DOR*
Eu tenho cortinados beringela nas janelas do quarto, de onde vejo uma nesga da Duque de Loulé; são reles, de polyester, translúcidos como os vestidos de cerimónia das fadas, e eu pensei, durante muito tempo, que através da escrita talvez eu pudesse contar tudo: a forma como as duas cortinas de tecido altamente inflamável (se lhes deitar fogo, elas desfaz-se numa lágrima; eu gostava de poder escrever sobre isto, também) se unem, e como dessa sobreposição se formam uns ziguezagues em tudo semelhantes ao efeito televisivo de uma camisa às riscas; o ronronar rouco do gato de 233 gramas debaixo da cama; o chocalhar do espanta-espíritos lá fora e a hera moribunda em cima da floreira de Alegrias da Casa que já não têm mais força para me dar flores todas as manhãs.
Eu pensei que tinha nascido com este nome, e que apenas por isso, grandes desígnios me esperariam pela frente, a toda a hora, sucediam-se ao longo da passadeira vermelha - que eu diria encarnada -; aliás, eu pensei que o meu destino me caía em cima da cabeça, da mesma forma que me acontecem outras coisas extrordinárias todos os dias, eu achei que era destes dedos que ia sair algo que me tornasse só um bocadinho imortal, eu pensei - aos 28 anos de idade, vejam lá - que há magia em todas as coisas inanimadas, que as árvores não são só árvores e que as casas não são só tijolos, telhas e janelas.
Se calhar, o meu destino é roubar azulejos de fachadas de prédios que têm licenças de demolição penduradas à janela. Sou, neste momento, uma mulher sem fé, a poesia provavelmente morreu, porque o Santo Expedito não quis os meus cabelos, nem a Teresinha, junto ao altar da Basílica dos Mártires, deita uma lágrima por mim, sob o olhar atónito do cónego.
*Diana Oliveira Ralha
11 comentários:
a poesia nao morreu, e também não acredito que o são expedito não queira os teus cabelos...
como? se até iludida de tal descrédito, vestes de veludo a minha serra, que neste momento é molhada, nem fria nem quente, nem verde nem castanha. Mas em breve dourada e imagina como ficará de veludo!
aposto que a fé começa a voltar. Devagarinho.
Tantas perguntas e nem um único ponto de interrogação.
Talvez amanhã alguma seja respondida.
“O homem não é uma inutilidade num mundo feito, mas o obreiro dum mundo a fazer.
Leonardo Coimbra
De facto... vivemos em tempos interessantes
Não entres tão depressa poo essa noite escura! (Deu-me mesmo vontade de parafrasear aquele escritor insuportávelmente chato). Vá.
*
E um post com o título COR?!
Foste feita para ter histórias extraordinárias e não há outro remédio senão vivê-las e contá-las...
Já que não actualizas isto com a frequência exigida pelos teus numerosos leitores, aproveito para uma exibição de intelectualidade barata.
O nome Ájax (não, não estou a falar do detergente nem do clube da bola) é uma onomatopeia de lamentos em grego. A personagem, numa peça do tio Sófocles, queixa-se de ter sido fadado para uma vida infeliz, e que já o seu nome o indicava. Aiaiaiai!!!
Eu sempre disse que a dor me ficava bem. estava escrita no meu nome. sou compincha do ajax
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