terça-feira, agosto 15, 2006

O professor de Filosofia I

A gente habitua-se a tudo, a fazer piquetes de polícia – olá, boa tarde, daqui fala a Diana Ralha, jornalista, há alguma desgraça na cidade, ou está tudo em paz, agora que a temperatura desceu, e com ela, talvez os níveis de ozono no ar, tenham voltado a níveis aceitáveis? Ahhh, coitado, acabou de chegar de férias e leva logo com uma jornalista curiosa arraçada de gato, pois, fui criada com eles, a páginas tantas, a Magui tinha mais de seis dezenas de bichanos lá em casa, passaram-me esta coisa da curiosidade, mas, olhe, aqui para nós que ninguém nos ouve, eu até largava mão da curiosidade, se eles me emprestassem umas vidas que tivessem para lá aos caídos, sem uso…Desculpe lá qualquer coisita, eu sei que somos todos uma cambata de chatos, não, não quero saber como apanhou isso com uma prostituta do Intendente, mas tenha a bondade de me auxiliar, como diz o outro ceguinho do metro, hmmm, veja lá isso, já sabe como é, vivemos de desgraças, se tiver uma boa notícia, olhe que eu também a publico… (Espera) O quê? Profanaram quatro túmulos no Cemitério dos Prazeres… (silêncio) Sim, há gente para tudo, realmente, mas, de facto, os mortos não precisam das jóias no caixão, não vão a lado nenhum, e a vida está difícil, lá isso está… –, a demorar mais de uma hora (quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos pagos, hoje, a triplicar pela entidade patronal, porque é feriado pela ascensão da nossa senhora aos céus – aleluia para ela, e que não se coíba de repetir a façanha mais umas quantas vezes ao ano e de coincidir as datas com as minhas escalas de piquete, se não der muito trabalho) a confirmar uma linha de uma notícia sem interesse, que tem que ser escrita dê lá por onde der, por razões que são perfeitos dogmas inquestionáveis. O hábito faz o monge, e já quase nem custa fazer obituários a prédios demolidos por bulldozers no coração da cidade, reconstruída pelo saudoso Marquês de Pombal (quando é que ele me reencarna para acabar com as marquises galinheiro de Lisboa? E já agora, permitam-me reproduzir aqui, uma mensagem bonita que eu encontrei na necrologia do Correio da Manhã da semana passada, de um marido que não contratou as mensagens padronizadas da Servilusa: “Já lá vão seis meses e a saudade é cada vez maior. As lágrimas são quase diárias, como quase diárias são as visitas que te faço, levando-te as flores que tanto gostavas. Até quando Deus quiser. Bonito, extremamente bonito, e eu estive quase a ir à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Alto do Lumiar, para estar presente nesta missa e, com esta mensagem, acreditei novamente que não sou louca e que não perco o meu precioso tempo, quando começo os dias, com uma vista bastante exaustiva nos classificados de toda a imprensa diária, à procura de algo belo), e até se engole – a custo, vá – o facto de um ofício interno aconselhar jornalistas a passarem a ir de metro para os serviços, porque o táxi está caro e os jornais cada vez se vendem menos (e eu ofereço quatro exemplares aos desgraçados dos transeuntes que me respondem aos inquéritos diários idiotas que são publicados na página 2 do Local Lisboa e ai de mim se o meu director sabe disto, põe-me de castigo por andar a aumentar os custos da empresa, que ideia tonta a minha, para que é que a gente quer mais quatro leitores e, para o ano, em vez de me avaliar a 90 por cento, baixa ainda mais significativamente o seu juízo, mas, também, nem faz mal, já está tudo perdido, de qualquer forma: no mapa de férias que está aqui afixado à minha esquerda – o lado onde está o coração e, por isso, dói mais, é como os pelos da perna e da axila esquerdas, manhosos, arrancam sempre mais uns gritos guturais de dor do que os da metade direita de mim –, sou a funcionária com a categoria mais baixa deste piso e, “they can’t take that away from me”, como diz uma bela canção que eu gosto de cantarolar – e este é, talvez, o momento em que eu devia calar os dedos, diria o meu paizinho blogueiro e, se calhar, a Ana Sá Lopes também, por estar a arriscar demais, mas também vos digo: antes, portava-me mal, barricava-me na casa-de-banho, e dava-me sempre bem…).
O que me dana mesmo, mesmo, aquilo a que não me vou acostumar nunca, nem que uma manada de vacas tussam e com as tosses reproduzam a nona sinfonia de Beethoven, é não me conseguir lembrar do nome do professor de Filosofia do nono ano.
(continua, há-de continuar, vamos ver onde é que isto nos vai levar...)

3 comentários:

Anónimo disse...

É bom voltar de mini-férias e ter "postas" novas para ler! ...E aposto que o teu mais que tudo não reviu o texto: "afixado há minha esquerda " > "afixado à minha esquerda". Vai lá, corrige, que ainda é cedo... Bjs,

Dia disse...

Podia ter sido insanidade temporária - estão sempre a dar-me achaques e outras coisas que tal. Mas não: a culpa é da vontade, não, digo, é de escrever os posts em Word. Uma gralha - "á esquerda" - foi substituída automaticamente por "há esquerda".
Gracias. Vou remendar.

Anónimo disse...

É o que dá quando deixamos as máquinas pensarem que são inteligentes... (só isso explica o que elas inventam para word verification... tneyo?!?!)