O parecer e as unhas com pós de perlimpimpim
E quando a sindicalista deslumbrante pediu à sua sombra muito mais magra e muito mais loira que ele se empoleirasse no escadote centenário que veio de brinde com um apartamento pombalino em estado de semi-ruína, nada fazia prever que os astros preparavam nas seguintes 48 horas uma surpresa bem maior do que duas dezenas de vernizes de cores e feitios esquizofrénicos, guardados num baú de madeira.
Guardados religiosamente numa pequena caixa que também esconde, lá em cima, na última prateleira, a três metros de altura, ao nível da Duque de Loulé, algum cotão de mágoas; vernizes de todas as cores, com estrelas e purpurinas, verdes, azuis, amarelos, e até uma edição especial psicadélica da Dior, que reage, ou pelo menos reagia, há cinco anos atrás, à luz negra das discotecas; duas dezenas de frasquinhos de vidro guardados na secreta esperança que um dia as unhas deixassem de se esfarelar como uma rocha de talco; escondidos no baú, fechados a sete chaves, vinte vernizes malcheirosos, dos mais caros aos das lojas dos 300, à espera que um anjo pequenito me chegasse – eu não sabia, quando os tranquei, se ia ter um anjo loiro, ou um moreno –, e dissesse assim, depois do jantar: Quero pintar as unhas para ficar uma princesa.
A pequenota decidiu e a sindicalista deslumbrante pintou as unhas com pós de perlimpimpim. Unhas de fada, com brilhos de mil cores. E foi com unhas mágicas que a sindicalista deslumbrante se cruzou numa viagem de elevador silenciosa com o presidente do conselho de admiração.
Ele cortou o silêncio que se ouvia num quadradinho da marca Schindler e disse: O que é que achas?
E o que a sindicalista achava mesmo é que não o conhece de lado nenhum para o diálogo fluir na segunda pessoa do singular, e por isso cerrou os dentes quando se preparava para responder: Acho que o respeitinho é bom e eu gosto.
Na verdade, o presidente do conselho de admiração estava à rasca porque não gostava de silêncios de elevador e, seguramente, estava-se bem marimbando para a opinião da sindicalista deslumbrante sobre umas folhas de papel impressas a cor que vão estar nas bancas de todo o país a 12 de Fevereiro, desde que ela continue a trabalhar bem e barato e sem chatear muito, e era isso é que o fazia sorrir naquele cubículo vidrado – e o presidente do conselho de admiração tem dentinhos pequeninos, diga-se a despropósito.
Tenho medo, disse a deslumbrante sindicalista que mais uma vez teve vontade de picotar os pulsos porque não estava mascarada de deslumbrante, estava, na realidade com o cabelo em desalinho, mas desculpou-se rapidamente a si própria, já que nada faria supor que teria encontros imediatos de terceiro degrau com o presidente do conselho de admiração, até porque ia no elevador e não nas escadas e o terceiro degrau era do outro lado, na saída de emergência.
Tinha medo. Tinha tanto medo daquilo como de fazer um implante de silicone. É uma questão de hábito, deveria ter ela dito, teria sido a melhor resposta, e até já estava um post nesta tralha escrito sobre o assunto, rais partam que não lhe ocorreu, deve ter sido de não estar particularmente deslumbrante nessa manhã.
O senhor H. é o Ambrósio lá de cima. Coxeando até ao novo posto de trabalho da sindicalista deslumbrante perguntou-lhe baixinho: “Então? O que é que dizia a Inspecção-geral do Trabalho?”
E a sindicalista deslumbrante franziu o sobrolho e não teve tempo de dizer: “Sobre o quê?”, porque o senhor H. ficou nervoso e antecipou-se com um: “Não me digas que não recebeste?”.
A sindicalista deslumbrante gosta do senhor H. Até assumir estas lides sindicais, o contacto entre o senhor H. e a sindicalista deslumbrante era nulo, bom dia boa tarde, ah, sim, e de dois em dois anos, como manda a lei, o empregador da sindicalista deslumbrante fazia umas consultas de medicina no trabalho, e era sempre o senhor H. que as marcava, aquilo era uma fantochada, por mais que a sindicalista deslumbrante se esforçasse para chocar os médicos, eles, porém, só eram pagos para escreverem a vermelho APTO.
Não, não tinha recebido, e nunca tinha visto o senhor H. a andar tão depressa e sem mancar. Agarrou-lhe no bocal do telefone, ligou para não sei quem, onde é que está a carta da Inspecção-geral do Trabalho, seu burro, ela já não é dessa secção há mais de três anos – e nisto, a sindicalista deslumbrante maravilhada e boquiaberta com o notável conhecimento do senhor H. relativamente ao seu percurso profissional, saberia também o seu director a mesma cronologia? –, a Diana é a presidente da Comichão de Trabalhadores, é sempre a ela que têm que ser entregues todas as cartas – e com esta de ser presidente, a sindicalista deslumbrante sorriu –, e desligado o telefone, a carta registada apareceu como por magia no piso que fica acima do novo local de trabalho da deslumbrante defensora dos direitos dos trabalhadores.
A sindicalista deslumbrante sentou-se numa secretária vaga da tal secção à qual não pertencia há mais de três anos. E leu. Tremiam-lhe as mãos e ela à medida que passava folhas, olhava para as unhas de fada, pintadas a pedido do anjo loiro, e pedia em segredo um milagre. Chegou à última folha, sem ler com a devida atenção as anteriores. Leu a conclusão: “sou de parecer negativo ao despedimento de fulana, por motivo de extinção de posto de trabalho.”
A sindicalista deslumbrante chorou de alegria abraçada a uma grande repórter de olhos azuis.
Foram os anjos que no último dia do prazo legal avisaram a sindicalista deslumbrante para chamar a Inspecção-geral de Trabalho. As tais epifanias de que ela se fartava de escrever neste blogue.
Não tinha garrafa de Veuve Clicquot para brindar. Sentou-se, no final do dia, na tasca da Dona Beatriz e bebeu um whiskey oferecido pela casa (e andava a pensar candidatar a Dona Beatriz ao concurso de melhor vizinho de Portugal no programa do Goucha na TVI). Brindou e riu com a satisfação do dever cumprido, mesmo sem saber que oito horas depois seria multada injustamente por circular na faixa do Bus, na Duque de Loulé. E ingenuamente pensou que o presidente do conselho de admiração teria mais tento na língua e que pensasse duas vezes quando lhe apetecesse dizer extinção do posto de trabalho.
Era mais uma vitória, era um manguito do Zé povinho ao presidente do conselho de admiração com unhas pintadas com purpurinas de mil cores.
Por esse mundo fora, ainda havia muita gente que se limitava a dizer: É aquela que tem um cu grande.
11 comentários:
Vivam as epifanias! Bjs M.
ainda bem!parabens.sempre que leio o publico vou imediatamente ao Local ver as noticias da blogonauta mais gira da blogoesfera..
mai nada, fico mt contente por ti. e parabéns por mais um post mt mas mt bem escrito. bjs
Saudades, paz, amor e paciência.
Já estava esquecido de como isto se fazia... Será que por aqui te consigo contactar?
Um dia quando se fizer a história de mais esta refundação do Público, estas prosas serão fonte inesgotável de informação - e sorrisos.
Como é possível. Volta e meia vinha aqui ler-te, e nunca percebi o trocadilho (T)Ralha. De repente, ao ler este post, percebi que a Internet me trocou as voltas. Porque na ultima vez que estive aí, explicaste-me que ias chamar a Inspecção por causa da extinção do posto. Que bom saber que conseguiste. Talvez não seja desta que te aumentam o salário, mas... vale a pena gastar uns euros num gelado dos grandes para comemorar.
E quem é esta, perguntas tu.
Eu sou uma ex-tia! Do tempo do Carlos. Lol... Espero que adivinhes... beijo e bom Domingo
Grande! Aqui na Lezíria abriu-se uma garrafa de Veuve Clicquot imaginária.
eheheh, ohohoh!
continuo a gostar tanto de a ler, Dia. ler quem sabe sentir.
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