quinta-feira, junho 30, 2005

Canção

Toda a gente anda com o Variações debaixo da língua - culpa dos Humanos. Eu gosto dos Humanos, nunca ouvi o disco, só os telediscos que passavam na Sic Mulher - a Carolina adora o "Muda de Vida" -, tinha dois convites para o concerto de ontem, mas a minha mãe não me deixou ir (vicissitudes de se ser mãe solteira e de depender sempre da bondade da mãe para ter um bocadinho de vida social, sim, social, já nem digo afectiva, amorosa, ou coisa que o valha)
Não sei se os Humanos têm esta no CD. É um poema de Fernando Pessoa, musicado pelo Variações (quando ele morreu, lembro-me, estávamos na Costa, a avó Zá ainda viva, a tia Lena e o tio Carlos também lá estavam, lembro-me bem, tão bem, a capa do Tal & Qual, em manchete a notícia de que as autoridades sanitárias tinham queimado a ambulância em que o Variações tinha sido transportado, tinham incinerado os lençóis e desinfectado o quarto; ninguém sabia que doença estranha era aquela que o levou), é talvez das melhores coisas que se fez em Português.


Silfos ou gnomos tocam?...
Roçam nos pinheirais
Sombras e bafos leves
De ritmos musicais.

Ondulam como em voltas
De estradas não sei onde
Ou como alguém que entre árvores
Ora se mostra ou esconde.

Forma longínqua e incerta
Do que eu nunca terei...
Mal oiço e quase choro.
Por que choro não sei.

Tão tênue melodia
Que mal sei se ela existe
Ou se é só o crepúsculo,
Os pinhais e eu estar triste.

Mas cessa, como uma brisa
Esquece a forma aos seus ais;
E agora não há mais música
Do que a dos pinheirais.

quarta-feira, junho 29, 2005

Bug

Não percebo porque é que no post anterior o parágrafo que começa com: "As meninas" fica em letra mais pequena. Já tentei tudo. Não dá. Perdoem.

Entretanto, decidi copiar todos os meus textos do blog para um ficheiro. São muito especiais e eu não tenho nenhuma espécie de backup.

quinta-feira, junho 23, 2005

Sobre a mudança - ode à minha casa pequenina

[Este Firefox brasileiro, "baixado" por engano para as entranhas do meu ressuscitado Compaq, está a dar cabo de mim: a página de abertura do Gmail, em vez de me cumprimentar com "Welcome to Gmail, a Google approach to email", não - tenho que gramar com qualquer coisa deste género "Benvindo ao Gmail. Um email que é do jeito e a cara do Google". Aqui, no universo brasileiro, eu crio "postagens" no blogger. As tabs do Firefox são abas - acho que é este o que mais me enoja... A preguiça, porém, é muita, e desinstalar o irmão bastardo brasileiro da raposa de fogo já me valia perder uma série de "bookmarks" (lamento Maique, gostava de ser ultra- geek como tu, mas não sou: essa é a dura realidade. Percebo alguma coisa, interesso-me, mas consigo viver nesta agonia brasileira...)]

A mudança nunca mais acaba. Por oposição, o meu anjo das arábias ainda agora chegou e já se prepara para partir (relativo, o idiota do tempo...)
O meu 10º andar sobre a Estados Unidos da América está desolador. É-me extremamente dolorosa, esta mudança.
Não sei porquê.
Não fui feliz nestas duas assoalhadas minúsculas com uma vista sublime sobre a cidade nova. Fui estupidamente miserável.
Mesmo muito.
Recordo a última noite com o Pax e a Maria, os meus cães gigantes mansinhos, que eu não hesitei em abandonar à primeira dificuldade, como o pior momento destes meus 37 metros quadrados de quem me estou a despedir.

A minha mãe no hospital, com o coração quase parado, um dia triste de chuva, eu magra, a primeira vez na vida em que eu fui magra, pálida, sem cor, excepto o negrume das olheiras, uma carrinha BMW com uma senhora baixinha e anafada, vestida de vison, no banco de trás, a garantir-me que eles iam ficar bem, que eu não chorasse que eles iam ficar bem, eu sem saber se era chuva ou eram lágrimas que caíam pelas bochechas abaixo, a Maria sentada no banco de trás e o Pax sem querer entrar, e eu a procurar no bolso do casaco de pele de antílope clarinha, sarapintado pela chuva, as 50 miligramas de sertralina, sem conseguir enfrentar a realidade sem uma droga poderosa, a carrinha a avançar e eu estática, no meio do parque de estacionamento, a tentar convencer-me que eles estavam melhores sem mim, que lhes tinha encontrado um orfanato de luxo, fiquei ali, parada, não sei quanto tempo, até que a D. Assunção me veio buscar, foi à janela, não sabe porquê, viu-me ali sozinha e veio-me buscar, não perguntou nada, nem na altura, nem depois, só me abraçou e disse-me que ia rezar muito para que eu tivesse paz nas desventuras...

Mas houve mais, muito mais momentos difíceis nestas quatro paredes. E piores até. Ou diferentes.

Ainda assim, sem nunca ter sido aqui feliz, amo a minha primeira casa, não a vou esquecer, e acredito que não tenha sido sua culpa.

Agora, preciso ser feliz com vista para a Duque de Loulé.

Adeus casa.

quarta-feira, junho 22, 2005

Rapidinha para o senhor arquitecto

Kaos,
Não sei se já te apercebeste, mas estamos a desenvolver uma relação estranha e peculiar, do melhor que se faz nas sitcoms que passam no ainda grátis canal Fox da TV Cabo.
Estou sem tempo, sem tempo nenhum para dissertar sobre o assunto. Mas abro o Gmail e tenho lá o teu comment; vou ao statcounter e faço a contabilidade das tuas visitas - o teu ip e o teu firefox 1.0 já os conheço de cor - e então é-me impensável desligar a merda do Compaq sem escrever algo para para entreter os teus olhos.
Ontem, sentada na Bica, a olhar para ti, pensei com os atilhos do meu corpete beringela: "Ali está uma das pessoas que te faz escrever bem. Diz qualquer coisa inteligente. Age como uma mulher intensa."
Não saiu nada de jeito. Não saiu nada, de todo. Para a próxima talvez...
Um beijo grande
Dia

segunda-feira, junho 20, 2005

Mudança

Não estranhem a ausência de caracteres neste blog. Ando com a casa (literalmente) às costas - 48 degraus a pique até ao meu quarto andar cheio de cachet no Marquês de Pombal (festa de inauguração na próxima semana).
Hoje, porém, fui buscar o meu Lourenço das arábias ao aeroporto (foi a primeira vez que ele me deixou fazê-lo) e até me esqueci do murro no estômago de sexta-feira - a entrevista a correr e o senhor holandês aflito, com a actual namorada psicótica (uma que eu ingenuamente ajudei nos meandros do Tribunal de Família e Menores de Lisboa) a enviar-lhe sms de calibre do além, de dez em dez minutos, e eu, boa samaritana, armada em conselheira matrimonial (cada conselho sincero saiu-me do pelo, atou-me um nó cego na garganta e no coração).
Mas, quando o Miguel, nome de código Lourenço, reaparece em Lisboa tudo é menos grave e eu juro, parece impossível esta contabilidade: não dá para acreditar que ele está há dois anos e meio longe de mim.
Hoje fomos às minhas 3+1 assoalhadas do Marquês de Pombal e disse-lhe que já podia voltar. Podia morar ali comigo e com a Carolina. Abraçámo-nos, um abraço muito forte, que teve que ser interrompido, pela ciumeira da minha filha que não deixa nenhum homem tocar-me (eu era igual com a Magui e os seus namorados).
Mais do que um amigo, mais do que um namorado, mais do que um irmão, mais do que um pai para a minha filha, ali, naquele quarto com vista para a Duque de Loulé, senti-me capaz de enfrentar qualquer batalha, e pensei de mansinho que não vou ficar destroçada outra vez.
Tem uma namorada psicótica, tem aquilo que merece.

sábado, junho 18, 2005

O texto

Escrever sobre uma pessoa que amamos, ou que, outrora, sabe-se lá porquê, desejámos com todo o nosso ser, é um exercício doloroso. Fazê-lo para milhares de leitores portugueses é angustiante.
Das duas uma: ou saía uma grande merda, ou um grande texto. Não ficou mau.

Não consigo, ainda, escrever sobre o miradouro de Santa Luzia, sobre quase meia dúzia de horas de entrevista e acerto de contas pessoal. Fica o texto.


Novos Lisboetas

Um cidadão do mundo

Na passada reencarnação talvez tenha sido caixeiro viajante...
Nesta é designer.
Andries Vring nasceu, por acaso, em Leidschendam, na Holanda, há 30 anos, filho de pai holandês e mãe lisboeta. “Por acaso”, porque, com apenas seis meses de idade, atravessou meio continente e um oceano e rumou até ao Brasil e, desde então, nunca mais parou.
Primeiro foi São Paulo, depois Salvador da Bahia e, novamente, São Paulo. Levou esta vida de “saltimbanco” nos seus cinco primeiros anos de vida, dos quais pouco se recorda, à excepção de ter sido vizinho de Vinicius de Moraes e de ali ter aprendido os primeiros rudimentos da língua de Camões e também da de Shakespeare, porque frequentava uma escola americana.
Aos seis anos, em idade de ingressar no ensino primário, volta para a Holanda, para uma cidade perto de Haia. A adaptação não é fácil. Fala “vringuês” – uma mistura de três línguas, o holandês, português e inglês. “Um dia, estava na escola, entalei um dedo e não consegui explicar à professora o que me tinha acontecido. A minha mãe levou-me ao médico, preocupada, porque eu misturava as três línguas”, recorda, entre gargalhadas e com um sotaque português perfeito.
Com 13 anos volta a mudar de país. Desta vez, para Portugal. “O meu pai sempre disse que queria voltar para Portugal, onde conheceu a minha mãe, assim que se reformasse”, explica Andy. “Fomos para Alcobaça por mera coincidência, porque conhecíamos na Holanda um casal português que era de lá e os meus pais ficaram apaixonados” pela então vila.
Mais uma vez, tem que lidar com a barreira da língua: “Falava muito pouco português. Custou-me muito a habituar”, admite Vring. Mas teve sorte. Sozinho, no corredor das salas de aula, foi interpelado, em inglês, por dois garotos da sua turma, também eles recém-chegados ao país, filhos de emigrantes portugueses. Foi amizade à primeira vista. Até hoje. Passou esse primeiro ano escolar em Portugal, o oitavo, com boas notas e sem nenhuma negativa. Como prémio, os pais ofereceram-lhe uma prancha de windsurf – uma das suas grandes paixões.
Andy Vring não sabe o que respondia quando lhe perguntavam: “O que é que queres ser quando fores grande?”. Não dizia, de certeza: “Quero ser designer”. Sempre gostou de desenhar e pintar e, por isso, no nono ano, a escolha é óbvia: segue a área de arte e design. Dois anos mais tarde, decide ser escultor e muda mais uma vez de cidade. Para as Caldas da Rainha. Mas desilude-se: “não precisava de um curso superior para o que me estavam ali a ensinar...”
Vem para a capital, pela primeira vez, com o objectivo de estudar Design, na Universidade Lusófona. Por aqui fica durante quatro anos. Mas Andy Vring tem “bichos carpinteiros” a fervilhar nos genes – acaba o curso e embarca para a Holanda, desta vez para Amesterdão, onde estuda Design industrial.
“Depois, foi mais uma sucessão de coincidências: surgiu a Internet quando eu estava a trabalhar num bar que disponibilizava acesso à Net. Eu já tinha interesse por esta área e decidi arriscar”. Andy Vring apanha, então, a euforia das empresas tecnológicas (a chamada “bolha” das “dot com”). Como a oferta de profissionais é escassa e a procura elevada, trabalha como freelancer e, também, em algumas das mais prestigiadas agências de publicidade, como a Grey e Advance Interactive.
Foram seis anos que passou em Amesterdão, de 1997 a 2003. Com um nome estabelecido no mercado e um chorudo salário, volta a sentir-se insatisfeito e com a portuguesíssima saudade herdada de sua mãe a falar mais alto. Volta para Alcobaça, em 2003, um ano que apelida de “sabático”.
Tentou estabelecer-se como designer “freelance” na zona centro, tendo trabalhado com as autarquias de Tomar, Alcobaça e elaborado o primeiro videoclip da banda Gomo, com a agência M104.
Vem, no final de 2003, para Lisboa “por necessidade”, em busca de oportunidades profissionais que não encontra na região centro. Uma professora da Lusófona dá-lhe a mão e arranja-lhe emprego numa pequena agência de design, a Terra, onde trabalha até hoje na área multimédia.
Andy Vring mora na Praça Afrânio Peixoto, junto à Avenida de Roma: “um achado em Lisboa, com um jardim enorme em frente de casa e estacionamento sempre disponível a qualquer hora do dia”. “Gosto imenso de Lisboa, da sua morfologia. É uma metrópole europeia, mas, por outro lado, é muito aconchegante, tal como Amesterdão”, diz, mais uma vez sem se conseguir definir se sente mais português ou mais holandês. No seu bilhete de identidade consta a nacionalidade holandesa e o seu porte gigante denuncia à vista desarmada as suas raízes nórdicas, mas existe em Andy Vring um enorme conflito genético de duas pátrias muito distintas: “tenho uma parte de mim muito emocional, mais portuguesa, e uma outra parte mais fria, racional e calculista, que é mais holandesa; andam constantemente em choque”, nota.
“Ando sempre a saltitar. Tenho facilidade em fazer amigos, mas desapareço com a mesma rapidez”, confessa.“Conheço meio mundo e não conheço ninguém. Não tenho raízes...”, diz, sem muito orgulho do seu destino nómada.
Se Andy Vring fosse uma estação de Metropolitano seria, de certeza, a da Cidade Universitária, onde inscrito nas paredes de azulejo está a frase do filósofo Sócrates: “Não sou ateniense nem grego, mas sim, um cidadão do mundo”. Próxima estação?...

Ideias peregrinas II

O destino é assim.
Fiquei sem imigrante à última da hora e entrevistei o Vring. Sai no Domingo. Para quem quiser ver quem é o senhor.
Estou meia zonza, sem reacção. Amanhã teorizo sobre a problemática.

quinta-feira, junho 16, 2005

Ausência

si asa um tivesse
pa voa na esse distancia
si um gazela um fosse
pa corre sem nem um cansera

anton ja na bo seio
um tava ba manche
e nunca mas ausencia
ta ser nos lema

ma so na pensamento
um ta viaja sem medo
nha liberdade um te'l
e so na nha sonho

na nha sonho mieforte
um tem bo protecao
um te so bo carinho
e bo sorriso

ai solidao to'me
sima sol sozim na ceu
sol ta brilha ma ta cega
na se clarao
sem sabe pa onde lumia
pa onde bai
ai solidao e un si e un na...

Cesária Évora & Goran Bregovic, em Emir Kusturica "Underground"


Não garanto que esteja escrito em bom criolo; foi tirado do net. Mas é das músicas mais lindas de sempre.

quarta-feira, junho 15, 2005

Ideias peregrinas

O Maique acusou-me outro dia de ter ideias peregrinas. Injustamente, parece-me, mas não vale a pena ocupar o quintal com esse assunto. Armei-me em ditadora no Gmail e, por isso, como tenho a perfeita noção quando passo dos limites (e porque adoro fazer um dramazito), renunciei ao meu mandato vitalício no reino da gmailada (é para aí a décima vez que o faço, mas, como adoro o poder, acabo sempre por voltar...)
Mas, na madrugada de hoje, durante uma insónia que durou a noite toda, estava eu deslumbrada com um anúncio idiota da TV SHOP a um cinto de sauna, e a pensar em estrangeiros de sucesso podia eu entrevistar para a nova secção politicamente correcta do Local Lisboa, ao Domingo - chamada "novos lisboetas" - , quando tive a mais peregrina das ideias. Uma que me transforma numa absoluta "idiota".
E se eu entrevistasse o Andy Vring? É estrangeiro. Vive em Lisboa há pouco tempo. Tem sucesso. Destroçou-me o coração.
Estavam reunidas todas as condições para um grande texto jornalístico.
Que tal? Proponho?

terça-feira, junho 14, 2005

Histórias da noite de Santo António

A noite do padroeiro de Lisboa foi very untypical.
Não houve manjericos, o cheiro da sardinha assada não se entranhou na roupa, cabelos e pele, música pimba nem vê-la.
Foi a minha primeira vez nos Santos, na Bica, e há momentos kodak extraordinários dessa longa noite: o rei da Chamussa, o enorme Jesus, vestido de amarelo, em cima de uma mesa numa espécie de strip-tease; o Soja-man e o inacreditável interesse do Lionel (com "i") pela conservação e restauro; o jornalista da concorrência, com corte de cabelo pseudo-moderno, que, já o sol tinha nascido, nos garantia que o jogador de futebol Pedro Barbosa é Deus; as horas que passámos sentados numa mesa a falar de fotografia (é o que dá sair com fotógrafos...); ver, finalmente, o João (que saudades); o Nuno, o cromo de camisa preta e gravata bordeaux, que se esmifrou para ganhar um cigarro (há fotos deste cromo, tiradas por um fotojornalista da Capital); eu e a Mar, a fazermos xixi numas escadinhas de beco, enfim, um espactáculo de decadência muito, muito divertido.
Aquele cujo nome não deve ser pronunciado veio à baila, eu fiquei triste por alguns minutos quando o João disse, out of the blue: "Conheci o Andy Vring; não o imaginava nada assim". Apeteceu-me dizer: "Eu também não o imaginava nada assim", mas optei pelo silêncio, estive mesmo muito silenciosa e pensativa (isso foi notado pelos ilustres foto-jornalistas bébés que me acompanhavam) e cheguei a uma conclusão - da próxima vez que alguém me começar a dar trela, a enviar mails muito simpáticos até às tantas, eu ponho tudo em pratos limpos: se é para me partir o coração, por favor, não diga coisas simpáticas, não entre em minha casa, não me beije muito perto da boca...
Será pedir muito?

Bocas da reacção - ou a história dos homens "coerentes" e "de grandes convicções"

Longe de mim transformar este blog num fórum de discussão política. Não gosto de política, sou totalmente apolítica, mas não posso deixar passar em branco a morte de dois combatentes anti-fascistas, o companheiro Vasco e o camarada Álvaro.
Mas, lamento, não vou aqui fazer uma ode maravilhosa de fazer chorar as pedras da calçada, a propósito da morte destas duas individualidades da esfera política portuguesa. Não vou falar da "coerência dos ideais" destes senhores, ou das suas "grandes convicções" - para isso, liguem a televisão em qualquer canal, sintonizem uma qualquer estação de rádio, desfolhem qualquer jornal.
Agora, os finados são uns santos. Só o director do meu pasquim teve a coragem de falar que se tratavam de potenciais ditadores de esquerda e, caramba, vou ter que lhe tirar o chapéu por ter tido a coragem, porque, fónix, até o Soares, que, a 6 de Novembro de 1975, celebrizou o "olhe que não, olhe que não", no ponto alto da resistência socialista ao PREC, só faloude "coerência e grandes convicções"...
Porque eram velhotes e fica sempre mal contar os podres dos defuntos, ainda mais quando eram uns velhotes tão simpáticos e frágeis.
Espero que o Pinochet e o Fidel Castro morram no mesmo dia. E aí, vamos ver as diferenças: aposto que o Fidel será, com certeza, um "homem coerente, de grandes convicções". O Pinochet, naturalmente, um assassino.

sexta-feira, junho 10, 2005

4000

A (T)ralha está de parabéns. Ontem, perto da meia noite, não se transformou em abóbora, mas recebeu a sua 4000ª visita.
O feliz contemplado foi o ip 212.113.169.90, um daqueles habitués deste blog, que eu não faço ideia quem seja, sabendo, porém, que acede através de Netcabo, tem um PC com Windows XP e Explorer 6.0.
Volte sempre. Esta casa também é sua.
E tu, Miguel, ainda em Linux, e com o Konqueror, deixa-me que te diga que hoje tive dois espanhóis. Que ficaram cerca de um minuteco. Nada, nada mau... ;)

quinta-feira, junho 09, 2005

666

É o número da besta.
Lá em casa, à semelhança do 25 de Abril - como já vos disse, é mais conhecido por 25 do 4 e por ter escrito a data já estou com urticária -, não se profere o número da besta. Por superstição - e nós somos supersticiosos, como tão bem reparou alguém que me envia "beijos apreciadores" e que, por isso, já tem direito a uma label só para si no meu gmail -, diz-se 665+1.
Taradices.
Não fiquei muito contente quando entrei no Mercedes e dei de caras com o 665+1 estampado no vidro da Covina.
Mas não era a primeira vez que apanhava aquele táxi e tinha até boas recordações suas - uma viagem num Merecedes bem limpinho e apresentável, com ar condicionado e um motorista que não exalava qualquer odor corporal repreensível e que me deixou sozinha com os meus pensamentos, é no silêncio dos táxis que me lembro de histórias para contar; essa viagem anterior do 665+1 foi boa, pasquim - museu da cidade, recordo-me bem, o Luís Magalhães a chatear-me o juízo para eu emigrar e os vaidosos pavões do Palácio Pimenta a desfilarem por entre uma vereadora municipal que eu ainda não percebi se tem alguma doença degenerativa do sistema nervoso central, ou se dá forte no álcool ou nos ansiolíticos.
Mas, ontem, depois da viagem matinal a bordo do 665+1, deparei-me com um sério e grave problema para a feitura do tal livro sobre os fogareiros.
É que eles são muitos. O chauffer do 665+1 do turno da manhã, não é o mesmo da tarde, e com certeza, o que atravessa a cidade de noite há-de ser outro. E, se calhar, às segundas, quartas e sextas estão escalados uns, e às terças, quintas, sábados e Domingos, outros.
O motorista do 665+1 de quarta-feira de manhã fazia juz ao número do Táxi da Retális: era uma besta!
Tinha uns lindos olhos azuis, mas era uma besta! Uma besta em plena crise de andropausa.
Mão na buzina a toda a hora, refilanços com qualquer carro que se pusesse à sua frente, disparates alto e em bom som, até que eu lhe dizer, com a minha pouca paciência matinal "ele não o consegue ouvir e eu não faço questão", a pular de uma faixa para a outra, grunhindo com os dentes semi-cerrados: "a fila para onde eu vou nunca anda".
Muita raiva acumulada; só me lembrava da história do outro taxista que o Miguel apanhou, que lhe apresentou a solução milagrosa para o stress (outro dia houve um que me ensinou uma dieta milagrosa) - comer pastilhas. Muitas pastilhas.
O 665+1 das quartas-feiras de manhã estava chumbado àadmissão do meu livro.
Próximo!

terça-feira, junho 07, 2005

31

A ideia não é minha, é do Madeira - fazer um blogue inteiramente dedicado aos taxistas da nossa praça.
Eu vou um pouco mais longe e digo-vos isto: era um livro dos diabos (e agora que nós, jornaleiros, temos todos a mania que somos artistas), modéstia à parte, texto Diana Ralha, fotos MMM, igual a best seller. De caras.
A primeira história desse livro seria sobre a Isilda, a telefonista da Retalis, que eu nunca vi na vida, mas que sabe o meu número de crédito de cor (é um número com 10 algarismos), que pergunta sempre pela Carolina, pelo David e pelo Gaudi (de acordo com a Isilda, somos os mais simpáticos jornalistas do país; já tu Madeira, que comunicas com as senhoras da Retalis através de monossílabos - crédito; viriato; miguel madeira -, nunca vens à baila), que me dá conselhos sentimentais e de puericultura, que estranha a minha ausência, que me envia sempre taxistas simpáticos.
A segunda história seria, seguramente, sobre a senhora do 31 - a enorme chauffeur de 54 anos, ex-técnica de higiene e segurança no trabalho, reformada há 12 anos da Inspecção Geral do Trabalho: "se aqueles gulutões dos ministros podem acumular reformas milionárias com vencimentos, porque é que eu não posso??? Além disso, está tudo muito bem feito com o meu patrão; não há risco de ser apanhada", garante-nos. Se o seu anterior empregador a apanha, a senhora do 31 está feita ao bife: é que ela trabalha 16 horas no seu táxi potente. Tudo por uma boa causa, claro está: para pagar os estudos à sua "tropa".
A senhora do 31 tem uma "tropa" exemplar. Fizeram um acordo estratégico da maior importância, a senhora do 31 e a sua tropa de quatro descendentes. Enquanto a "tropa" quiser estudar, a senhora do 31 pega no Táxi todos os dias à uma da tarde e só descola as mãos do volante às cinco da manhã.
A senhora do 31 tem dois filhos doutorados. Estudam nos Estados Unidos. A senhora do 31 é a mulher mais orgulhosa da sua prole que eu já conheci.
Porquê motorista de táxi?, pergunta o Cerejo, a caminho do Parque das Nações. Porque aos 42 anos, uma mulher, desempregada, ainda que com imenso currículo e experiência, está morta para a vida. "Um dia, depois de estar há muito tempo em casa, vi um anúncio no jornal, a pedir motoristas de Táxi e pensei: porque não? Sempre gostei muito de conduzir..."
A senhora do 31 é alucinada a conduzir. Ia a 180 Km/h e eu só pensava, olhando aterrorizada pela janela, para o separador central de betão daquela avenida/autoestrada que vai para a Expo: "São Cristóvão, protege-me que eu não levo cinto e esta mulher é louca, eu tenho uma filha para criar e se ela tem que fazer uma travagem brusca nem a alma se me escapa..."
O São Cristóvão ouviu as minhas preces, jantei com o professor Carmona, apanhei, no regresso, um motorista patusco numa van da Mercedes (lamentavelmente não me recordo do número do Táxi), com quem falei sobre as maravilhas da maternidade. O senhor da carrinha Mercedes recebeu, por milagre, depois de oito anos de tentativas inglórias, um anjinho, o Betinho. Em frente à rua Viriato, sacámos dos nossos telemóveis com máquinas fotográficas e mostrámos, embevecidos, os nossos filhos - o nosso passaporte para a eternidade.
Foi uma noite boa.
Quase não pensei no defunto.
Pena que o morto tenha vindo do além, hoje, ao início da tarde, assombrar-me o meu gmail.
Todos nós temos fantasmas no armário.

A minha nova colecção

Tristezas não pagam contas.
Eu tenho que me mentalizar que vou continuar a atrair gente estranha pela minha vida fora, há pessoas que nascem com karmas - este é o meu, não há nada a fazer.
Tant
pirre, agora, os habitués deste quintal é não podem ser penalizados por estes meus estados de melancolia prolongados. Ainda estou de luto carregado, mais conformada com a partida súbita do defunto mas, verdade seja dita, o look de viúva negra fica-me a matar.
Ontem resisti à tentação de comprar meia dúzia de pares de sapatos. O Mário, que já me conhece de gingeira, aconselhou-me, pelo messenger, a fazer terapia pelo consumo. Para me passar rapidinho a neura. Mas, como dinheiro é coisa que, hoje em dia, não abunda na minha conta bancária, fiquei por casa, a fazer os censos da sapatada (são 73).
Acabadinho de chegar do Ebay, está o primeiro elemento da minha nova tara - corsets, em inglês, corpetes, na língua de Camões. É um bocado kinky esta minha nova colecção, os atilhos e os ilhós, enfim, o Freud com certeza que explicava...

segunda-feira, junho 06, 2005

De luto

Estou de luto.
Não esperem encontrar nada de jeito por estas bandas. Até porque eu não posso falar da pessoa que morreu.
Sinto-me o ser mais desinteressante do mundo, o mais desprezível, a mais ridícula e inadaptada personagem de uma história de terceira categoria, logo, não vai sair nada digno de aqui estar.
Por isso, apaguei dois posts muito zangados que aqui tiveram a desonra de pousar durante o fim-de-semana.
Sou capaz de bem melhor que aquilo.

Estive quase uma hora para escrever estas linhas.

Estou a exagerar, certamente.

Pode ser que passe rapidinho.

Duvido.

sexta-feira, junho 03, 2005

Alea Jacta est

Uma revista linda, linda, reaccionária como o raio, que eu não tinha idade para ler quando ela existia, a K, tinha uma secção hilariante que se chamava "Traduções Selvagens". Alea Jacta Est surgia como "a lei é rápida como um jacto".
No primeiro dia dos três anos que perdi a estudar Latim (pelo menos encontrei recentemente alguém para trautear a primeira declinação - rosa, rosae), vomitámos à sirigaita da professora Maria Hedwiges, as frases feitas que sabíamos na língua de Virgilio e da sua Eneida - Et pluribus unum do Benfica, primus inter pares, dos maços do SG Ventil, Quo Vadis, do Cinema. Fiquei a saber, nesse dia, que a lei não é rápida como um jacto, mas sim que os dados estão lançados.
Esta frase latina, proferida por grandes imperadores romanos, é muito portuguesa, muito fatalista, muito ao género do pior faduncho lusitano.
Mas hoje, os dados estão mesmo lançados, por causa da lei que não foi rápida como um jacto (demorou, na realidade, 18 meses). A tal idiota do Tribunal de Menores, que já vos falei em posts anteriores, decidiu alterar o nome da minha filha.
Agora há o recurso até ao Constitucional, há a queixa contra o Estado português por descriminação sexual, mas os meus dados estão lançados há muito tempo - tenho sempre que ir à guerra. O pior é que a única coisa que sei fazer é guerrear.

quinta-feira, junho 02, 2005

O dia em que eu memorizei o teu número de telefone

Foi hoje.

Imagem da felicidade



quarta-feira, junho 01, 2005

Felicidade é...

Chegar a casa, estoirada, desiludida, desanimada e, num instante, os guinchinhos histéricos e o sorriso de orelha-a-orelha de uma loirita de olhos azuis e dentes de mentirosa, que me vem receber à porta de casa, apagarem tudo o que está mal no mundo, tudo o que não bate certo na minha vida.
Ponto final.