O mistério das orquídeas amputadas
E, da mesma maneira que escrevo posts em sonhos, a botânica também me vem visitar ao vale dos lençóis.
Preocupada com o mistério da floração amputada da orquídea branca que está à janela (Phalaenopsis de sua graça), cujos quatro botões abriram sem o labelo, sento-me na tábua do chão que está meia podre mas disfarçada por duas camadas de verniz semi-brilhante, e fico parva e em silêncio a olhar para as flores. Três botões abertos. Três pétalas muito brancas em cada um. Nada do meio. Este meio aqui da foto. Devia ter no chão do quarto, junto à janela, um cacho de flores idêntico a este. Igualzinho a este.
Dou festas às folhas e aos botões minúsculos, do tamanho de um feijão-frade, da orquídea rosa que está no vaso ao lado das estranhas flores brancas – esta é a planta que, em tempos me salvou, e que, entretanto, decidiu amuar e ficar dois anos sem uma flor cor-de-rosa para amostra – e, desconfio, irá abrir o primeiro botão quando eu estiver em São Miguel. Só para me chatear.
As orquídeas, descubro agora, no Google, seis anos após ter começado a coleccioná-las, são flores hermafroditas, portanto, não tenho uma orquídea gay (menos mal), estão apenas incompletas, tipo fenómeno do Entroncamento, suponho que as orquídeas de Chernobyl também hão-de ser estranhas e amputadas, às minhas falta-lhes a parte mais bonita, mas ainda assim, agradeço, como sempre, a sua vinda, ainda que com três meses de atraso face ao calendário que me habituaram a fazer a sua visita anual.
Foi em sonhos que me veio o problema. Quem me trata das plantas que estão à janela durante a estada nos Açores? As plantas são como os leitores do blogue. Como filhos. Ainda bem que este cérebro não pára (depois, é claro, com tanta coisa na cabeça, esqueço-me dos almoços combinados com os amigos, e de tomar os medicamentos, e de marcar os exames à tiróide e, também, a fisioterapia que sei que não vai valer de nada, que é o meu destino ficar com duas costurinhas de vinte centímetros em cada joelho). E ainda bem que o ex-marido é um santo que, para além de ser babysitter ainda arranjará tempo para tratar da estufa de Santa Marta durante a minha ausência.
Para além de batatas, quero trazer flores dos Açores, ocorre-me também agora.
Este post não tem muito nexo. O jornal, assim como o país, parou por causa do Mundial, ainda há pouco falava ao telefone com uma fonte, uma historieta de barracas e esquerdalhos, e direito constitucional à habitação (será que poderei invocar o artigo 65º da CRP ao Barclays, quando chego ao dia 22 sem um cêntimo?), e a meio da conversa tive que levar com um GOOOOLOOOOOO!!!!! cantado em coro pela redacção que se concentrou em frente a dois televisores (um dos quais, aqui mesmo ao meu lado).
Ah, a quem possa interessar, sim, o encontro com a sogra correu lindamente. Uma pequeníssima urticária apoderou-se de mim, na mão direita, ao estacionar o carro, mas diluiu-se na epiderme quando entrava no número 56. Juro que não diluí três Valdisperts no biberão da minha filha, mas ela quis subir sozinha os 130 degraus, e só disse dois ou três nãos, beijou duas vezes o pelo lustroso do gato laranja (o único que teve direito a essa honra), andou a correr civilizadamente pelo corredor de treze metros de comprimento, comeu o jantarinho todo, tirou braços e cabeças a bonequinhos da Lego em conluio com a senhora sogrinha, deitou-se no sofá com o meu cunhadinho pré-adolescente e, para terminar em grande, ainda deu um concerto privado de piano. O seu primeiro. Em casa da Cecília. Muito apropriado.
2 comentários:
Linda menina...
Coisa curiosa.
Tenho estado acompanhado por um arranjo floral que entre as suas combinações contava com diversas orquídias. Algumas acabaram por cair. E depois... foi como insectos: morrendo, foram-se encolhendo sobre sí próprias. Como uma traça, como uma libélula se encolhe e murcha.
[Isto num é para ser triste. É a vida! (Sem Outono num há Primavera. Todos os anos um novo milagre.)]
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