quinta-feira, novembro 23, 2006

Sanchas

Isto tem que ser dito, porque vale, certamente, 50 visitas por dia neste blogue, mais de metade do total deste canto semi-moribundo, largado à mercê das ervas daninhas: há muita gente neste mundo do Blogger e da Google (que, no fundo, são um só, mãe e filho) preocupada com ‘o dia de montar a árvore de Natal’.
São todos brasileiros – o meu vizinho do restaurante Andaluz garantia-me há uma hora atrás, que o Juliano, que não sai detrás do balcão, e por quem a Carolina tem uma paixão assolapada que me permite ter discussões acesas com o meu noivo sobre o referendo do aborto, é brasileiro, mas é um moço muito bom, como já não se encontra, o que significa que, então, para o vizinho, todos os brasileiros, à excepção do Juliano, são uns malandros pagodeiros -, e é nesta casa que saceiam todas as suas dúvidas natalícias inquietantes. Encantada por poder ajudar tanto brasileiro em apuros.
E, se alguém, por exemplo, se desse ao trabalho de pesquisar no Google por ‘sanchas’, este território também será uma espécie de santuário, um reservatório de conhecimentos inúteis. Ninguém sabe o que são ‘sanchas’, à excepção da Lúcia querida, que vive lá longe nas montanhas, e quando vou, armada em porco boletreiro farejá-las ao Mercado de Alvalade Norte, tenho que dizer que procuro 'míscaros', que são cogumelos distintos das ‘sanchas’, mas só se estivesse em Viseu é que alguém saberia o que são ‘sanchas’ e, nesta cidade, tenho que falar em código e dói-me misturar alhos com bugalhos, porque 'míscaros' é uma coisa e ‘sanchas’ é outra, completamente diferente (descobre o João, outro dia, que, na Finlândia, é um prato típico e que se colhem em Agosto – a fixar, esta informação inútil, pode valer outros três ou quatro leitores ávidos de informações idiotas que não lembram ao menino Jesus).
E depois de pedinchar pelas ‘sanchas’, com a voz afectada de quem nasceu e cresceu no Bairro de Alvalade, já sei, já conheço, já vi este filme de trás para a frente e da frente para trás, qual vai ser a resposta da feirante: que a chuva as apodreceu, que em cinco quilos dois se aproveitam, que nem vê-las no MARL, que os cabrões dos franceses nos levam as 'sanchas' de cá para fora para prepararem pratos minimalistas, decorados com raminhos de cebolinho.
Ainda há o Corte Inglés, temos sempre o Corte Inglés, é mesmo a última esperança, mas as 'sanchas' vêm ao cair da castanha, já não há nada a fazer, é um acto de fé inútil, um gasto de energia escusado, e isto é muito preocupante, é mesmo muito, porque no ano passado só comemos ‘sanchas’ uma vez, e este ano parecemos grávidas rabugentas com caprichos impossíveis de atender (Ambrósio, apetecia-me algo, e bardamerda para o Ferrero Rocher, eu quero ‘sanchas’, ‘sanchasssss’), e não tarda, para o ano, talvez, terei de apanhar uma low cost, e voar até Paris para buscar o raio dos cogumelos verdes cobertos de areia, para a Magui me ensinar a lavá-los e cozinhá-los com carne de porco, chouriças e toucinho.
E isto é um pesadelo, é coisa para ataque de pânico e para respiração para dentro de um saco de papel: se a Magui morresse hoje, eu nunca mais comeria 'sanchas', da mesma forma que a Magui nunca mais comeu filhós de abóbora de forma no Natal, porque a avó Tóia não chegou a perder dez minutos e ensinar-lhe a fazer e fritar os doces de Natal (claro que, em matéria de ensinamentos, já decidi que vai ser a Dona Beatriz, do tasco aqui de baixo, que me vai ensinar a fazer rosetas de crochet, porque com a Magui é mesmo impossível, tenho a autoestima em baixo, peso quase oitenta quilos, e a educadora da minha filha mandou uma ficha a dizer que a minha loira não tem o domínio da língua portuguesa que seria desejável para a idade, portanto, não suporto a rejeição de não conseguir aprender por artes mágicas – porque ela não ensina, limita-se a executar a velocidade suprasónica à frente dos meus olhos – a fazer rosetas de crochet; e aqui para nós que ninguém nos ouve, não sei porque me dou ao trabalho: as crianças chinesas têm imenso jeito e vendem-se rosetas de todas as cores nas lojas chinesas a um euro cada dez).
As coisas perturbadoras não param por aqui. Nem sei bem por onde começar. A Polícia Municipal de Lisboa rebocou o meu carro, que estava estacionado em frente a uma garagem abandonada e, por isso, estou 120 euros mais pobre. E, também, pela mesma razão, e porque ainda falta uma semana para o dia de São Receber, amanhã já não vou à despedida de solteira da Joana e, calma, calma que isto ainda piora, não posso comprar um vestido novo, nem ir ao cabeleireiro para chegar mais ou menos deslumbrante à boda da minha querida amiga.
Amanhã, não sou gaja, não sou nada, se não tratar, dois anos depois do que seria previsto e lúcido, do selo de residente do Marquês de Pombal, na EMEL, lá para o lado da rua dos Douradores.
Mas, de vez em quando, volto ao Statcounter, não tal febrilmente como nos dias em que escrevia 1,3 posts por dia, com uma extensão mínima de oito mil caracteres e, assim, descubro que sou a primeira dos links de um blogue coqueluche de esquerda (continuo a não linkar ninguém; continuo a achar que é o low profile que me impede do despedimento por justa causa), e que, noutro, de direita, também estou na molhada de blogs que para lá estão pregados com cuspo. Pela parte que me toca, os links aqui apresentados à direita estão todos ou quase todos semi-mortos, mas vossemecês não perdiam nada se dessem um pulo ao novo blogue do Telescópio .
À noite, porém, apesar de já ter ultrapassado a ‘ressaca’, e de te aprendido que mais vale viver do que escrever, continuo a sonhar com templates. Hoje sonhei com um bem branquinho, onde as palavras se encavalitavam em linhas tortas, desenhadas em Garamond.
O mundo é um local injusto, a sério que é, e não me lembro nada de ter escrito neste quintal que corria na máquina do café que o meu chefe era 'roto', mas tenho, na outra janela, atrás desta, 250 páginas de (t)ralha para cortar para metade, são mais ou menos dois anos de abismo, e quase já não me lembrava que tinha escrito tanta merda, o preocupante é que me parece tudo mau, ou sofrível, pois parece, e para além de despedida, vou ser, também, deserdada, mas, talvez, em Garamond fique mais apresentável e com uma capa bonitita talvez venda mais do que cem exemplares.
Corro para o meu sono de beleza. Amanhã, é bem provável, que seja ainda um dia bem pior que este. Menos mal, porém, pagam-me amanhã para escrever sobre as luzes de Natal.

6 comentários:

AnadoCastelo disse...

Aprender até morrer. Não fazia a mínima ideia do que eram sanchas, nem nunca as provei. Vou investigar melhor.
Bjs

Anónimo disse...

és bonita Dia. Bonita de verdade.
(é escusado dizer (porque o faço então?) que a beleza de que te falo vem sobretudo da alma. De dentro.)

Isa disse...

os blogs aí da lista do lado n estão nada mortos e tu não escreves merda, nem sofrível. tem juízo mulher e escreve, o que te apetecer. bjs mil

Leonardo Ralha disse...

Eu tenho mais sorte, sista. Na maioria das ocasiões aquilo que me pareceu sofrível ou meramente "profissional" aquando da escrita soa-me bastante melhor à distância de uns meses ou anos.
Mas é inegável que há muitos textos no teu berloque de elevada qualidade. Talvez seja melhor pedires ajuda ao João ou a quem esteja por perto na altura de fazer a selecção...

P.S. - Quanto aos comentários da professora da loura, convenhamos que ela não parece a pessoa mais pedagógica do mundo...

Goiaoia disse...

A incrível, ampla e dinâmica, capacidade comunicacional da Loura escapa a muito boa e má gente.

Garanto, porém (!!), que, já desde muito antes de começar a arranhar e a esgrimir os seus ainda parcos rudimentos de português, pois, que Dominava com dê grande a sua própria lingua e, não só, imensas outras desconhecidas da generalidade das pessoas crescidas.
Palavra de Honra. Já ouvi muita coisa, mas
a capacidade, intensidade e expressividade - em todos os sentidos literais da palavra - com que a Loura estabelecia comunicação conosco é coisa de pasmar. Nunca ouvi... nunca ouvi palrar mais delicioso-maravilhoso!
ela... palrava mais no sentido de passarinho do que propriamente o típico balbuciar dos bébés.

É portanto natural e de prever esta (aparente) preguiça. Desculpa lá que o diga. A Loura, em termos cognitivos, está uma beca bastante mais à frente. O que, eventualmente, pode originar descompensações... É a velha estória da manta curta.

O filho de um casal de diferentes nacionalidades que, já à bué d'anos, nasceu no algarve... pois, num disse pio durante três anos. Comtudo (e num é gralha) quando - com confiança - começou a falar dominava e destinguia perfeitamente as três linguas com que convivia diariamente.

As pessoas têm os seus tempos.

O resto são excitações urbanologistas. Pânicos estatísticos dos cientistas sociais. D'uns "deves e haveres" que nem sequer nivelam por baixo. Nivelam a meio... como s'issso tivesse alguma coisa àver.

Onde é que ía...? Num te rales pois. (para além do domínio das linguagens feéricas) A loura tem muitos outros talentos.

ainda a propósito deste teu poste:
Fica desde já sabendo que, e após estas prolongadas ausências) amando-me logo por aí a baixo e começo pelo último disponivel. É que... costuma mesmo valer a pena acompanhar o desenvolvimento linear do desenvolvimento cronológico das narrativas. E hoje já num saio daqui. está tudo lixado. Este poste é soberbo.

vou tentar ler mais muita coisa

Anónimo disse...

Algures num Reino Maravilhoso, para lá dos 7 rios e para lá das 7 montanhas, vós encontrareis esse precioso tesouro de que falais: As Sanchas, que não são infantas medievais, mas sim alimentos divinais... que nos prodigalizam os pinhais, soutos e carvalhais! Ora vede: http://descobrirtorredemoncorvo.blogspot.com/
... e vinde!

Cá vos esperamos, bichos do betão que nunca vistes o alecrim (o verdadeiro, o do monte!)