domingo, junho 25, 2006

Que a poesia (não) morreu

Que a poesia morreu.
Colada ao vidro da porta de alumínio branco do prédio gigante da Estados Unidos que um dia vai ser meu – e quando for meu, este e os outros, as coisas piam diferente, mas eu só quero que sejam meus daqui a muitos anos, quero que a Magui morra de velha, muito velha, resmungona, insuportável mesmo, baixinha da escoliose que lhe verga as costas e rouba centímetros aos 1,65 metros mentirosos do bilhete de identidade, documento com a foto manhosa, tirada à pressa no metro, que lhe teima em lembrar que já tem menos onze centímetros do que quando se casou e alterou o “SOL” por “CAS”, quero que a minha mãe feche os olhos azuis acinzentados com o rosto rosado bordado de rugas fundas; mas quando for meu, meu e do meu irmão, largo a feitura das notícias (largarei antes?) e vou aprender a tocar piano; imagina só (será que os dedos ainda vão a tempo de aprender?), palavras e notas à roda na cabeça, prestes a explodir como uma pipoca em óleo fervente… eu nem posso pensar nessa eventualidade, porque é difícil de me conter –, oiço-te a dizer que não há poesia. Não há mais poesia. Nem nas coisas pequenas.
E estou tão perto do vidro que o embacio com a respiração acelerada, da boca não sai mais nada senão o bafo da respiração, e ainda bem que não saem palavras, que não sei o que dizer, que não sai mais nada, porque tenho o coração na boca, e ele ainda me fugia para as mãos, e eu não tenho mais mãos para o agarrar, porque a mão esquerda agarra com força o telefone barato finlandês, de onde me chega a tua voz triste, e, a custo, porque a poesia não pode ter morrido, a mão direita, que também agarra a chave do carro, para que, a qualquer instante, eu quebre o quase beijo que dou ao vidro da porta, e saia lançada assim que me dês as tuas coordenadas, a mão segura a chave do Fiat e quer voltar depressa para a ignição do carro que está estacionado em cima do passeio, para eu te tirar dessa casa de águas frias onde vives, mas a poesia não morreu, não aceito isso, e com a mão direita, a que também quer puxar as mudanças do carro a altas rotações para te ir buscar, essa mesma mão desenha, no embaciado do vidro da porta de alumínio branca da Estados Unidos, um coração.
Que a poesia morreu.
Que nem os verdilhões, que já comem a papa que preparas com amor, com um fiozinho de água que cai da torneira da cozinha, já a comem directamente da colher de café, e não da seringa, de onde a enfiavas goela abaixo, quando os recolheste da rua e de uma morte certa, e zelaste hora a hora, como uma mãe galinha, nem eles têm uma pinga de beleza para amostra.
Que te orientas, que acabas sempre por te orientar. Nem que seja à custa de o repetires em voz alta tantas vezes.
A poesia não morreu.

7 comentários:

MPR disse...

... aqui encontro diáriamente a prova.

Anónimo disse...

Caramba! Quase perdi o fôlego. Mas fiquei a pensar na tua poesia.
Se existir por aí um sorriso, a coisa torna-se séria...

toupeira disse...

claro que a poesia não morreu, credo, que ideia tão assustadora!

há coisas que não acabam nunca, que não dependem de decisão superior ou palavras ou folhas de papel. enquanto houver vidros a embaciar, ou árvores com folhas ou só galhos secos, ou um gato a correr para apanhar um pássaro ou alguém decidido a desafinar um piano ou...
antes de morrer a poesia morre o mundo muito muito seco.

AnadoCastelo disse...

A poesia não morre nem pode morrer. Ainda queres mais poesia do que existe neste teu texto?
Bejos

Goiaoia disse...

aiaiai mais à porra do pinga-amor. Há terceira apanhas. Ou será que é na Madeira? Açores? ...tanto faz. Get the picture? ou queres que te faça cócegas. Além do mais, e não desfazendo, num é nada disso.E agora até te explicava do que é que se trata, só que num me apetece. Mais. Andas a ser injusta e já é a segunda e de seguida, sem variar com sinónimos nem nada. aiaiai

Dia disse...

Olha que tive que pensar muito para chegar À conclusão do que falavas! Guerra dos comments, com contra comments, weeeeee!!!!
Ó mori, num digo mais nada. Pinga-amores é bom. Eu também sou!

da. disse...

Obrigado por tudo Diana. Obrigado por tudo. Nunca me esquecerei de ti. eu repito baixinho as tuas palavras. e só posso dizer. que me salvaste. que me salvaste. que me salvaste.