O vereador dos espaços verdes
Ele era o vereador dos Espaços Verdes e ela desconfiava que o til do seu apelido era uma personalização subtil para efeitos de marketing, e sempre que pensava nisto – era geralmente o Word que a punha a matutar sobre o assunto, porque insistia em não deixar que o senhor se chamasse Prôa – dava-lhe ganas de alterar o nome na carteira jornalista para Raglia, porque ela queria ser uma mama siciliana, de formas generosas e cabelos lustrosos ondulados sobre todo o comprimento das costas (para efeitos do personagem, ela queria também um rubi no anelar da mão direita e cem miligramas de silicone em cada mama).
Era quase perturbadora esta revelação, mas ela estava convicta que ele gostava de ser o vereador dos Espaços Verdes – o restolho do bolo do poder autárquico. Mas esta assunção vinha de uma alma que escrevia sobre os passeios esburacados e sobre os jardins em desalinho na rubrica do jornal de referência, cujo nome era um trocadilho linguístico fácil mas até feliz. E ela, tal como o vereador, também gostava de ser a tipa dos mil e quinhentos caracteres do InfelizCidades. Mudara ligeiramente a cidade com mil e quinhentos caracteres paginados a duas colunas em negrito. Era o seu espaço (T)ralha, mal impresso em papel que esborratava as mãos e que, pensava ela, poderia ser lido, não pelos seus cem leitores diários do Blogger, mas sim, no limite, por 35 mil pessoas por dia – que isto, já se sabe, só o Correio da Manhã é que vende 110 mil exemplares.
Sem saber, o vereador dos Espaços Verdes tornou-se uma peça fundamental da história extraordinária que se segue.
Para comemorar a Primavera, e porque ainda não estava afectado pela rinite alérgica que lhe traziam os choupos, ordenou à empresa subcontratada pela autarquia, que plantasse, na véspera de dia 21 de Março, 50 mil flores na avenida que, em tempos, foi o passeio público e que, hoje em dia, apesar dos bonitos desenhos de calçada portuguesa, tinha o epíteto da mais poluída via da cidade.
Andavam os jardineiros com o cú virado para a lua que estava quase cheia, a plantar ciclames coloridos, sob o olhar assustador do marquês e do seu leão, quando às quatro da manhã, o jardineiro chefe disse um palavrão porque só tinham trazido 49.998 vasos. Mas a aprendiz sabia que naquela noite tinham que ser mesmo cinquenta mil, por isso, dividiu dois ciclames brancos, os mais repolhudos, em quatro, e sorriu, apesar da dor nas cruzes, ao cobrir as duas últimas covas com terra húmida.
Quarenta e seis segundos depois das quatro badaladas que os carrilhões da Basílica da Estrela entoaram, fazendo guinchar os pavões do Jardim Guerra Junqueiro, a Avenida da Liberdade estava mais bonita do que com as iluminações de Natal. Nesse segundo, um homem escreveu um ponto de exclamação no seu teclado.
Era o leitor 50.000.
(Continua. Esta história é para a minha filha Carolina. Para ela acreditar em contos de fadas)
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