Piropos e outras massagens ao ego
Hoje ao almoço, com o rio a enquadrar os franguitos assados que jaziam coradinhos e estaladiços nos nossos pratos, o psicólogo social que eu fui entrevistar e que, por sinal, é um dos publicitários mais bem sucedidos deste pedaçito de terra do Oeste da Europa, falava-me da imensa necessidade de, quando em quando, sairmos de nós próprios e vermo-nos como nos sonhos.
Pensem num sonho qualquer.
Bom, mau, não interessa.
À noite, assim que fechamos os olhos e entramos no vale profundo dos lençóis, todos nós, sem excepção - pobres, ricos, feios, bonitos, talentosos ou bestas quadradas -, somos realizadores.
Nos sonhos, a uma média de sete a oito horas por noite - mais um dia de trabalho por cima dos nossos corpos -, enquadramos planos, misturamos cenas, coordenamos figurantes e efeitos especiais.
Nos meus sonhos há sempre banda sonora e eu diria, sem modéstia nenhuma, que sou uma excelente directora de fotografia - a luz dos meus filmes nocturnos é sempre mágica, quente, em tons de sépia.
Quem sonha é o homem dos sete instrumentos naquelas horas de suposto descanso e, geralmente, não se escapa de ser, também, o protagonista das películas de algodão doce, da qual são feitos estes filmes do inconsciente.
Mas vemo-nos sempre de fora, pela lente da câmera de oito milímetros.
Eu sonho apenas alguns sonhos com os meus olhos.
Era isto que me falava o senhor Bidarra ao almoço: da imperiosa necessidade de sabermos o que é que os outros pensam de nós.
O Ricardo inaugurou uma Moleskine de folhas de 150 gramas por metro quadrado, quando esteve lá em casa a semana passada. Fez um desenho. Retratou-me.
(é uma gaita eu estar ainda zangada com a Leica, porque gostava de tirar uma foto ao desenho e pô-lo aqui)
Gostei do que vi. Os riscos da caneta preta desenharam uma vamp de cabelos enormes e volumosos, com um vestido comprido de corte "princesa". Os saltos altos lá estavam, enormes (este fim-de-semana comprei umas sandálias Kallisté a 10 por cento do preço no abençoado Stock Market), a pose altiva também.
Sorri e fiquei espantada com o pormenor de uma das mãos: cigarro em riste, mas em pose de cardeal, quando este estende o anel para ser beijado pelos seus súbditos.
O Ricardo vê-me de uma forma bonita. Diz que eu tenho nariz empinado (nunca tinha reparado, mas o Maique concorda) muito bonito - "Gosto desse nariz empinado" - e um sorriso Nicole Kidman.
Foi o piropo mais bonito que eu alguma vez ouvi.
"Em que é que consiste o sorriso Nicole Kidman?", perguntei eu, protegida pelo Messenger. "É absolutamente devastante; a true knock out", disse ele
Enquanto escrevia estas linhas, um colega de trabalho tímido, que tem um dedo que adivinha, veio tirar um café (trabalho lado-a-lado com a ruidosa máquina, que parece ter ataques de flatulência sempre que alguém decide beber um expresso na redacção) e, enchendo-se de coragem, perguntou: "Já alguém te disse que vens sempre bonita para o trabalho?"
"Não", respondi eu, corando de imediato.
"Mas vens; estás sempre muito bonita. Destróis o preconceito de que uma mulher ou tem boa aparência ou é inteligente. E, também, que as jornalistas parecem todas uns homens. É um serviço público que nos prestas".
Sozinha, mas maravilhosa, com o ego a transbordar, lá vou eu escrever um InfelizCidades.
1 comentário:
Serviço à comunidade... dira eu! És uma fonte de inspiração. M
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