Amor no Satu
As ideias mais extraordinárias ocorrem-me:
1) Quando estou a tomar banho (agora nem tanto, porque a banheira tornou-se pequena, ainda mais pequena que o seu metro e dez de comprimento real, para grandes ideias);
2) Nas escassas fracções de segundo imediatamente antes de tropeçar no primeiro sono da noite (é quando eu sonho mais, complexas narrativas e aventuras começam, desenvolvem-se e acabam em menos de cinco minutos; já o comprovei, com o relógio do Nokia jurássico, e esqueço-me sempre de dormir com um caderno à cabeceira, para materializar o algodão doce dos sonhos em linhas tortas no papel, escritas às escuras, antes que se esfumem nos caracóis dourados da minha mioleira);
3) Com os éteres destilados algumas espécies vegetais (nunca fico em condições para escrever as ideias vaporosas dos éteres, mas lamento sempre, mais uma vez, a ausência de uma folha de papel e caneta pousados, à mão de semear, na mesa de cabeceira);
4) Na janela do Talk, do Gmail, ou do Blogger.
E se o amor não acontecesse só na improbabilidade, mas, também, no meio da fealdade?
Eu gostava que ele te aparecesse na curta viagem do Satu. Uma igual a tantas outras, de manhã bem cedo, com os olhos ainda inchados da noite mal dormida, e os cabelos húmidos e rebeldes a encaracolarem ao sabor do sereno da manhã. Assim, o mamarracho de Oeiras, que liga não sei o quê, a não sei que mais, teria cumprido o seu objectivo.
O pobre Satu, que ninguém utiliza, “só tu” (perceberam a piada? O trocadilho? Não é da minha autoria… é de um menino da catequese da minha madrinha com nome de santa e de rosa), vive uma existência triste, é mal-amado e vilipendiado por todos os que se arrepiam com a sua imponente estrutura de betão. Que é caro, escusado, que é feio como o raio, que polui mais do que uma fábrica na Cimpor colada ao Oeiras Shopping. O pobrezito lá se anima quando eu lhe gabo a existência. O Satu é a minha estrela do Norte, seguindo-o eu sei que vou ter a casa da madrinha, é só seguir o mamarracho, não tem nada que enganar – devia haver Satus por todo o lado, assim já não precisava do GPS para nada, só para andar à caça de tesouros (e que tal esconder um tesouro no Satu, Maria Teresa? E registar as suas coordenadas no geocaching.pt? Lá estou eu com ideias extraordinárias outra vez, isto hoje está demais, e não devia ser assim, num dia em que me volta a apetecer picotar os pulsos e praticar actos de contorcionismo para caber num caixote de mudanças que me leve uns metros mais abaixo, da rua Viriato, para a avenida da Liberdade, mas esta patologia que me afectou hoje, e vai continuar a abalar o meu sistema imunitário nos próximos dias, merecerá honras de post, por mais que isso vá chatear o visado, que não gosta de dramalhões, mas eu assinalei neste blogue, há coisa de um ano, a sua chegada, por isso, terei que assinalar, com bastantes mais caracteres, é certo, a sua saída, num texto que espero que saia bonito, plantado com carinho e com afecto neste quintal).
Se Deus estiver a dormir e a câmara de Lisboa continuar entregue às urtigas, vai nascer na Fontes Pereira de Melo, mesmo em frente ao Sheraton, o edifício mais alto de Lisboa, 105 metros de altura, da autoria do catalão Ricardo Bofill. Nessa fracção de terreno, mesmo ao lado de um prémio Valmor com dois andares, ainda mora, em estado de coma profundo, um edifício a cair aos bocados onde, conta-me a Magui, em tempos, existia um hotel, onde o meu avô Oliveira ficava hospedado quando vinha aos “saldos” comprar prédios nas avenidas novas de Lisboa.
Uma única satisfação me enche o coração com o projecto da torre Compave. Não, aliás, duas: o mamarracho do Sheraton ganha um amigo, fica menos sozinho na sua imponência e fealdade, um irmão mais novo mas mais alto, com adubo nos pés, e, talvez, então, seguindo a minha lógica do Satu, o amor brote a torto e a direito, ao longo dos 105 metros de altura do arranha-céus (quando eu era pequena, imaginava o céu de Nova Iorque cheio de Hansaplast, daqueles para crianças, com bonequinhos).
Quem sabe se duas almas não se encontram na longa viagem de elevador, do rés-do-chão, até ao 22º andar, e, com vista soberba para a fábrica amarelinha dos bebés de São Sebastião da Pedreira, para o restaurante do Sheraton e para a outra margem, se apaixonem com uma seta de um cupido feio mas doce, escondido por uma verruga no nariz. Quem sabe se isso, depois, não se repete 105 vezes num ano?
É uma bela ideia, é uma imagem deliciosa e só por isso, hoje não vou suspirar muito quando passar pelas marquises de Alvalade e São João de Brito.
10 comentários:
Eu não sei porque é que este post está todo desformatado e com vários tipos de letras. Mas não consigo hegemonizar esta gaita. Podia ser pior, podia estar escrito a Times New Roman ahahahahahhaha talvez o amor na caixa dos comentários brotasse então com a fonte mais feia do mundo... weeeeeee Mas, para isso, era preciso que alguém comentasse. Estou armada em Trafuncas, a comentar os meus próprios posts. Muito bom!
Ai, ai, ai, ai o amor nunca é feio. Mas o tal encontro de duas almas no elevador, ahahah eleva qualquer um. E ainda mais 22 vezes? ou será minutos, ou segundos?
Bjs
A (T)ralha voltou. É outra vez a mesma escrita. Nem sei porquê acho isto, mas acho mesmo, por isso comento. Se calhar porque me parece novamente que este post também é para mim. Isto é, que é para todos os passantes e não uma carta sem sêlo (sem sê-la).
Se calhar é só impressão minha e não tem significado nenhum especial
Que poste genial, que poste genial, que poste genial!
Vou reler outra vez, só pelo prazer.
p.s. visitante n.º 78.888
(e por acaso reparei que, no início do poste, a fonte era diferente. E num queres ver que gostei?)
Não passses.
Do mais original que vi por todos os blogs matinais de passagem obrigatória... Dia desta vez superaste-te, vamos todos acreditar que é intencional!
Sinto-me nua. Vou só ali mudar de casa! (ahahah)
Maria Teresa!
Um edifício de 105 metros não é um arranha-céus. Para ser considerado arranha-céus tem de ter pelos menos 150 metros. Em Portugal não existe nenhum edifício que possa ser considerado arranha-céus. A torre Compave é ligeiramente mais alta que o Sheraton que tem 96 m, e é bastante mais interessante. Neste link encontram-se imagens dos principais projectos previstos para Lisboa, incluindo o Compave: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=380737
O SATU e a sua implementação têm sido tudo menos pacíficos. As vantagens a ele inerentes não evitaram a formulação de críticas e processos judiciais por parte dos moradores do bairro da tapada do mocho, reportadas ao ruído por este emitido, bem como pelo facto de a linha do SATU estar junto a janelas, rente a edifícios de habitação preexistentes, sombra criada sobre os edifícios e perda de vistas para o mar, destruição de espaços verdes e praga de pombos que usam a estação como refúgio, tratando-se ainda de um meio de transporte sem utilizadores, sendo já conhecido como 'comboio-fantasma'. A isso juntam-se também os protestos dos vereadores da oposição pelos elevados custos de manutenção aliados às baixas taxas de ocupação.
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