quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Lourenço

O Lourenço não se chama Lourenço. Foi rebaptizado a propósito de uma história do Mikel Legurra em Marrocos.
O Lourenço chama-se Miguel (como o Mikel Legurra) e entrou há pouco tempo na minha vida - nove anos, mais coisa menos coisa -, contrariando o ditado popular que diz que "De Espanha nem bom vento, nem bom casamento".
Eu podia conhecer o Miguel Briz desde sempre. Se o Big Brother existisse mesmo, se todos os passos das nossas insignificantes vidas fossem registados - numa primeira fase, em suporte analógico, e, mais recentemente, utilizando a tecnologia digital -, eu juro, tirava licença sem vencimento e passava o tempo que fosse preciso à procura, nos intermináveis arquivos poeirentos, dos momentos em que eu e o Lourenço estivemos a menos de cinco metros um do outro - no perímetro entre a pastelaria Fatucha e o Pingo Doce (na altura em que éramos miúdos era Pão de Açúcar) da Conde Sabugosa.

Não foi assim.
Conheci o Lourenço quando entrei na faculdade e não foi amor à primeira vista (tal e qual com o Mikel Legurra: podíamos ser amigos há sete anos; há sete anos que trabalhamos no mesmo pasquim, todos os dias, mas, para mim, o rapaz era uma besta).
Honestamente -ele sabe-o -, eu achei o Lourenço demasiado pedante, afectadíssimo: sopinha de massa, carro próprio aos 19 anos, conhecia meio planeta e gabava-se disso nos almoços que custavam menos de 200 paus no refeitório da Escola Superior de Educação de Benfica e nos quais a sopa sabia sempre ao mesmo, quer fosse de cenoura, ou de alho francês, ou caldo verde. O Lourenço tinha uma quinta em Palmela, ovelhas, hectares e hectares de plantação de batata (sempre que comerem uma batata da Matutano ela pode ser da quinta do Lourenço), enfim, era um grande beto e eu na altura calçava botas da tropa, não imaginava que, nem uma década depois, teria uma colecção de dezenas de "stilletos" de todas as cores e feitios imagináveis, nunca sonhei ser possível que se amontoassem no meu armário meia dúzia de botas feitas à mão da Kallisté...
O gajedo caiu todo de quatro pelo Lourenço (houve uma, a Sandra Lee Carapinha - um nome inesquecível, tal como uma miúda que fez a quarta classe comigo, a Susana Salada Caldeirão, nunca me esqueci desta, tinha uns grandes olhos verdes pestanudos -, que na festa de recepção ao caloiro, apenas uma semana depois do começo das aulas, lhe declarou o seu amor eterno...). O Lourenço não me despertou qualquer frenesim (fisguei outro Miguel, o Ângelo; a minha mãe reparou que todos os meus amigos se chamam Miguel e todos os meus namorados ou são Pedros, ou são Carlos; é uma espécie de maldição - os namorados, os amigos nem pensar, são os meus arcanjos cá na terra, os Miguéis -, ninguém ousa quebrá-la e agora que penso nisso, o Tsunami não é Carlos nem Pedro, está tudo dito...)
Nem eu nem o Lourenço conseguimos identificar quando é que nos tornámos amigos inseparáveis. Fomos contagiados por uma qualquer doença neurológica que esfumou o momento em que se deu o "clic".
No meu telemóvel, o nome do Lourenço está gravado como "Alma Gémea". Nunca tive uma discussão com o Lourenço. Nunca nos zangámos por uma qualquer idiotisse ou criancisse, nem por uns minutos sequer. Eu não me canso de dizer ao Lourenço que ele é o homem da minha vida e ele também já aceitou que eu sou a mulher da vida dele.
Eu e o Lourenço estamos noivos. Uma coisa liberal, claro, enquanto ele se demora pelas Arábias.
No próximo dia 12 faz dois anos que o Lourenço partiu para o emirado da opulência, deixando-me orfã. Nem um mês depois da sua dolorosa partida - nunca mais vi com bons olhos o aeroporto de Lisboa -, eu estava grávida.
Desde que o Lourenço se foi embora, eu só faço asneiras.

Tenho tantas saudades tuas. Ao teu lado, eu sou uma pessoa melhor. Ao teu lado eu não tenho medo de nada.
É o último ano de espera. Eu acho que vou fazer risquinhos na parede aqui do pasquim, como nos filmes e nas B.D's.

2 comentários:

Anónimo disse...

A culpa é definitivamente dos Pedros!

Anónimo disse...

A tua filha é a "asneira" mais linda que eu já vi. M.