segunda-feira, janeiro 10, 2005

Tsunami

[Marimbei para a subtileza e para a discrição; tenho esta história para contar]

Na parede do escritório do meu avô Oliveira, em Viseu, está uma plaquinha antiga, escrita em francês, com um tipo de letra arte nova (se é que isso existe; é uma fonte esguia, elegante, sem serifa), que informa os mais distraídos que por ali passem do seguinte: “Aide toi et le ciel t’aidera”.

Este mote – que eu não faço ideia se foi ele que mandou gravar, suponho que sim, morreu cedo demais para me contar esses detalhes – é a vida do meu avô Oliveira resumida em sete palavras.

Este mote persegue-me.

Penso nele amiúde, apesar de não ir a Viseu há muito muito tempo, apesar de o meu avô Oliveira me ter explicado o que é que aquela plaquinha queria realmente dizer quando eu tinha pouco mais de seis anos.

Este é o mote dos resilientes. A palavra resiliente, parece-me, não existe em português (o dicionário do Word acaba de a sublinhar a encarnado). Pelo simples facto de ter perdido três anos a estudar Latim, sei que deriva do verbo resilio, que quer dizer retirar-se sobre si próprio. Na Física e na Engenharia, o termo utiliza-se com frequência. A resiliência de um material mede-se pela capacidade máxima de este absorver energia sem sofrer deformações permanentes.

Trocado por miúdos (e consigo fazer este exercício de síntese depois de me ter dado ao trabalho de ler, ainda que muito por alto, um artigo científico da minha querida tia, professora Doutora Helena Ralha Simões, na obra “Resiliência e educação”), em Psicologia, um indivíduo resiliente é um ser extraordinário que, contra todas as expectativas, contra a vontade dos astros, dos Deuses e das circunstâncias mais adversas, altera o seu fado, o seu destino, supera todas as expectativas e vence, destaca-se.
Não por vontade divina. Os Deuses estão-se nas tintas para quem aceita a sua condição, mas estão disponíveis vinte e quatro horas por dia para apoiar quem se decide rebelar - o povo diz, na sua imensa sabedoria, que estas pessoas nasceram “com o cú virado para a lua”.

É isto que quer dizer a plaquinha na parede do escritório do meu avô Oliveira, em Viseu.

Mas, há vinte anos atrás, ele explicou-me a coisa de uma forma muito mais simples. Disse-me que se eu desejar muito uma coisa, qualquer coisa que seja, se a desejar com todo o meu ser e, se fizer tudo o que estiver ao meu alcance para a conseguir, ainda que pareça que nada vai adiantar, que é escusado, não há que duvidar, não tem que haver receios: está no papo!.

Eu hoje desejei tanto tanto tanto encontrar uma pessoa - uma pessoa que entrou dentro da minha vida como um tsunami, de repente, sem aviso, com uma força quase sobrenatural – que, bastou-me olhar pelo retrovisor do meu Idea para ter a certeza que tinha valido a pena seguir o instinto e feito um caminho para casa muito mais longo e ilógico.

Os Deuses deram um empurrão: fizeram-me ter um micro-acidente de manhã, para ao invés de passar a tarde mascarada de “fada do lar”, ir espantar a neura para junto de um querido amigo.

Os Deuses ajudaram porque eu comecei a ajudar-me.

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