Esperança
Na casa de banho houve sempre, desde sempre, concílios familiares, epifanias, lágrimas e gargalhadas, brushings e borbulhas rebentadas no meio de conversas sérias, decisões para a vida, entre dúvidas metafísicas e mensagens codificadas nos desenhos a bolor do tecto por cima da banheira, nem sempre houve um espelho, mas nunca faltavam fitas de cetim guardadas no armário para as minhas tranças, outrora os azulejos eram brancos, depois começaram a cair e a Magui colou papel autocolante foleiro com gaivotas, a nossa vida, a nossa família, eu, o Leonardo, a Magui, e dúzias de gatos, encontrávamo-nos ali, pela manhã, parecíamos muitos nas manhãs de domingo – um na sanita, um na banheira, a outra a pentear as melenas ou a desenhar um risco de eyeliner por cima das pestanas, foi lá que o meu irmão Leonardo me queimou a bochecha esquerda com o secador de cabelo sem que nunca tenha sido castigado pelo acto vil, também foi ali que me trancaram com a gata Melissa quando a casa estava assombrada e os gatos bufavam ferozmente a seres que nenhum de nós conseguia ver, foi por cima do balde da roupa suja que eu chorei a maior parte das lágrimas da adolescência, era lá, até há muito pouco tempo que a minha mãe me secava o cabelo, cotovelo esquerdo apoiado no lavatório, rabo em cima do banco amarelo de plástico que o senhor Victor nos vendeu a preço de ruptura de stock quando fechou definitivamente as portas da sua loja de acessórios de casa de banho na João XXI, foi lá que, num Natal distante, linóleo cor-de-laranja com pequeno padrão de colmeia por debaixo dos nossos pés, olhos pregados ao janelo de vidro fosco junto à sanita, eu e o Leonardo jurámos ter visto a sombra do Pai Natal a colocar presentes por debaixo do pinheiro feito de escovilhões de plástico verde-garrafa.
Já não dá para ler o futuro no bolor do tecto por cima da banheira, até porque já não há banheira, não há linóleo com colmeias por baixo dos nossos pés, algures no subúrbio, a Magui tão cansada de escolher pavimentos, sanitários, sancas, fornos e placas, mármores e granitos, olhou para aquela e disse – quero uma igual –, e eu nem ousei dizer-lhe que tinha escolhido uma casa de banho amarela, por acaso é bem gira, apesar de amarela, lavatório à moda antiga, como em Viseu, sem papel autocolante com gaivotas a segurar os azulejos, não me espanta mesmo nada que a magia tenha acontecido ali, junto à sanita, junto ao janelo de vidro fosco onde outrora eu e o Leonardo vimos a sombra do Pai Natal a deixar presentes debaixo da árvore de Natal feita de escovilhões de plástico verde-garrafa.
Não tenho um presente para ti, João.
Não descemos à Farmácia. Com medo de mais um teste negativo em cima da mesa, da minha cara de sofrimento contido, mandíbula superior a morder o lábio e a desvendar a covinha da bochecha direita, não descemos à Farmácia, sobretudo, por vergonha, por termos uma venda suspensa há mais de quinze dias.
Com um dia de atraso, o Pai Natal chegou.
(Naquele dia, tinha que ser naquele dia, em que toda a gente tem esperança, começou a bater em mim mais um coração)
19 comentários:
em vias de ter um ataque à centro do mundo, lembro-me, a tempo, que agora és tu ainda mais o centro do mundo. parabéns amiga.
Que maravilha!Parabéns!!
Todos os beijos, lindos!!!
Estranhamente bonito...
que lindo! :-) muitos parabéns minha querida! :-))))) sorrisos muitos e tudo de há-de resolver! Gd, gd beijoo
Parabéns minha querida e parabéns ao João! Fico tão contente! Era uma coisa sonhada há já tanto tempo! Ainda bem que conseguiste! :D
A Carolina vai ter um mano ou mana! Seja como for vai adorar ter um boneco novo em casa! Vai morrer de ciúmes como todas as crianças! Sorte daqueles que nascem entre fadas, sonhos, magia, bruxos! :)
Um grande beijinho e 2008 que seja um ano muito especial para ti como promete ser! :)
Aceita os parabéns de uma ilustre desconhecida e assídua leitora destes teus pedaços de existência em forma de escrita. Muitos, muitos parabéns!! Um ano luminoso! :)
Este é um dos textos mais bonitos que já li. Parabéns por ele. E pelo bebé, claro!!!!! :)
E vês como não demorou a escrever o tal texto? Adoro-te e é um privilégio poder dizer que somos amigas, e agora: prenhas as duas!
Bj
continuo a perguntar quais são as hipóteses de nome. j tem sugestões no email.
Adorei o texto!
Achei-o maravilhoso e luminoso, como todos os pequenos tesouros devem ser!
E gosto muito deste blog que encontrei por acaso... como todas as coisas giras acontecem!
Muitos parabéns e um EXCELENTE 2008!
Bom dia confesso que nao a conheçia de todo e peço desculpa mas nao me lembro do seu nome...! Só sei que um dia destes numa viagem de Beja para o Barreiro ouvi na antena 1 uma entrevista sua pelo Pedro Rolo Duarte e fiquei encanta desede o inicio com muitas das coisas que disse...!
Iniciando pelo texto de "carolina e as luzes de Natal..!", depois pela sia historia de vida que mais não e do que a historia de muita gente por este mundo fora...! e por mim pela sua voz maravilhosa...! Sinceramente e creia-me em verdade, eu que adoro radio pois ate tenho uma radio na net, faz muito tempo que não me deliciava com uma entrevista tão interessante...! Continue a escrever pois vai lomge certamente...! Se me quiser adicionar no msn ai vai manuel_peterpan@hotmail.com e já agora um abraço para o seu felizardo marido, um beijo na carolina ( lindo nome) e um abraço deste seu novo leitor do seu blog....! E já agora bom ano de 2008...!
Por que o importante, é mesmo acredtar!!!
Feliz 2008!!!
Texto fenomenal, como sempre.
E, já agora,Bom 2008 :))
Parabéns. não só pelo texto, mas pelo bebé que há nascer lá para Agosto... Feliz Ano Novo!
Partilho memórias de muitos momentos de nós, as 3 mulheres, de uma casa sem homens realmente presentes, na casa de banho. Duas a duas, ou as 3, longas conversas, banhos, trocas de roupa, discussões, gritos e abraços. Fiz esta partilha com este texto...
Parabens! E bom ano de 2008.
UM BOM ANO 2008 e muitos parabéns. Um novo ser é sempre para festejar. Aqui também vai, outra vez, mais parabéns pela tua coragem. Um beijão grande
Que coisa nos pode maravilhar mais e sempre que a repetição desse milagre de ser-se e dar-se vida.
Muitos parabéns e muito mar para dar e amar.
Carlos
E eu não consegui conter lágrimas de contentamento (de novo) por seres esperança, por seres brilhante por nem te conhecer, e sentir que esse nascimento é fantástico, com partículas de milagre para todos nós que ainda te lemos no início queixosa, em busca... e eis agora um tanto de paraíso.
PARABÉNS!
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