sexta-feira, maio 11, 2007

Imagens como esta (escrito muito antes da passagem do furacão)

São imagens como esta (sem ponto final, sem reticências, sem exclamação)

Dito isto, houve silêncio num carro encarnado, o qual, se a inquirissem, não seria capaz de identificar qual o construtor sul-coreano ou nipónico que tinha aberto rasgado o papel de embrulho, aberto a embalagem, seguido cuidadosamente as instruções com o dedo indicador, e montado peça a peça aquele carrito Lego de brincar para gigantes.
São imagens como esta que o quê?
Pois, daí o silêncio, não sabia porque tinha dito aquilo e as palavras ficaram em suspenso, baloiçando-se ao sabor de uma curva de cotovelo à sua direita.
Já fizera menção de o dizer antes, pelas estradas ladeadas por plátanos muito antigos, cujos troncos só podiam ser abraçados por três adultos de braços bem esticados (o que mais me custa é ficar com fama de assassina de plátanos em Lisboa) e nas curvas e contra-curvas muito escuras alumiadas pelos faróis do carro encarnado, que ficaram sobressaltadas pelo rugir do motor junto às três mil e quinhentas rotações (ou assim fazia crer o ponteiro). Ou quando, ao telefone para Lisboa, confirmara que estava à beira do desemprego, e para seu consolo, única e exclusivamente para seu consolo, um milhafre se pavoneou muito perto, entre a linha do horizonte e o telhado da casa vizinha, onde gatos siameses contemplam o oceano atlântico.
São imagens como esta, que raio de desabafo, mas o que querem, esta mereceu mais um suspiro, nesta última semana, deu-lhe para os coleccionar, e esta imagem, pelo espelho retrovisor, invertida – e isto lembra-lhe um episódio longínquo em que o professor Palma Borges, num barracão pré-fabricado na preparatória Gago Coutinho, perguntou aos alunos da turma B, do oitavo ano, porque é que as ambulâncias tinham escrito ambulância ao contrário no capô, e alma nenhuma, incluindo ela, que se acha tão intelectualmente superior, soube dar a resposta certa, está ao contrário, setor, para se ler ambulância pelo espelho retrovisor, estas coisas ainda a perseguem, mais ninguém, decerto, se lembra disto, mais ninguém decerto, ficou envergonhada para a vida por não se ter lembrado da óbvia solução à adivinha, e, provavelmente, mais ninguém se lembra que havia uma Paula qualquer coisa, que lia os manuais em voz alta nas aulas com dicção de pivot televisivo –, enquadrada num espelhinho rectangular onde já descobrira alguns cabelos brancos que ficaram por tingir, era quase sobrenatural, um enorme sol laranja a deitar-se até à manhã seguinte nas águas do mar.

Nesta ilha, até as cuecas da Carolina, estendidas no quintal, me aquecem o coração.

5 comentários:

F. disse...

Força

Mary Mary disse...

Para deixar aqui um grande beijinho! Nem que eu vá dar berros por essa cidade para os jaracandás florirem mas vais conseguir ter isso! :)

Luís Filipe Rodrigues disse...

Held og Lykke

fernando lucas disse...

Quando se olha para um espelho sem saber estamos a viajar no tempo, mesmo.
A luz viaja da nossa cara para o espelho e volta para os nossos olhos e quando damos conta, estamos a ver algo que já fizemos.
Simples? Na escuridão não dá para viajar para o passado.

Carrie disse...

E posts?! Queremos posts!