terça-feira, novembro 07, 2006

Árvore de Natal

Foi em Novembro, no início, depois das bruxas e do dia de todos os santos, eu sei porque nessa noite, ao luar, deitei sete gotas de cera num prato de água e a letra que me apareceu não era um P, e com a raiva, e porque eu sempre acreditei em magia, deitei a água pela janela e lamentei ter testado o nosso destino na primeira noite do penúltimo mês do último ano antes da passagem do milénio.
Lembras-te, a nossa primeira árvore de Natal, com anjos de todas as cores, de três pelo menos, eu sei que sou exagerada, perdoa, mas havia encarnados, verdes, prateados, dourados, e também havia azuis se não estou em erro, e bolas de vidro, comprei-as num saldo no Carrefour, nessa altura eu fazia alegremente o meu enxoval, a vida era tão simples quanto isso, arrastava-me, contrariada, a um curso que desprezava, trabalhava à tarde no diário de referência, um trabalho meramente maquinal, que fazia em dezassete minutos úteis e que me rendia quarenta contos, a segunda década da minha vida tinha acabado de começar, não riscava anos na parede, e a primeira peça do enxoval que comprei foi um tabuleiro e um relógio de cozinha do Marks and Spencer e depois a Magui deu-me os lençóis que ela bordou no colégio das Doroteias no Sardão, e a árvore de Natal, em Novembro, na primeira semana de Novembro, um disparate, parecíamos crianças na véspera de Natal, a um canto de uma casa vazia, sem móveis, a nossa primeira casa, que visitávamos de semana a semana só para ver as luzes a piscar, sentados no chão às escuras, e eu não sei o que te passava pela cabeça, mas eu sonhava com uma casa no campo, uma lareira, um rebanho de filhos e de cães.
Hoje é sete de Novembro. Provavelmente, há sete anos atrás, já estava no chão, contigo, a ver a árvore dos anjos, das bolas de vidro que fazem um barulho lindo quando caem no chão, e dos laços de fita de organza dourada que eu própria fiz.
Precisava de fazer hoje a árvore de Natal. Sabes, acho que perdi um amigo, o amigo, aquele que está gravado no telemóvel há dez anos como alma gémea, não sei como foi, há amigos que deixamos ir em silêncio, ainda agora o telefone tocou e eu não atendo números privados, não sei que me deu, e estive a falar ao telefone com aquele, que, outrora, foi a minha alegria no trabalho, o outro Pedro - e depois há a segunda alegria no trabalho, que também é Pedro, e que eu já estou a ver o filme todo, vamo-nos falar de ano fiscal em ano fiscal, isto, pelo menos, se ele não aprender a declarar ele próprio o seu IRS pela Internet, e Deus queira que não, ou pelo menos que se faça de parvo, que finja que não sabe -, e ainda bem que já tinha feito a árvore de Natal e que o chão já estava cheio de purpurinas vermelhas que vão andar a voar, como plumas, durante meses pelas assoalhadas tortas da minha casa centenária, a minha primeira casa, porque dois amigos, ter a revelação diante dos nossos olhos, ouvidos e de todos os outros sentidos que a distância nos levou de mansinho, sem avisar, sem chatices, ou discussões, dois amigos, é uma dor que trespassa, coisa que só deixa de arder como uma boca cheia de piripiri, com uma árvore de Natal ao pé da janela.
Quantos mais amigos vou eu perder?

7 comentários:

Anónimo disse...

Esquizo, desculpa contrariar-te, mas os verdadeiros amigos não se perdem. Ficam sempre na nossa vida. São únicos em que podemos acreditar num 'até que a vida nos separe'.

Anónimo disse...

As amizades, são como as árvores e as flores... se não forem regadas, murcham e por vezes morrem. E tu sabes melhor que ninguém como "ressuscitar" plantas moribundas. Faz o mesmo com as amizades murchas e mantém viçosas as outras.

A. Pinto Correia disse...

Concordo em pleno com o que escreveu o "anónimo"
Beijo e espero que já estejas recomposta

Anónimo disse...

como está a rapariga mais gira da blogoesfera?

[ t ] disse...

Para que a amizade convenha é preciso que vá e venha ;)
Saiu hoje no iogurte danone ao pequeno almoço eee lembrei-me de ti :) (não se tenha vergonha de fazer publicidade!!)

beijoss

MPR disse...

Muitos... é um facto da vida. A questão não tanto quantos perdes, mas quais é que consegues realmente manter...

Dia disse...

Sem prejuízo de este blogue se tornar um blogue de auto-ajuda, inspirado na xis, até que enfim que há alguém que admite que os amigos se perdem. mesmo os grandes. talvez se reencontrem. tomara. Obrigada, mpr.