mais de quinze quilos de roupa que tenho que levar para cima - são 13 degraus, depois dois, depois quinze e depois quinze e dezasseis, isto a descer, a subir são bem mais -, quero lugar em frente aos números pares da porta do prédio centenário que me escolheu para ir lá viver, mereço lugar à porta, as putas literárias são descartáveis, escravizam-se por um quarto de ano, e depois são dispensadas pela que se segue na fila, e só por isso, por ter dado o meu melhor a quem não lhe dá o devido valor, quero e vou ter lugar de estacionamento à porta (porque é que eu lhe fui cantar o poema do Pessoa?).
Nada. Nem uma nesga onde caiba um smart for two.
A luz do vizinho do primeiro andar esquerdo do prédio gémeo da frente - que tem tectos baixos e de madeira e não gigantes como os meus de estuque - é sempre a única que está ligada, vejo o varão da cortina de banho e na porta colada uma folha A4 que diz "shit happens". Vejo mesmo bem ao longe, estou parada em frente à minha porta e não há lugar, vou ter que dar uma volta enorme e deixar no largo que tem 3 palmeiras que o baptizaram, mas o meu vizinho do restaurante abre a porta de alumínio e diz: Vizinha, vou sair, quer o meu lugar?
Sorrio ao engatar a marcha atrás. Em frente. Mesmo em frente. A sorte protege os audazes e isto não é um filme do Jeunet: é a minha vida, às vezes feliz, muitas vezes triste, mas sempre fantástica e digna de registo.

A Carolina fez 23 meses hoje e o sopro que uivava forte no seu coraçãozito descompassado de amor, grande como o da mãe, deixou de assobiar, foi soprar para o mar, foi enrolar ondas para os surfistas (esta é do poeta).
A Carolina não diz nada, fala um dialecto entre o ucraniano e o búlgaro, mas todas as noites, chegamos depois das dez da noite, subimos os 13 degraus, depois os dois e ela cumprimenta as flores gigantes com as quais a minha vizinha alentejana decora os patamares velhos e decadentes da mãe da minha Martinha. De manhã diz: Olá flores. À noite: Tchau, tchau, flores, dá-lhes uma festinha e um beijinho repenicado nas folhas.
Chegamos à porta de casa, eu com os bofes de fora, e tchau, tchau, piu, piu, diz ao emblema da mundial que guarda a nossa casa de tristezas de maior.

Deitei o anjo loiro que se constipou no dia em que foi ao pediatra e o dr Espinoza não me deu a piçada que estava à espera por me ter esquecido de uma vacina. Naquele mesmo apartamento de oito assoalhadas, nos prédios bonitos de esquina da Estados Unidos com a Avenida de Roma, onde há vinte anos atrás me aliviava as anginas semana sim, semana não, o médico doce confirmou que a minha Lina vai ser uma loira alta e espadaúda - mantém-se de pedra e cal no percentil cem, apesar de ter nascido no percentil 15, muito pequenina e frágil, 47 centímetros de gente, há quase dois anos, no dia de nossa senhora da Conçeição, faça sol e chuva não.
Liguei as luzes com libelinhas do quarto de princesa, agarrei no Cilit Bang e no esfregão turqueza (que moderno!) e apaguei as marcas das paredes, as marcas de amor que ficaram impressas numa madrugada de Verão e que teimei em deixar tatuadas no hall da Martinha, como se por esse gesto - outro gesto da minha total e abnegada entrega -, só por perpetuar umas manchas escuras na parede alva, como se ele voltasse só por isso.
Tchau, tchau, flores.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Up side down

up side down

Uma hora e meia com o "Lá em baixo" do Sérgio Godinho em repeat one - estou a ficar preocupada, gosto de Saramago, estou a ouvir uma canção da ressaca do 25 do 4 de 74; não me sai da cabeça: "toda a gente passou horas em que andou desencontrado, como à espera do comboio na paragem do autocarro" -, aparelho de contenção ortodôntica transparente enfiado nas mandíbulas (agora me lembro: tenho que tomar a pílula) e a única coisa que sai do Ibook voador é um título bem esgalhado e a foto que fez com que ele surgisse, a foto de pernas para o ar, up side down, a foto que pretende causar torcicolos aos leitores ávidos de informação gráfica.
Uma hora e meia e nem um cigarro a massacrar-me o lábio carnudo que está sempre ferido pelos filtros que lá se colam e me arrancam uma camadinha quase invisível de pele. Uma hora e meia (já lá vão quase duas) e um poeta fala comigo na janela mágica do messenger, um poeta que sigo, por acaso, desde que começou a história, a história que, no outro dia, chegou ao fim, a história que deixou tudo de pernas para o ar, em pantanas, a história cujo fim foi anunciado ao primeiro mail por cornetas e tubas douradas desafinadas (12 de Julho, 13h02: obrigada pelo convite, senhor padre. Não sei se será aconselhável almoçar contigo. Eu já tenho uma coisa platónica meio louca por ti, e eu sabia do que falava, a avó Zá passou-me o dedo mágico que adivinha, mas o dedo mágico está minado de artroses, vóvó!).
O fim da aventura foi sendo sucessivamente adiado, porque eu não abri a porta, pedi pelo intercomunicador a senha secreta e o carteiro respondeu sempre "correio", e eu, chateada, quase piursa, dizia: ò senhor, essa não é a palavra-passe, não vou poder abrir a porta, e ele insistia sempre com a mesma lenga lenga, dias a fio, não gosta de jogos, na escola gozavam-no porque ele não resolvia os mais simples problemas das lições de matemática, não é bom em enigmas e em charadas, nunca foi, não dá para os estudos, disse logo a professora da primária, gosta da vida simples, de andar pelas ruas a passear, sem sobressaltos, sem dores de cabeça, sem fogo e sem gelo, e de uniforme cinzento, como a sua vida das 7 às 15, depositou a caixa do correio castanha escura, a única do prédio que tem um autocolante amarelo a proibir publicidade - e eu que gosto tanto de receber semanalmente a Dica do Lidl, a cadeia alemã que às vezes vende vestuário e acessórios para cavalos e é, sem dúvida, a coisa mais mal parida de todo o panorama editorial do país, gaita, gaita, tenho que desfazer o autocolante, empapando-o com álcool etílico -, a caixa castanha onde encostei o indivíduo da aventura, numa sexta-feira longínqua, entre beijos e uma alça de um vestido também castanho que teimava em deixar o ombro direito nú, a caixa de correio que abre com dificuldade porque a chave está empenada, a caixa de correio que tem lá dentro uma lata de comida de cão, do tempo em que o Alfredo ainda não era sabão azul e branco da Clarim, o carteiro deixou lá uma colecção de avisos de recepção, papelinhos cor-de-rosa que ignorei. (Depois veio o oficial de justiça, com a polícia, eu fingi que não estava em casa, deixaram um papel colado nas caixas do correio castanhas, foi na quarta, assim acabou a aventura.)

Três horas e meia depois, já queimei os lábios com vários L&M azuis (hoje comprei este tabaco, numa singela homenagem ao mestre blogueiro JPH, que me atura diariamente, que vê os meus olhos inchados de choro e pergunta quando eu entro, escancarando a porta: Qual é o dramalhão de hoje, Ralha?), falei da origem etimológica das palavras com o poeta, desassossegou-me a reflexão sobre esta em particular: assimetria, que não é o inverso de simetria, expliquei-lhe as declinações de Latim, que uma palavra pode ser declinada de seis formas diferentes, conforme a sua função numa frase (sujeito, predicado, complemento directo, indirecto, and so on), falámos de tudo, a Qui Qui apresentou-mo numa noite difícil, eu pedi-o em casamento, e a certa altura o messenger fez greve, os carros do lixo andavam lá fora a fazer uma rave, é tarde, são quase três, quer dormir o programa preguiçoso da Microsoft, e deixou de me entregar as frases do poeta. Foi então que tivemos um diálogo surreal, com ele a mudar de nick name de dez em dez segundos para responder à minha curiosidade felina, na impossibilidade tecnológica de me fazer chegar as suas instant messages.
Eu disse que se esperava tudo. Tudo de bom, tudo de mal.
Não se esperava tão cedo, porém.
Nem se esperava esta noite e um post deste género alucinado (só fumei tabaco, juro!)