segunda-feira, outubro 31, 2005

Família - um post que ganhou inesperada vida própria

O meu irmão mais velho fez 33 anos, 33 - um número mágico, e no jantar de família, no chinês que nos alimenta há mais de um quarto de século, éramos cinco - eu, a jovem Ralha, a mama siciliana-beirã, o aniversariante e a minha cunhadinha dos cabelos lindos e encaracolados.
Cinco.
A Carolina brinca com os bébés chineses de nomes próprios bem portugueses e uma bicha heterossexual (aprendi esta expressão hoje no cubículo onde os fumadores ostensivos desta redacção estão confinados a cultivar em estufa o seu cancro no pulmão; aplica-se a indivíduos do sexo masculino efeminados tipo Cláudio Ramos - um esécime não identificado que é bem capaz de ter a esposa e filha de fachada mais feias de Portugal) fica incomodada pela alegria contagiante das crianças que correm entre as mesas do restaurante, e pede silêncio na sala. Eu espanco-o com o meu olhar, gosto de fixar os meus olhos nos olhos de quem não gosto, cronometro silenciosamente, para dentro, quantos segundos levam os meus inimigos até começarem a sentir-se incomodados, violados, geralmente chegam aos dez (Qui Qui, temos que ir jogar ao sério na Bicaense, lembrei-me agora), não mais, e, cobardemente, desviam o olhar para baixo.
A bichinha nem coisa de cinco segundos aguentou, é um rapaz bem bonito. a bicha, menos um, está acompanhado de outros dois com um ar mais másculo e que se envergonharam da cena troglodita que o homem de pele de bébé e cabelos aloirados impecavelmente cortados e tratados fez, ao censurar o riso de três crianças - uma loira e duas chinesinhas (não devia ser crime, impedir uma criança de rir à gargalhada?)

Cinco. Tantos quanto os dedos das mãos que escrevem estas linhas.

Eu tinha-a visto quando entrámos.
Vinha ainda quase cega pela visão de uma pessoa do meu sangue, que é mais que irmão, é quase metade de mim, a chorar num elevador velho de madeira de um prédio de dez andares, abraçado com força ao meu peito, a dizer-me ao ouvido "não há saída", mas apesar de transtornada, pálida, e vestida dos pés à cabeça de preto, tenho memória de elefante, memória à prova de bala, e se bem que nunca me dei ao trabalho de reter o nome dela, olho-lhe para a tromba cínica e sei que mora com os pais e com a irmã mais nova no rés-do-chão em frente à escola onde aprendi a ler e a escrever, a sala cinco, que tinha um quadro preto e amanteigado de ardósia, e no estrado uma velhinha de cabelos cinzentos chumbo que pintava os olhos de sombra verde-velha, a senhora professora Gertrudes Maria.
Eu lembrava-me ainda dela dela, vi-a e accionei o "search files" do meu cérebro assim que abri a porta asquerosa de alumínio do restaurante - e o Hua Sheng já não tem o a tela electrónica, junto à mesa redonda do fundo, com cascatas de água e vegetação luxuriante; agora tem um plasma que passa filmes chineses legendados com bonitos caracteres, e às vezes também põem o Festival da Canção lá do sítio -, bastou um segundo, aquela é a ex-namorada do Elvis, o Elvis que se chamava Nuno, que vestia blusão de cabedal preto e no cabelo empolava, com gel, uma poupa à rei do Rock, o Elvis que era o guitarrista da minha banda, da banda que ensaiava no Ramiro José.
Eu não lhe disse boa noite, na mesa não está o Elvis, mas está um tipo do mesmo género, é estranho como o miúdo que me convidou a cantar a Vaca de Fogo nas escadaria do Liceu, que me chama "Madredeusa", o tipo é mais feio que o Elvis, provavelmente menos talentoso, o Nuno Elvis não era da minha turma, estava na área de Economia e eu tinha escolhido Música, mas o Elvis soube que eu cantava bem e, num intervalo, num corredor do Rainha, convidou-me para ser vocalista de uma banda.
E eu aceitei. O Gonçalo era o mais talentoso de todos nós, tocava Bach, na guitarra clássica. Pediu-me para eu aprender o Bad Wisdom da Suzanne Vega, era um betinho, um tótó, um nerd, nunca mais o vi, mora ao pé do Santo António, quase que aposto que é economista do Banco de Portugal, não sei como é que ele gostava tanto daquela música que ainda hoje, nos dias mais difíceis, trauteio:

Mother, the doctor knows something is wrong
Cause my body has strange information
He's looked in my eyes and knows I'm not a child
But he doesn't dare ask the right question

Mother, my friends are no longer my friends
And the games we once played have no meaning
I've gone serious and shy and they can't figure why
So they've left me to my own daydreaming

Mother, you've taught me the laws are so fine
If I'm good that I will be protected
I've fallen through the crack and there's no getting back
And I'll never trust whoever gets elected

Mother, your eyes have gone suddenly cold
And it wasn't what I was expecting
Once I did think that I'd find comfort there
And instead you've gone hard and suspecting

Mother, I'm cut at the root like a weed
Cause there's no one to hear my small story
Just like a woman who walks in the street
I will pay for my life with my body

What price to pay
For bad wisdom
Too young to know
Too much too soon
Bad wisdom

O teclista, o Carlos, chegou mais tarde (havia um outro guitarrista, mas não me lembro do seu nome; sei que namorava com a Paula, que lia a matéria dos livros nas aulas como a Manuela MouraGuedes lê o noticiário da TVI, a Paula tinha sido minha colega de secretária nas aulas de Ciências Naturais do professor Palma Borges, nos barracões pré-fabricados de madeira da Preparatória Gago Coutinho, mas não me lembro do nome do rapaz, que tinha uns lindos olhos verdes e morava no Bairro de São Miguel), foi humilhado num concerto no Ramiro José pela actual estrela da música pimba, Romana (na altura chamava-se Carla), ela puxou-o para o palco e cantou: "Tu és um amor, tu és um anjo. E melhor que tu eu não arranjo".
No meu primeiro concerto, para angariar dinheiro para um velhote que tinha um cancro pesado e uma reforma leve, ninguém da minha família foi assistir. Neste, que era também para operar uma criançinha, esteve lá o Leonardo, o Manuel Ricardo, o "tontinho" e o Valdemar. A Magui penso que não foi, achava que eu estava grávida porque não me vinha o período há mais de seis meses, quando, na realidade, a menstruação só tinha desaparecido porque eu deixei de comer carne e peixe, aliás, deixei de comer ponto; ficava-me bem dizer que era por convicção, mas não foi, lá em casa passaram-se momentos maus, sem dinheiro pasta de dentes ou os livros da escola.

A moça faz avaliações nutricionais (será a Herbalife?), tinha dentes de mentirosa mas já não tem - eu também tinha dentes encavalitados e já não tenho -, não faço ideia como se chama, mas ela demora-se na conversa, insinua que eu tenho uns quilos a perder, quer saber o que foi feito de mim, sabe o meu nome, vê-se que é vendedora, que é das boas até, mas assim que abri a porta de alumínio do restaurante e vi as cadeiras de pau rosa trabalhadas, alinhadas, com almofadas de veludo encarnado imperial, olhei para ela, alta, espadaúda, na mesa um tipo troglodita com gorro na cabeça, e esta imagem esteve comigo o tempo todo do jantar de aniversário do meu irmão mais velho: tu és aquela que eu apanhei a fazer um broche junto à casa do lixo de um prédio da Estados Unidos da América.

Amanhã continuo o post sobre a família.

sábado, outubro 29, 2005

Santa Marta

Quando iamos em procissão àquele restaurante, descíamos a rua de São Sebastião da Pedreira, eu em bicos dos pés por causa dos stilletos bicudos que se prendiam na calçada esventrada pelos automóveis que a ocupam e nas juntas do macadame da estrada, remendado aqui e acolá com alcatrão, iamos a esse restaurante quando era uma honrada jornalista semi-freak de Economia, que dizia caralhadas apenas na redacção, mas também já tinha fama de dormir com alguns assessores do Governo, iamos lá quando nem sonhava poder vir a ser emprateleirada -

nunca na vida pensei que me empacotassem o computador, as pastas, as agendas, a caneca onde coloco as canetas, os piaçabas que ganhei no Festival do Cano, não achei que fosse possível fazerem-me isso quando estivesse a completar o oitavo mês de uma gravidez de risco, juro que pensei que isso nunca pudesse vir a acontecer, tive que vir à redacção ver com os meus próprios olhos, abri o guarda-roupa e escolhi um vestido de veludo verde esmeralda, 25 quilos a mais, uma barriga descida, contracções fininhas às quais já me tinha habitaudo desde o quinto mês de gestação, cheguei cá e a Isabel tinha arrumado tudo com amor, em três ou quatro caixotes da empresa "Transportes Urbanos", tinha arrumado tudo porque a minha secretária ia ser ocupada por outra pessoa, uma pessoa que tinha um telefone fixo portátil; eu juro que não acreditei, franzi o sobrolho, semi-cerrei os olhos como que num esforço míope de tentar focar a realidade desfocada pelas diopetrias e permaneci de boca aberta, não consegui fechar a boca de espanto, o meu telemóvel tinha tocado um dia antes, ligaram-me de um outro jornal a dizer-me que tinha sido expulsa da Economia, mas eu não acreditei, tive que vestir o vestido bonito da Benetton, calçar umas botas castanhas de cunha de sete centímetros, sei que entrançei o cabelo e usei uma sombra nos olhos irisada, verde pavão; não, não era possível fazerem-me isso, porque eu sempre fui esforçada e dedicada, desde os 18 anos, a esta entidade patronal -,

mas quando ainda nem sonhava ser mãe, quando os animais ainda falavam e ocupavam cargos de chefia, iamos àquele restaurante quase todas as semanas e eu não sonhava que iria viver nesse prédio, quatro andares acima.
E quando passava por baixo do túnel escuro do Metro e entrava na Rua de Santa Marta, pensava sempre, quem será esta Santa que dá abrigo à divisão de Trânsito da PSP?. E sempre que estava a deliciar o meu paladar com o bacalhau à braz ou com as lulas grelhadas com bacon - nunca experimentei outro petisco no meu vizinho restaurante -, resmungava para dentro: "Quando chegares ao jornal googaliza a Santa Marta".
Nunca googalizei, entre telefonemas e conversas no messenger, varria-se-me o meu fervor pela santinha (e sempre que vou ao Robalo ponho uma flor na Sant'ana que a avó Zá mandou eregir, porque sei que a mãe de Maria está sempre a olhar por mim, porque tu tens uma cunha com a Sant'ana; talvez por isso eu não tenha perdido a Carolina, quero acreditar que foi por isso, que vocês olham por mim numa nuvem bonita qualquer).
Achei a minha casa, a velhota Martinha, no início do Verão do ano passado, no site da Remax. Andava já cansada de ver espeluncas, com divisões bafientas sem janelas, pelas quais pediam os valores mais exorbitantes. Vi casas na Graça, vi em Santa Catarina, Bairro Alto, Ajuda, sei lá quantas vi. A que mais gostei era no Beato, dois pisos, vista para o Tejo, tectos trabalhados e lembro-me que a recusei porque era um quarto andar sem elevador: "Eu tenho um bébe, as compras e tal". O facto de custar 30 mil contos também ajudou, sejamos claros.
A Martinha estava habitável, mas um bocadinho escavacada, duas infiltrações nas paredes da actual sala de jantar e quarto da Carolina. Uma casa de banho horrível, uma alcatifa inenarrável. Mas eu gostei desta menina centenária, entrei no hall e disse ao mediador, o senhor José Manuel, "Acho que é esta". E disse isto apesar de ser um quarto andar sem elevador e de as escadas parecerem ter sido visitadas por um terramato ou por uma guerra civil. Não pensei no estacionamento, nem no trânsito, a Marta enfeitiçou-me logo e eu sei que ninguém acreditou que ela pudesse ficar bonita - lembro-me do olhar de terror da Mónica e do Mário quando a viram pela primeira vez.
E assim que a minha mãe reservou a Martinha com um cheque de 500 euros, voltei a pensar: "Agora é que tenho que saber quem é o raio da santa!"
Estávamos em Julho de 2004. Ontem, finalmente, googalizei a senhora. Googalizei porque passei na ex-papelaria Expresso, que agora se chama Portal da Amestista e vende artigos esotéricos. Não me é fácil ver a mutação transgénica da papelaria que marca todo o meu imaginário infantil - Dona Fátina, preciso de um lápis HB, pincel nº 5 da Pelikan, uma caixa de guaches, um estojo de canetas de feltro da Molin, um transferirdor, e um bloco de papel cavalinho. Mamã, posso levar uns lápis de cor aguarela da Caran d'Ache também?
Agora a Dona Fátima dá cursos de Reiki, lê as cartas, solta os búzios, vende velas e incensos, imagens de santos, mézinhas, cristais e o diabo a sete. Mas a recém-convertida mística também não sabia quem era a Santa Marta, afiançou-me que era muito bom prenúncio e ainda me pediu o número da porta, para ver nos seus conhecimentos de numeralogia se era auspiciosa a minha morada. E era. Sugeriu-me, depois, uma série de consultas em sites esotéricos da Internet.
Mas o meu Deus é o Google. E em menos de dois segundos sabia, através de um site brasileiro que se dedica às biografias dos Santos, quem é a protectora do meu Lar (a águia velhinha pregada na porta, da Companhia de seguros Mundial, também protege a Martinha de dia e de noite):

"Marta, irmã de São Lazarus e Maria de Bethany é a padroeira da cozinheiras e donas de casa. Ela era a anfitriã e a dona da casa por ser a irmã mais velha. Quando Jesus se hospedava em sua casa, em Bethany, Marta era solícita e cuidava do seu bem estar. Em uma visita, recorda Lucas no seu evangelho, Marta reclamou que Maria ficava sentada ouvindo Jesus, deixando-a com todo o trabalho. Jesus respondeu em tom de brincadeira " foi Maria que escolheu a melhor parte".
Assim Marta tornou-se o protótipo da activista Cristã e Maria o símbolo da vida contemplativa. Marta foi a única que foi procurar Jesus, quando Lázaro morreu. A tradição diz que, para aqueles que diziam que já era tarde e que Lázaro já estava morto, Marta retrucou energicamente "que não tinha a menor importância e que Jesus iria cura-lo". E, de facto, quando Jesus chegou, Lázaro já estava enterrado e seu corpo já apresentava sinais de putrefação, mas Marta não se abalou, e com enorme fé, pediu a Jesus para curá-lo e este foi o maior dos milagres de Jesus.

Mais ainda: Ela disse a Jesus que acreditava que o Senhor Pai daria a ele o que pedisse. Em resposta àquela fé inabalável, ela foi a primeira a ouvir de Jesus a sua mais profunda revelação. Quando Marta disse que ela acreditava que seu irmão iria se levantar de novo, Jesus disse a Marta: "Eu sou a ressurreição e a vida, aquele que crê em mim viverá mesmo que ele morra, e todos que vivem e crêem em mim, nunca morrerão."

"Voce acredita nisto ?" perguntou Jesus a Marta, e ela respondeu: "Sim meu Senhor, eu acredito que Voce é o Messias e o Filho de Deus."
A tradição diz ainda que Marta foi com Maria e Lázaro para a França, servindo de missionária em Provence.

SMartha1

Santa Marta é a padroeira das donas de casa e protectora das falsas preocupações e superstições. Isto no Brasil, significaria proteção contra mau olhado, inveja, pragas, bruxarias, descarrego e outras superstições, para as quais ela oferece um escudo impenetrável.

A dona Fátima estava certa na sua premonição: não podia estar mais bem protegida. E que linda Santa me calhou na rifa.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Efémera

[Desculpem qualquer coisa, mas é que eu às vezes tenho que trabalhar e, já vos disse uma vez, os posts deste quintal demoram, em média, uma hora e meia a ser paridos, o meu poder de síntese só funciona quando estou a escrever notícias. Para os mais viciados, a boa notícia: estou de plantão no fim-de-semana, por isso, a escrita ficará em dia, entre amanhã e depois -isto se a dona Inspiração andar entre Picoas e o Marquês de Pombal]

Está quase a fazer um ano que nos conhecemos, atiro eu da cozinha para a sala, viro a cabeça para a direita, dou uma olhadela de soslaio, vejo umas pernas enormes no laranja do sofá e uma loira aos gritinhos histéricos e gargalhadas a dizer "Mais". E nisto, esmago as limas com uma colher de gelado, misturando-as com duas colheres de açúcar mascavado.
Sabes que pensei nisso hoje, diz ele, acho que já com a loira às cavalitas, enquanto se divertem a abrir os armários da cozinha.
Fecho os olhos, guardo aquele momento no meu chip de memória vitalícia. Enternece-me. Faz-me quase dizer como a loira: "Mais!", mas abro os olhos e contenho-me.
Hoje não escrevo o teu nome. Já andam cansados, os leitores, de um nome esquisito, estrangeiro, de um rapaz de nacionalidade norte-europeia.
Eu não me canso de ti.

Fico passada com mudanças de identidade corporativa das empresas. Estudei para ser vendedora da banha da cobra (publicitária, leia-se), devia achar-lhes piada.
A TMN agora é turquesa e em minúsculas. Tenho saudades do hino da Optimus e do "Onde você estiver está lá" da Telecel. Sou avessa à mudança, não se deve mudar o que está bem só porque sim, só porque há um budget para gastar e uns publicitários para alimentar.
O que é isto tem que o cú tem a ver com as calças?
A Vodafone refrescou o seu logótipo, provavelmente a reboque da onda turquesa do operador 96.Ficou mais bonito o logótipo, mas o que eu gosto mesmo é do anúncio lamechas, profundo e enorme (és tu quem compra o espaço para a Vodafone, Mónica?), sobre o sentido da vida, com as efémeras e o seu limitadíssimo prazo de validade: 24 horas.
A loira já está, finalmente, a dormir e eu lamento, já na segunda caipirinha, os amigos distantes, as gmailadas loucas, os almoços no Laçinho. "Foram efémeros", lanças tu pela sala que tem dois Macintosh portáteis ligados, terrivelmente bonitos, o teu prateado e enorme, o meu branquinho e minúsculo, ambos ligados à minha Wireless Internet.
E, na verdade, tu é que devias ter sido efémero. Partiste-me o coração, não devias ser tão meu amigo. Mas já nem me lembrava disso. Hoje reli os arquivos deste blog para me lembrar como foi que doeu tanto quando acordava todos os dias a pensar na tua cicatriz, no teu fato Hugo Boss, da tua Kangoo, dos Gudang fumados em casa de um efémero, dos teus silêncios, das tuas más educações e desprezo.
Mas quis a história recomeçar quando escreveste - era Julho, eu tenho a conversa aqui gravada -, do outro lado do mundo: "Hi, You there?". E eu estava à janela, a fumar ostensivamente, só te respondi que sim passados uns cinco minutos, isto foi depois de eu te ter entrevistado, depois de ter exorcizado todos os meus fantasmas, de te ter dado um enorme raspanete sobre regras a obedecer nas relações humanas (eu, que as esqueço tão amiúde).

Eu nunca escrevi aqui sobre aquele dia.
Tu demoraste-te e eu estive sentada, a tremer em silêncio com uma Moleskine como companhia. Estava em Alfama, fui eu quem escolheu o ponto de encontro (ainda hoje não sei bem porque é que escolhi o Castelo e Alfama, queria estar contigo num sítio bonito, mas as abéculas do Chapitô estavam encerrados), nisto, nem me lembro já como é que perceberam que eu era jornalista, masainda fui em reportagem visitar uma casa bicentenária a ameaçar ruína, com paredes de azulejos pombalinos.
Tu demoraste-te e eu vi os eléctricos 28 a passarem para cima e para baixo: uma duas, três, tantas que deixei de contar, quase 45 minutos a dar a dar com a perninha direita, a pensar como iria ser o reencontro tantos meses de silêncio e dor depois.
E foi bom, libertador, catártico (lá está uma das minhas palavras caras favoritas), disse tudo o que tinha a dizer, tu pediste desculpa entre sei lá quantos sms neuróticos da tua namorada, a tal que eu, estúpida, ainda dei conselhos judiciais grátis, e eu aceitei as desculpas, ainda te amava perdidamente, sentia-me bem ali, contigo, como se nunca me tivesses deixado de atender os meus telefonemas (eu não te ligo quando estou em crises profundas por ter 27 anos, porque ainda estou traumatizada; acho sempre que não vais atender), mas as efémeras do meu estômago não sossegavam um minuto que fosse, mais um cigarro e uma imperial, taquicárdias o tempo todo, a fotógrafa (Marilyn, mor, eu não tenho ligado, mas penso imenso em ti, chavala) chegou e apercebeu-se logo que eu só podia ser louca por ti, por isso demorou-se, pediu uma tosta mista, eu juro que não lhe disse, e os sms não paravam e pioravam a cada cinco minutos que passavam, pediste-me conselhos matrimoniais, espante-se, eu dei-tos e foram sinceros e, no fim, trouxeste-nos no Volvo que tinha montado no banco de trás uma cadeirinha de bébé. Eu disse-te: "Até daqui a um ano, então". Mas tu tens um dedo que adivinha, devolveste a provocação com um "vai ser antes disso".
E assim foi. Tudo recomeçou nessa conversa, cada um numa ponta do Atlântico, umas semanas depois de ter escrito 4.500 caracteres no jornal de referência português sobre o homem que eu obsessivamente venerava (deu-me um gozo tremendo e até no texto se topa que eu estava perdida por ti; escrito às tantas, na minha casa pequenina, no sofá azul, dezenas de cigarros depois, reli a prosa e pensei: fiz este texto para a tua mãe, para ela gostar de mim).
Nestes últimos meses, afogámos umas mágoas juntos, jantámos em excelentes restaurantes às terças-feiras, até já dormimos na mesma cama e tomámos um pequeno almoço em família, no cafezinho da João XXI que tem os melhores croissants de Lisboa.
Sempre que eu te vejo penso nisto tudo.
Andas embrulhado com ela?, perguntam-te. Então e tu e o gajo já pinaram?, perguntam-me.
A resposta é não.
Este não vai ser efémero.

Ex-Aguiarettes

[Enquanto sai e não sai o post que eu tenho ao lume - está a ficar lindo, apesar de eu estar estupidificada de alegria -, aqui fica uma foto espectacular, da jornalista e assessora - oh mor, tu eras assessora? - mais giras e simpáticas de toda a campanha eleitoral do Carmona Rodrigues]

Aguiarettes

Foto: Hermínio Clemente (com quem as más línguas também deverão dizer que eu dormi)

quinta-feira, outubro 27, 2005

Suculências

Acordo às sete e meia da manhã, é de noite, estou constipada, tenho que escrever a Carmonisse para a Pública, a merda da Netcabo está em coma, o que é que eu vou fazer se tenho tudo o que preciso para o texto no Gmail? Calma, liga para a Netcabo, ui, devido ao elevado número de chamadas não nos é possível atender neste momento. Não sou só eu, vá lá, mas com o mal dos outros posso eu bem. Tosse cavernosa, nariz entupido, vai lá beber um copito de leite, para enfiar o primeiro cigarro do dia (gracias JPH, os cigarros são aqueles que tu me deixaste na redacção, que me salvaram a tarde de stress que alguém que gosta de fechar muito cedo me causou). Abro a janela, estou de camisola e cuecas, abro a janela, está frio, as minhas floreiras estão lindas, tudo brota nesta casa (gosto tanto de ti, casa), abro a janela, estou arrepiada, com pele de galinha, as luzes do prédio em frente estão todas acesas, toda a gente normal acorda a estas horas, para mim é um suplício, é mesmo porque ontem não consegui escrever nada, porque estava tão cansada que adormeci no banho, à uma e picos da manhã, abro a janela, às escuras, e vejo a velhota da janela em frente de bata na cozinha, na janela ao lado, o vulto do filho motard, no andar de baixo, o velhote de ceroulas estende um paninho da loiça na corda, a cidade está a acordar, o cigarro está no fim, pode ser que a Netcabo já tenha despertado também.
Já estava a pé. Liga o Firefox, vai ao Gmail, duas mensagens tardias da Cordeirinha. Não sei quem ela é. Não sei como fui parar ao blog dela. Mas sou viciada nas suas íntimas suculências. Só não as pus aqui ao lado, nas "Tralhas" que eu leio, porque a queria resguardar, porque acho que ela tem um blog como o meu, demasiado íntimo, que, por isso, deve ter uma audiência controlada (as minhas audiências já saíram fora do controlo há algum tempo, todos os dias fico de boca aberta a ver as estatísticas e faço uma ginástica puxada à minha imaginação para arranjar rostos para todos os Ip's que me visitam - Ford Motors, tu és um gajo ou uma gaja?).
A Mary escreveu há poucas horas um post lindo aqui para esta amiga neurótica. Estou babadíssima de ser a sua musa e em transe por teres parado por cá pelo post do Fernando Pessoa e da "Canção" do Variações - é que eu sempre achei que ia encantá-lo com essa e foi mesmo assim, há coisa de umas horas atrás. Escrever não é o que eu faço melhor. E ele soube disso ontem, com o poema do heterónimo do Pessoa.

As minhas desculpas

Não vai ser nesta madrugada, o post não vai nascer, ainda só tem três dedos de dilatação, e tenho uma carmonisse para escrever, tenho o meu irmão Paulinho no Messenger, a muitos quilómetros de distância deste canto junto ao Atlântico, tenho ainda que ir lavar o cabelo gigante e secá-lo com amor; não vai ser nesta madrugada porque estou muito feliz para escrever coisas "dignas" de mim (esta é uma boca para um senhor que diz que neste quintal brotam posts de primeira e de segunda categoria; eu gosto de todos os meus posts: os sérios, os cómicos, os tristes, os loucos, os curtos, os longos, os de primeira, os de segunda, os muito rascas; todos são dignos de mim; eu sou todos eles).
Perdoem, mas não dá mesmo.
Obrigada pelas 201 visitas de hoje.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Já nasceu e dizem que é lindo como a mãe

Está no berçário, aos cuidados do padrinho Vring.

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É lindo!

(Fotos gentilmente cedidas pelo famoso senhor Andy Vring)

terça-feira, outubro 25, 2005

Mais uma para os admiradores do Andy Vring

O homem é bonito. O homem é simpático. O homem é meu amigo. O homem vai-me trazer, entre hoje e amanhã, um ibook lindinho. Eu e o homem vamos para Paris no final do mês que vem. O homem é, sobretudo, famoso. Em todos os recantos do planeta. Todas as semanas, ganho mais um leitor graças ao homem. Procuram-no Google. No MSN. No Altavista. No Blogger. Até no Sapo. Quando o voltarem a fazer, terão mais uma ocorrência - esta.

PS - Eu fui a maior fã do homem; fundei o clube internacional dos admiradores incondicionais do holandês voador.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Há tanta gente infeliz

Eu não sabia que ela fumava.
Está escuro no parque de estacionamento. O candeeiro que foi plantado por causa de um artigo surreal que escrevi sobre um poste de iluminação pública derrubado há anos e anos que procurava um funcionário da câmara para relação séria, entregou a alma ao criador dos candeeiros menos de duas semanas depois de ser erguido num jardim descuidado da Avenida dos Estados Unidos da América; há um outro, nas traseiras do prédio onde estamos paradas a fumar, que dá choque eléctrico e o Fiel, o cão mais novo da Magui, é a prova de que a teoria do Pavlov não se aplica a todos os canídeos - continua a ir lá mijar apesar de levar um esticão de cada vez que alça a pata.
A cadela bobtail, ridícula, desde que foi tosquiada, desapareceu, mas ela nem se lembra que veio à rua por causa da bicha. Encontrou-me, e desde que estivemos barrigudas ao mesmo tempo, desenvolvemos uma estranha cumplicidade.
Acende o cigarro com o isqueiro laranja que um amigo que faz falta me deu há uns meses e reparo como toda ela é grande. As suas mãos fazem duas das minhas. Mede mais de 1,80m. A mulher gigante de nariz proeminente e queixo inexistente vive com um grunho. Tem um filho de um grunho. Não fala com o grunho, discute. Não dorme com o grunho, passa as noites no sofá. O grunho é verbo de encher. Não paga as contas, não paga a creche e se não é sequer uma boa foda, se a casa é tua, bem, na realidade, a casa é da minha família, mas, adiante, porque não o pões de lá para fora?
A solidão. Sempre a solidão, responde ela, sabendo que eu vou torcer o nariz e que, em seguida, talvez franza o sobrolho, abrindo depois a boca, sem hesitar, deixando sair um palavrão daqueles que a minha mãe beirã tão bem me ensinou desde pequenina, retirado do dicionário de vernáculo dos Oliveira.
Saiu um puta que o pariu.
Há tanta gente infeliz.
Ali a trinta passos, a nossa vizinha Sofia, a Sofia que parece uma modelo, a Sofia que teve boas notas na faculdade, que tirou relações internacionais, mas que não arranja emprego estável, que até já trabalhou como assistente de uma vidente, a Sofia que era dona do meu segundo gato, o Grieg, a Sofia engoliu várias caixas de ansiolíticos e tentou pela terceira vez dos seus trinta e poucos anos pôr termo à vida.
A 35 passos, não mais, no rés-do-chão dos prédios baixinhos, duas velhotas muito velhotas, espreitam-nos pelas grades, está escuro mas eu vejo-as pendurar, entre o ferro encaracolado que lhes protege as janelas, um pano da loiça muito enfarruscado, e umas cuecas de gola alta, amareladas. Ali mora a solidão e a velhice. A tristeza também bateu àquela porta.
Olho para cima, para os 60 apartamentos, distribuídos em três prédios de dez andares, meia dúzia de luzes acesas, é uma avenida fantasma, e enquanto ela me diz "É só deixar a miúda crescer mais um bocadinho", penso na luz do terceiro esquerdo, o meu tio deve estar a esvaziar a tristeza em mais uma garrafa de whiskey, no quinto esquerdo, o meu primo chora no quartinho da empregada, crente que não vai ser um arquitecto de renome, num terraço com vista para toda a cidade, um outro meu tio fuma a sua erva, rega o seu cânhamo, cumpre esse ritual há 25 anos para se esquecer que casou com uma bruxa, a essa mesma altitude, umas dezenas de metros quadrados para a direita, a porteira mais simpática e bonita de Lisboa chora pelo peito que amputou e a sua filha questiona-se se o acne que lhe mina a cara há quase uma década algum dia desaparecerá, a Dona Assunção, que mora nos prédios baixinhos, que reza por mim ao Santo António, perde-se pela casa vazia, entra no quarto do Luís e do Pedro, vazio, fica lá a dormir, agarrada ao passado.
Há tanta gente infeliz, penso eu, já a estacionar o Idea no largo das Palmeiras. Subo as escadas com a Carolina a dormir, penso na injustiça de não emagrecer uma grama apesar de carregar 15 quilos todos os dias escada acima escada abaixo, quarenta e muitos degraus com uma inclinação alucinante, abro a porta, tenho a certeza que é um bom augúrio a porta da minha casa ter um emblema velhinho da Mundial Confiança com uma águia, a ave de rapina protege a minha casa da tristeza, deito a minha filha no quarto fluorescente, acendo as luzinhas de Natal porque ela gosta de ter um pouco de luz durante a noite, dou uma arrumação rápida à sala, tiro a roupa ainda húmida do estendal, ligo o computador, só se ouve silêncio, tenho os meus discos, os meus livros como companhia, um anjo a dormir na assoalhada que fica do lado direito, sorrio porque sei que não vou discutir com ninguém.
Nesta casa não há ninguém infeliz. Agarro-me a essa certeza e faço por dormir, por domar as insónias de não poder estar com quem mais queria.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Telefone maluco

Eram 19h45. A janela do messenger abriu-se e fez-se Dia. «Porra, não consigo acender o forno, tens fósforos?» Não tinha, mas corri ao café mais próximo para socorrer a donzela. Acendi o forno à primeira. «Ops, estava a rodar o botão errado. É melhor abrir as janelas que a casa cheira a gás.» Ok, vamos jantar.
Pitéu excelente, bacalhau com espinafres e a tal garrafa colheita de 2000. À segunda garrafa, ofereço-me para sacar a rolha. «Deixa estar, eu só não sei acender fornos». A rolha partiu-se. Acreditas na lei de Murphy?

A Magui ensinou-me a fazer béchamel pelo telemóvel: eu na cozinha centenária, semi-bordel, pintado de encarnado sangue, ela no seu ultra-moderno laboratório culinário, três ou quatro quilómetros a separar mãe e filha, loira e morena, e aqui, por debaixo da Fontes Pereira de Melo, o Toshiba deitadinho na bancada fria de mármore, a ponte entre o lava-loiças e o forno, e entre telefonemas - "Então ponho o leite antes da farinha? Tenho que tirar os grumos do molho antes ou depois de ir ao lume?" -, e nisto, um voyeur espreitava a minha fadisse do lar por uma webcam.
E a Magui foi o meu primeiro 112: "Ai, caralho, mãmã. O forno não liga. O bacalhau cheira tão bem e agora vou ter que mandar vir uma pizza. Ai foda-se, foda-se, mamã, claro que já vi se tenho gás na botija! Faço o quê? Uma vela? Eu acho que tenho uma vela...".
Angustiada pelo facto de o primeiro jantar cem por cento da minha autoria vir a ser condenado, sumariamente, à pena de fiasco, a Magui disponibilizou de imediato um mini-forno que está em casa dela a servir de suplente. Mas o Telescópio salvou a noite sem ser preciso ir à EUA buscar um forno eléctrico (vou trazê-lo, de qualquer forma, não confio mais neste forno nojento), eu telefonei logo à Magui e admiti ser uma sofrível "self made woman". "Analfabeta!", sentenciou ela, sem mesericórdia, da mesma forma que sempre que alguém lhe diz: "Ai dona Margarida, a sua filha é mesmo uma garota bonita", ela lança: "Com esta idade são todas bonitas". Eu já lhe disse que fico fodida, que conheço muitas gajas da minha idade que são umas aventesmas, mas ela nunca concorda com as velhas.
Eu estou a ser pressionada para passar a palavra, que já vai longo o meu discurso, apenas gostaria de vos dizer que segundos antes do Telescópio chegar e ressuscitar o forno, a pequena Ralha tinha despejado no chão meio quilo de sal ao qual juntou, com cuidado e requinte, cem gramas de pimenta branca.

Diz isto alguém que se define como fada do lar e do blog. Get real.
Um homem chega a casa - ok, a tua casa - e tu recebe-lo à porta com um pano da loiça na cabeça e um avental vermelho cheio de restos de espinafre? Parecias uma bandeira portuguesa...
Tudo bem, no fundo também vibro quando joga a Selecção Nacional. Sinto-me bem neste sofá, com vista para um armário de livros. Onde senão aqui iria eu encontrar raridades tão dispersas como: «A Lei do Amor»; «Amor», «Depois do amor» e três volumes encadernados da revista «Linhas & Pontos»? És um terror, Dia.
Também gosto da música de fundo. E gosto de ver-te com um pano de loiça na cabeça, dá-te um ar afro. E das meias do Benfica. Queres um bafo do cigarro? Vou-te salvar.

Eu não acredito que tu estiveste este tempo todo e só escreveste isto!
Na aparelhagem velhota estão os Sétima Legião, esses fachos, um amor musical com décadas: "Gabriel!", grita o Rui Pregal da Cunha, que hoje é médico, o senhor cantava muito mal, melhor salvar vidas, mas o acórdeão do Gabriel perseguiu-me vários anos, cheguei a pensar comprar a casa onde ele cresceu, na Gama Barros; a mãe do Gabriel Gomes tinha um Fiat 600 azul escuro e fazia bolinhos para todos os cafés das imediações da Avenida de Roma. Eu adorava as madalenas da mãe do Gabriel Gomes, apesar de nunca ter sabido o nome daquela velhota simpática que chegava às tascas com tabuleiros cheirosos de bolinhos acabados de sair do forno.
Fui ver a casa, três assoalhadas, 25 mil contos. O preço era bom, demorei-me no quarto do senhor Gabriel, ouvi o som do seu acórdeão, mas quem me veio mostrar a casa não foi o Gabriel, foi um amigo íntimo, com pinta, mas se tivesse sido o Gabriel eu teria comprado aquela casa horrível, com uma casa de banho rosa com uma barra de laçinhos e traseiras com vista para um quintal cheio de barracões de zinco. Ainda tenho o telemóvel do Gabriel no meu telemóvel; deu-mo a Dona Paquita, a velhinha espanhola deliciosa com quem bebo café quase todos os dias, no café das velhas.
Mas o Telescópio chegou cá a casa e não disse nada disso dos panos da loiça. Disse que eu estava linda e que parecia uma virgem Maria. Ri-me alto. Pela virgem, não pelo linda.

Gabriel é o nome do arcanjo que disse à virgem Maria que estava grávida do filho de Deus. História que, aliás, está mal contada. Qual é a gaja que diz ao marido que está grávida do Espírito Santo e o tipo acredita? Já viste a probabilidade de José ser o corno mais citado dos dois últimos milénios? Incrível.
Quanto à tua virgindade, nunca pensei.

Vocês lembram-se de jogar a isto? Chamava-se, pelo menos na Avenida de Roma, o "telefone maluco". Um grupo de putos, papel e caneta eram os ingredientes. O primeiro arrancava, escrevia uma linha, dobrava o papel escondendo o que acabara de cravar no papel com uma esferográfica azul da Bic (eu sempre fui diferente; morceguinha desde pequenina: na primária, no colégio, obrigavam-nos a escrever a azul, mas eu sempre gostei mais do preto. E a tinta permanente, para desenhar letras tão lindas como as que o meu avô Oliveira imprimia nas suas folhas), deixava a descoberto as últimas palavras, passando a palavra ao seguinte. Qual era a moral do jogo? No fim, desdobrava-se o leque que resultara da ronda literária pelos jogadores e lia-se alto o resultado hilariante.
Chamem-nos burgueses, chamem o que entenderem, mas tínhamos 14 anos, acabadinhos de entrar no armário, e em vez de fumarmos ganzas, e descobrirmos a nossa sexualidade nas traseiras do Rainha, passávamos horas a jogar ao "telefone maluco" numa mesa de 12 pessoas do Luanda.

Também jogava, por esses anos. Foi na época em que uma festa de anos era tudo. Jogávamos spectrum a tarde toda, às vezes também ao telefone maluko.
Quando começavam a desaparecer os phrimeiros adultos, o jogo do quarto escuro era passaporte para curtir com a prima do aniversariante. Pais, tios e padrinhos na sala, os putos (todos até aos 12) a brincar, longe de preferência.
Volto ao anjo. Perdi a virgindade com uma miúda chamada Gabriela, numa visita de estudo de dois dias a Conímbriga. A Gabi hoje está casada, tem dois filhos e é muito gorda. Naquela altura, era um anjo.
Muitos anos depois, empantanas-te-me a realidade.

Diz-me qual é a primeira memória que tens de mim?
Jantar de anos do teu irmão, tu chegaste atrasada e parecias um furacão quando entraste. Muitos braços, muitos risos, muito gira.
E tu?

O mano faz anos hoje. 33. Já viste que estamos há uma hora e 40 minutos a escrever este post?
Eu tenho memória de elefante, lembro-me de coisas que não lembram ao menino Jesus. Até sei o que tinha vestido e tudo. 20 anitos, não mais, um jantar do número zero da Focus, - e, caralho, o jantar era na rua de Santa Marta, duzentos metros abaixo do local onde nós estamos -, estava ao lado do meu "marido", e tu por lá andavas, no outro lado da mesa, palhaço de serviço.
Telescópio? Se não chamamos a este post a "quatro mãos", o que é que chamamos?

O jogo.
Nessa noite pedi a actual mulher do teu irmão em casamento e subi a um banco para fazer um brinde. Brutal, tinha 22 anos. Mas siga, é só isso que tens para dizer? Eu a armar-me em D. Juan, a mandar aquelas provocações, subtis enough, e tu sem contestares à altura? Strange.

É na minha segunda recordação que surjes com força. Para sempre. Nessa primeira, eu estava demasiado deslumbrante para te dar atenção, sei tão bem o que vestia... Estava bem mais magra, um fato cor de rato, com corpete com renda de bilros. O cabelo estava apanhado com uma "banana", alisado impecavelmente com brilhantina.
Na segunda, estávamos no BBC, a reboque de um broche amigo que estávamos a fazer ao Manuel Jesus, no jantar dos Portuguese Marketing Awards. Recordas-te? Na nossa mesa, um canastrão que era dono das clínicas de estética Persona.... Tu e a Cate tinham acabado de chegar da Polónia, também sei o que tinha vestido nessa noite, saia preta com umas flores azuis, top branco que me descobria as costas, e, lembro-me, estava muito cansada, o Código do Trabalho fazia-me olheiras. Tu fizeste a Cate chorar, acabámos a noite na rua da Rosa, num apartamento da idade da minha Martinha, com uma mala de cartão na sala a pegar fogo às primeiras horas da manhã.

As coisas foram um pouco onfire desde o início...
Há muitas histórias que não cabe aqui contar. Uns brincos esquecidos, um telefonema com anestesia, a sedução constante, o ritual de quarta-feira e um segredo para sempre.
Vamos sair daqui?

Um segredo o caralho! Apressaste-te a contar o segredo a um homónimo teu...
Podes cá dormir à vontade. Eu não tenho a depilação feita. Dormes como irmão. Aliás, este sofá faz cama.

És má.

Eu fiz caipirinhas e pipocas. Sou ou não sou uma fada do lar?

O que é me vale dizer que és?

Nada, mesmo nada. Eu estou sempre a dar-te foras.

Sim, mas eu já me vinguei uma vez, naquela de manter o ar de tough. Com que então não fizeste a depilação... É muito mais pós-moderno do que «dói-me a cabeça».

É melhor não entrares por aí, porque eu tenho em minha mão, informações que destruíriam a tua reputação. Queres que eu recorde a temática abordada num livro que me ofereceste no meu 25º aniversário, quando já estava barriguda, com a Carolina lá dentro a viver?

Truque baixo. Mas eu esquivo-me, porque mesmo que ponhas essa questão, existe ad eternum a questão de teres ficado barriguda.

Diz-me, Telescópio, algum dia julgaste que eu escrevesse assim?

Sim, já calculava. O desiquilíbrio mental não podia senão traduzir-se nisto, numa irónica câmara sobre o mundo dos afectos.

Eu preferia que o post se chamasse telefone maluco. Concordas? Não tens que concordar... O blogue é meu...

O q é q te faz pensar q vamos publicar isto?

Temos que. Eu tenho pelo menos uma centena de visitantes por dia. Tenho que os alimentar... Ficarão com azia, decerto

E eu tenho quinje, dos quais metade são gajas com quem eu já me enrolei. Topas? I rest my case.

I have no more questions, your honour. Login and publish?

Não.

Sim.

Sim.

Published by Dia and Telescópio

Fada do blog

Leitores queridos,
Este blogue é um vício, acreditem, custa-me mesmo muito, dói-me, que não tenham nada para ler - este quintal é um diário e a sua periodicidade é, preferencialmente, diária, como o nome indica, e se eu tivesse vida, vos garanto, que tinham duas edições: a da manhã e a da noite, sucessivos updates da minha vidinha. Mas estou armada em fada do lar, a fada do blog está de férias e directamente da província bateu à porta de uma casinha linda da rua de Santa Marta, a mãe de família, e às vezes sabe bem, parecer quase normal, fingir que brinco às casinhas e às familias monoparentais.

fada do blog

[Aqui, a fazer bacalhau com espinafres para o jantar de hoje; quem quiser que apareça, tenho comida a mais, como qualquer boa mãe]

E a propósito de famílias monoparentais, estou para escrever desde ontem esta história bizarra (adoro esta palavra). Estava eu no Feira Nova de Chelas, a brincar às donas de casa, carrinho com a Carolina lá dentro aos pinotes e recheado de boiões da Blédina e da Nestlé (nunca cozinhei para a minha filha; a minha mãe fá-lo melhor e quando não faz eu contribuo para o engrossar dos lucros da Milupa e da Nestlé, que andam nisto há muito mais anos nisto que eu e que, aliás, têm que distribuir dividendos pelos seus accionistas todos os anos - e a minha filha está estranhamente silenciosa; vou ver o que se passa, porque hoje já bebeu água da sanita e fez uma festa de gel duche no chão da casa de banho; afinal está só a dormir, ufff (e deixem-me ver os espinafres, que enquanto teclo isto, refogo o bacalhau numa wok e os espinafres, com muito alho, numa frigideira, ambos já estão em lume baixinho, e agora um cigarro que eu já mereço; não os encontro, que merda...) - e uma promotora da Gillette interpela-me e pergunta-me se estou interessada em levar para o meu marido as novas lâminas a pilhas, aquelas que têm o outro futebolista que eu não sei o nome nem me interessa, o que é casado com a ex-Spice, cuja graça também não é digna de ocupar uma parcela ínfima da minha mioleira.
Não fui capaz de lhe dizer que não tinha marido, caralho! Não fui, dei-lhe trela, inclusive, disse que o meu marido estava muito satisfeito com a Mach3, que fazia poucas vezes o barbeado com lâminas, que tinha uma barbinha rala, uma pele sensível, que se dava melhor com a máquina de barbear da Philips.
Porque é que eu não fui capaz de lhe dizer que não tinha marido? Gaita!
Para a senhora não ficar triste, levei umas Gilletes para as minhas pernas.
Caros, tenho que ir fazer o béchamel. Esta vida de fada do lar é uma canseira, não sei mesmo dos meus cigarros, mas, ao menos, o meu chulo literário diz que eu fico linda.

terça-feira, outubro 18, 2005

Paz

Quando tinhas menos de 50 centímetros, sossegavas quando eu cantava It's a good day for singin' a song: punha o CD da Peggy Lee às tantas da madrugada, pegava em ti ainda com medo de te partir, dava dois passos e entrava na sala de sete metros quadrados, pegava nas tuas mãos pequeninas com dedos enormes como os meus - agarrava-me a essa ideia, que as tuas mãos eram iguais às minhas, que pelo menos tinhas alguma coisa dos Ralhas -, tu fechavas a mão com muita força e ficávamos ali horas, junto do sofá azul, com almofadas laranja, iluminadas pelas resistências do aquecedor que funcionava 24 horas por dia - vieste num Inverno rigoroso e a casa de bonecas onde morámos, o 10 andar sobre a EUA, era muito frio e muito quente -, dançava e cantava para ti e, enquanto te embalava com todo o amor que podia dar a alguém - sei disto: nunca vou amar um filho como te amo a ti, Carolina -, sentia-me em paz, apesar de tudo estar a ruir ao meu redor.
Nunca te deixei chorar e, como nunca pegaste na xuxa, era o meu peito que te calava (toda a gente ralhou comigo pelo uso sistemático deste calmante; como vai ser no futuro, quando ela estiver triste? Quando tiver uma dor de barriga? Quando esfolar um joelho? Enfias-lhe uma bola de berlim pela goela abaixo?, diziam). Ainda tenho dificuldade em te ouvir a chorar, mesmo quando é birra de um mau feitio imensurável característico dos Ralhas - não são só as mãos que herdaste de mim -, mas quando a minha mama não funcionava, e era tarde, muito tarde, deitava-te de barriga para baixo no meu tronco, tu moldavas-te ao meu regaço e acalmavas num instante. Ficávamos horas assim, eu era o teu sofá e mais uma vez, assim como que por magia, estava em paz.
Hoje, depois de milhares de tropelias - a maquilhagem arruinada, uma festa de cotonettes no armário da casa de banho, depois de regares as roseiras com o leite do biberon e arruinares o Antúrio porque não te deixei rasgares uma a uma as folhas do meu livro de cabeçeira - pediste-me colo, arrumaste-te, enorme, no meu regaço e dormiste, de boca aberta, num sono profundo, pouco mais de um quarto de hora. E, apesar de tudo ter ruído, senti-me em paz.

Tropelias da jovem Ralha

makeup

É de desconfiar quando a pequena está caladinha que nem um rato, entretida noutra divisão da casa sem chatear... Ri-me tanto, que nem consegui gritar-lhe pelas sombras destruídas ou pelo tratamento facial (reparem nas tendências góticas da pequena, reveladas aos 22 meses de idade).
Estou de férias, tenho um post na cabeça, mas está difícil de parir. As minhas desculpas aos assíduos.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Parabéns, senhor Vring

Pensei mandar um sms à meia noite, antes de te transformares em lobisomem.
Mas achei que era piroso, optei por te dar os parabéns por aqui.
Beijo enorme, das tuas eternas admiradoras
Dia e Carolina (que te comprou uma prenda linda, linda para a casa nova)

domingo, outubro 16, 2005

Notícias de Santa Marta - histórias de 40 minutos a passar vestidinhos cagões a ferro

Este post foi aberto no sábado, no dia mais odiado (ainda bem que não sou a única).
Este sábado excedeu-se, porém. Tinha acabado de escrever o título do post quando o telefone tocou. Cinco minutos depois a minha homónima veio encher esta casa que é demasiado grande como a minha solidão. Foi tudo o que escrevi, o título e até tinha resolvido variar; não o escrevi no sofá laranja, virada para a janela de madeira pequenina, como é hábito, mas em cima da cama feita de lavado.
Tinha estado a passar a ferro antes de me sentar em cima da cama, antes de deitar o Toshiba confortavelmente em cima da minha almofada de sumaúma, antes de o telefone tocar.
Não tinha lençóis para me acalmar; apostei numa dose de vestidos cagões de bébé para me dar clarividência e paz nas desavenças.
Em 40 minutos passei 16 vestidos da minha filha. Por várias vezes disse a mim própria que sou uma abécula - tenho uma avença mensal na empresa da namorada ou que raio ela é do meu tio para me passarem a roupa a ferro (não é namorada não; como se chama a uma luso-brasileira com um nome impensável, casada e mãe de três filhos, que à pala do meu tio banana, e sem qualquer pagamento através de favores sexuais, tem uma casa mobilada e equipada e um negócio montado???).
Estive 40 minutos a tirar vincos da roupa em miniatura da Carolina, isto em cima da mesa de jantar, porque não tenho nem terei tábua, mas ao menos, assim, a mesa sente-se realizada, ganha alguma utilidade, porque servir refeições numa base diária nesta casa invulgar já sabe a mesita que não pode contar.
Estendi uma toalha turca azul cueca dobrada em dois sobre o vidro temperado - é bem bonita a mesa que o meu querido Pedro me ofereceu, a nossa mesa, comprada ao mesmo tempo que a chaise longue que arruinou o nosso casamento (coitada da chaise longue; diz-lhe que ela é linda, que sou eu que estou a exagerar e que ainda a amo como no primeiro dia em que a vi dengosa lá na nossa sala) -, pus água com cheirinho de colónia de bébé no reservatório e girei a roda para me dar o máximo de vapor - gosto de ouvir o barulho dos urros do vapor.
Um a um, fui emagrecendo a pilha de tecido amarrotado; e quando tenho que passar os "smokes" delicados dos vestidos caros da Carolina, ou vincar as pregas dos machos de alguns vestidos da burguesinha de olhos azuis, ponho a língua de fora, denunciando que estou com um trabalho meticuloso em mãos.
Seria eu feliz a passar a ferro doze horas por dia, como a namorada ou sei lá o que é que é aquela gaja que arruina a conta bancária do meu tio?
Para aí ao sétimo vestido, lembro-me de estar no escritório do avó Oliveira e de embrulhar compulsivamente tudo o que estava à mão com papel kraft (hoje em dia chama-se kraft, é ecológico e está na moda, na altura, há vinte e picos anos atrás não sei o que lhe chamavam, só sei que era papel de terceira categoria, que servia para acondicionar frutas e legumes - lá em casa pelo menos).
O avó Oliveira ralhou-me (olha que giro, o avô Ralha nunca me ralhou; que pena...) por eu ter embrulhado a lista telefónica (adorava ligar para o número de telefone das horas: pi, pi - ao segundo sinal serão xxx horas yyy minutos e www segundos), mas eu disse, em minha defesa, que estava a praticar, porque quando fosse grande queria ser embrulhadora de presentes de Natal. E ele, velhinho, com oitenta e muitos anos, suspirou e usou um dos verbos que eu mais gosto - "Ai Diana que me arrelias".
Poderia eu ser feliz a fazer embrulhos numa loja?
Pouco tempo mais tarde, seduziu-me a ideia de ser costureira. Passava os dias com tecidos, linhas, uma máquina de costura em miniatura que o meu avô Ralha tinha mandado vir do catálogo francês da La Redoute e os moldes que fazia em papel vegetal para as toilletes das minhas várias dezenas de Barbies e similares. Nos meus anos, a minha avó adoptiva, a Dona Ilda, vizinha do quinto esquerdo deu-me uma mala completa de costura; foi seguramente das prendas que mais marcaram a minha infância: anos e anos de diversão em que não chateei ninguém, em que não parti pernas a jogar a apanhada, apenas costurei. Riscava o molde, cortava, chuleava e cozia. Já na altura era viciada em compras e roupa e queimei vários anos de mesada em modelos de alta costura da Barbie (há um belíssimo que hei-de encontrar; custou-me quatro contos há coisa de 18 anos; uma saia pelissada dourada e um casaco Channel em acobreado). Mas gostava também de fazer as minhas roupas (a salientar, das minhas obras mais bem conseguidas, um top em tricot, feito com lã mohair branca).
Então, poderia eu ser feliz a fazer bainhas de calças de gosto duvidoso, com mau corte e tecidos mixurucas, durante 12 horas por dia?
Quando já era crescidinha e namorava com o "tontinho" (estive quase quatro anos da minha adolescência ao lado de um ser humano a quem chamava de "tontinho"; ele era bom rapaz, até deixava que o meu pai o beijasse - o Zé Ralha gosta de beijar os meus namorados; o Pedro sempre se conseguiu esquivar, mas lembro-me de uma situação embaraçosa em que o Zé Ralha foi insistindo à beira da piscina naquele cumprimento muito caloroso e meio abichanado que sempre limitou ao mínimo as minhas visitas lá para os lados dos Capuchos), servia copos a homens de aspecto decente, alguns com polos da Burberrys e porta-chaves com o emblema da Mercedes e da BMW, que atravessavam a ponte 25 de Abril para ver travestis de quinta categoria a fazer playbacks miseráveis, num bar de aspecto duvidoso que, outrora, tinha sido do Joel Branco. Servia copos e memorizava como os homens de aspecto decente engatavam os homens vestidos de mulher, com a cara cheia de betume baço e espesso, que apenas realçava a barba rija que prespontava debaixo de tanta maquilhagem. Às vezes, a noite ia longa e o barmen, heterossexual por sinal, com uma âncora de marinheiro tatuada no braço direito, confidenciava-me que as melhores mamadas da sua vida tinham sido feitas por paneleiros.
Podia eu ser feliz a servir copos a homens de aspecto decente?
As reflexões provocadas pelo acto de passar a ferro são sempre intensas e perturbadoras. Eu podia ser feliz como na sexta-feira, ao lusco fusco, com toda a cidade a ver de binóculos aquilo que eu não vos vou contar.

sexta-feira, outubro 14, 2005

E se dúvidas houvesse...

...ficaram todas tiradas há poucochinho (agora, totalmente a despropósito, lembrei-me do meu avô Ralha no elevador da Praça Pasteur a apertar-me as bochechas - a demonstração de afecto mais calorosa, à parte das chapadinhas -, ao mesmo tempo que me chamava Dona Nicas patusca).
Sexta-feira é, definitivamente, o teu dia.

Pastilha elástica

Não posso deixar os leitores à míngua.
O homem do momento, aquele que dentro deste rectangulozito no cú da Europa e do outro lado do oceano atlântico é quase todos os dias procurado sofregamente nos mais importantes motores de busca da Internet - Google, Yahoo e Altavista - é a musa deste mini-post, escrito entre zapping de blogues, reservas de bilhetes de avião, e conversa animadinha com o meu chulo literário.
Ontem foi dia de Vring. Dia anormal de Vring - os dias a ele dedicados são as terças; as quintas são à conta da minha mana Qui Qui; o chulo literário teve um erro de casting e escolheu as quartas, mas, na realidade as sextas é que lhe são dedicadas (os sábados são do casal maravilha M&M, por isso, despachem-se a fazer as vossas reservas, já só tenho as segundas e os domingos vagos)
Tinha um post em draft guardado sobre o senhor holandês, sobre a paz que ele me traz quando estamos juntos. É um feliz caso de uma paixão arrebatadora, assolapada e muito ridícula (da minha parte), que se transformou no mais parecido que eu tenho com uma relação funcional.
Durante o mês passado, três leitores vieram cá parar à pála do Andy (um brasileiro; dois norte-americanos). Há tarados para tudo, e da lista de esquizofrenias que servem de convite a novos leitores deste blog temos: espantar pombos, com a variante de exterminar pombos, ambas vindas do Brasil. Aliás, do Brasil vêem as mais perturbadoras pesquisas em motores de busca de renome. A decorar: "pedras visiculas", "história do nome domingas", "goto lindo da tia", mas o que eu mais gosto, caros, é este: "ganhe dinheiro com vaca de leite no semi-árido". "Carro de surfista" e "maquina rebelar fotografia kodak" são outras pérolas que trazem leitores acidentais a esta (T)ralha
Ontem a minha filha sacou a carta de condução holandesa do Vring e chamou-lhe papá - ainda não estou em mim, foi um dos pontos altos da noite. Depois, fui pagar a conta e fiquei babada a olhá-los aos dois na palhaçada com um pau de canela. Já em minha casa, a preparar um biberon e duas caipirinhas, fechei os olhos para melhor memorizar as gargalhadas que vinham do sofá laranja.
Noite do caralho, que acabou em beleza com pastilha elástica.

PS - Ainda não foi desta que eu contei a história da outra noite, aquela em que tu ias morrendo com os pelos das gatas.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Manuel Ricardo

O Manuel Ricardo é arquitecto.
Eu não falo com o Manuel Ricardo há dez anos.
O Manuel Ricardo - era sempre assim que eu o tratava, pelos dois nomes; em casa, a mãe enfermeira e o pai que lhe punha os cornos com a secretária (não me lembro já o que ele fazia), tratavam-no por Ricardo; a pandilha do Centro Roma chamava-lhe Manel - está casado com uma tipa baixinha de anca larga, com a cara marcada por um acne severo, uma nova rica que, há dez anos, conduzia um jipinho caixa de fósforos -Vitara, era isso, Vitara a gasolina, gastava 20 litros de gasolina aos cem -, têm uma filha linda, o Manuel Ricardo e a nova rica, da idade da minha.
A alcunha do Manuel Ricardo era o "conquilha". Porque ficávamos horas na praia, à beira mar, a desenterrar as conchinhas que horas mais tarde se transformavam num pitéu dos deuses algures numa praceta do bairro de Alvalade.
O Manuel Ricardo conduzia uma acelera, era Suzuki, como o jipe da nova rica, era Suzuki Adress. Ia-me buscar todos os dias ao Rainha de mota. Passavámos os dias juntos. Eu e o Manuel Ricardo conhecemo-nos numa festa do caloiro no ISCTE, eu tinha 16 anos, ele 19, acabado de entrar para arquitectura na Lusíada, não me esqueço que uma das meninas que estava sentada ao nosso lado, com o rosto pintado pelos padrinhos, e uma Super Bock na mão, tinha entrado para o curso de cardio-pneumologia. Eu reencontrei o Manuel Ricardo numa noite em que ia para os ensaios da minha banda, no grupo Recreativo Ramiro José, no Bairro de São Miguel, onde um cenourinha chamado Miguel me dava boleias para casa de XT 600.
O Manuel Ricardo era acólito, mas tinha dilemas existenciais porque servia na Igreja de manhã e à noite fumava ganzas. O Manuel Ricardo foi o amor mais bonito que eu tive. Eu namorava com o melhor amigo do Manuel Ricardo.
Tinha um Renault 5, PC-69-35, vestia sempre calças e blusão de ganga da Levis e umas botas da Vision. No Inverno, tinha um casaco de penas azul escuro.
O Miguel preto - era mesmo preto, enorme, um soba, era também um grande mentiroso, dizia que era polícia, mas era tudo treta - tinha um Panda encarnado e funcionava como guardião do nosso amor, proporcionava-nos momentos a sós, lembro-me de uma noite de Verão a vermos desenhos nas nuvens e confessarmos o quanto gostávamos um do outro, algures ao pé do rio, o Miguel levou-nos até lá e depois desapareceu, foi comprar pastéis de Belém e não regressou até a madrugada já ir alta.
Nunca fizemos nada. Eu perdi o Manuel Ricardo na Figueira da Foz, detesto essa terra, nunca mais lá ponho os pés. Perdi-o para a nova rica, cuja sala de estar tinha móveis em acrílico com dourados e colunas coríntias de gesso.
No Natal passado fiz uma reportagem sobre uns assaltos na João XXI - a reportagem foi motivada pelo assalto à casa do editor adjunto da secção de Fotografia - e fiquei estática com uma bébé linda na montra de uma loja pindérica da mãe da Sónia - é o nome da estrupícia que me levou o meu amor platónico mais bonito.
Estava do outro lado da rua, ao pé do Londres, e soube, mesmo sem óculos, que ela era a filha do Manuel Ricardo. Apressei-me em atravessar a rua, em transgressão, cega, fiquei a mirá-la da montra, a fingir que via as roupas novas ricas da montra. A cara chapada do pai.
Virei-me para a esquerda e ele estava estático a ver a minha figura de tonta com o nariz colado à montra. Ficámos parados no tempo, a memorizar os riscos de uma década nos nossos rostos, mudos, eu com o coração na boca. Até que a nova rica apareceu e eu, quase a desmaiar, saí do transe e disse: "Até daqui a dez anos, Manuel Ricardo".
Passados dez anos ainda sonho com o Manuel Ricardo Simões.
Hoje, uma noite dura, sonhei com ele.

Eu não mereço 229 visitas num dia

Obrigada.

terça-feira, outubro 11, 2005

Se eu cair ao mar quem me salvará?

Agora fumo SG Ventil.
Voltei aos meus 15 anos, estou nas escadas do anexo do Rainha D. Leonor, perto dos balneários das raparigas, do Ginásio grande e da sala de música onde fui feliz há um ano, quando me ensinaram a ler música, quando a começei a sonhar com cinco linhas e quatro espaços. Estou lá sentada, sempre com a Ana, encontrei uma pessoa que canta bem como eu e que não tem vergonha de saber cantar passamos os intervalos, os furos, a fumar SG Ventil e a cantar à capela naquelas escadas.
Eu ensino-lhe músicas tristes que a minha mãe me canta desde que eu nasci - o Leonardo fica roxo quando vamos a cantar pelo meio da rua, afasta-se de nós, como se não conhecesse a loira e a morena pequenina que cantam despudoradamente melodias que já as nossas avós cantavam nas minas, sentadas em frente à roca a fiar -, ensino-lhe os discos todos dos Madredeus - só havia três: Os Dias da Madredeus, Existir e o Lisboa, poucos meses depois saiu o Espírito da Paz; fui cantar para a estação de Alvalade para conseguir os três contos, subi à Valentim de Carvalho do Centro Comercial poucas horas depois, com o dinheiro, com uma pilha de moedas nas mãos - e ela, em troca, põe-me a cantar Janis Joplin.
A Ana tem a voz rouca, a minha é limpa, cristalina, eu gosto de Jazz, da Billie e da Ella, mas adoro os Madredeus, tenho 14 anos, fumo Ventil, e a minha música favorita é a Sombra - "Se eu cair ao mar quem me salvará?/ Que eu não tenho amigos, Quem é que será? -, ela não a consegue cantar, não chega lá, mas fazemos arranjos musicais naquelas escadas que arrepiam, ela vários tons abaixo do meu e numa tarde qualquer, pouquíssimo tempo depois de nos conhecermos, estamos ainda no primeiro trimestre, a Rita Almeida, a melhor aluna da turma desde sempre até eu ter aparecido para lhe estragar o reinado, já desistiu de nos acompanhar naquelas incursões, roubei-lhe a amiga, e a Ana diz-me: "Eu salvo-te se tu caíres ao mar".

segunda-feira, outubro 10, 2005

A tua rua também tem uma louca

A tua rua também tem uma louca - no quarto andar esquerdo, se não me falha a miserável percepção espacial com que nasci.
Estou sentada no Idea, não sei há quantos segundos, muitos seguradamente, não consigo sair daqui, carro em segunda fila, embicado, rabo para fora, às vezes os autocarros passam de razia e eu fico impávida e serena a ver as tangentes pelo retrovisor, não tenho cigarros, tenho duas folhas, um lápis, uma Grande Reportagem , e um gloss com sabor a morango, que multiplica o volume dos meus lábios já de si carnudos, estou congelada, tremem-me as pernas, o Nyman toca em volume 45 (sempre ímpar, o volume), as janelas do carro estão fechadas, mas, mesmo assim, comecei a ouvi-la.
Tem uma manta com riscas coloridas à janela - lista preta, azul céu, azul escuro, verde fluorescente, verde escuro, depois vêem os laranjas, os encarnados e os rosados, mas é um quarto andar, eu estou sem óculos e não consigo diferenciar as cores.
- Quem me dera que o meu filho deixasse de fumar. Mas assim não, assim não dá -, grita ela pela janela quase rouca. Às vezes debruça-se para a frente, para atirar palavras como quem atira escarretas (tão gira esta palavra), fico a pensar se terá coragem para se atirar (os vizinhos agradeceriam, de certeza. Faz uma barulheira infernal a senhora, possessa).
Ela grita "não, assim não pode ser" e eu acho que tem toda a razão e tenho pena de estar apática e não ter coragem de fazer um disparate semelhante à tua porta, depois de te teres ido embora com a belíssima asneira: "Azar do caralho".
Mas ainda não é o meu timing. Não é a minha vez. Estou em fila de espera para passar a fronteira. Desta vez foi ela, 50 e poucos anos, cabelo negro apanhado num tornuxo com uma rede, calças de ganga e tee-shirt pistáchio à janela junto à manta listada.
O Carmona ganhou, voltei a ser respeitada no pasquim que me emprateleirou há dois anos e picos por ter tido uma filha, a louca parece que sossegou, finalmente, o meu coração ainda bate a mil, vou ficar quietinha mais uns segundos, tantos quanto a faixa quinze deste CD, e aí vou conseguir rodar a chave na ignição e rumar para a redacção.

Não esperem grandes prosas neste blog. Perdi o leitor. O mais importante.

Post escrito a lápis, algures na cidade, numa rua que nem é assim tão feiosa, no verso de uma fotocópia de uma entrevista ao Sá Fernandes.

Estava a escrever isto quando tu apareceste à janela do carro, quase me mataste de susto, deste-me um cigarro e foste embora. A louca voltou à janela: "Isto não é do Carmona Rodrigues, é meu!", grita a senhora. É a minha deixa. Vou sair daqui.

Amanhã logo se vê.

domingo, outubro 09, 2005

Reflexão

Bom, eis-nos no Dia C - Carmona ou Carrilho.
O JPH vai perder a aposta, quem vai ganhar é o meu (salvo seja) candidato, o que eu cobri (salvo seja outra vez).
Estou de toalha enrolada no cabelo, acabei de sair do banho, tenho que ir votar e depois por-me a caminho da redacção, mas decidi ligar o Toshiba para para vos deixar esta nota de reflexão que surgiu ontem ao almoço com os meus queridos amigos M&M, entre umas pratadas de secretos de porco preto e uma sangria de champagne (somos tão burgueses...)
Cá vai: deve o/a amante ser fiel? Fico à espera de sugestões na caixa dos comments, ou mesmo no mail aqui da (T)ralha (recebi uma cartinha de um admirador e mais nada; leitores desnaturados... Façam ginástica aos dedos, vá, isto não é só dormir com a patroa...)

sexta-feira, outubro 07, 2005

Recortes da vida de uma fada do lar

Hoje o chefe proibiu-me de pôr um pé na redacção. Que estou com um ar muito cansado, e mais não sei o quê, e eu disse-lhe: "Chefinho, quem corre por gosto não cansa. Só preciso de ter um tempinho para ir tirar o bigode, que está uma vergonha, e mais nada". Pus a secção dos paginadores toda a rir, eles conhecem-me há mais de oito anos, sabem que já não há nada a fazer, que eu sou mesmo assim de nascença, não há arranjo possível, se mexe só estraga ainda mais.
Mas não o convenci. Estou em casa. Deliberadamente, não disse à minha mãe que estou de folga, para poder estar aqui na Martinha, a blogar à vontade, a namorar à janela, sem ter que me preocupar com a criança (é para isso que as avós servem).
Mas dia em casa não é só netcabo wireless. Há que dar uma de fada do lar (o meu sonho é ser foda do lar), arrumar aquilo que a Carolina desarrumou, aspirar o cotão, lavar a loiça que está há mais de uma semana estática no lava-loiças. Mas digam-me, meus amigos, como é que se põe uma capa de edredon king size sozinha?
Suei, suei e desisti. Quando vier cá alguém a casa cravo uma mãozinha.

Na espuma da noite

Ontem à noite escrevi uma "posta", uma "posta" branquinha, gorducha, daquelas do lombo, quase sem espinhas, das que as mães cedem sem hesitar às suas crias (eu nunca vou ser uma mãe assim, lamento, Carolina, não vou comer cabeças de peixe e os peitos do frango vão ser sempre para mim, mas tu sabias disso quando me escolheste, sabias perfeitamente, estudaste todos os meus movimentos, sabes que eu choro num dia e rio no outro, que me sinto grande, poderosa em dois dias da semana, e o pior dos estafermos nos restantes cinco; sabias ao que vinhas, agradeço-te a coragem, gosto tanto de ter uma filha loira, de olhos azuis, um anjinho barroco, que tem um feitiozinho de merda aos 21 meses de idade; gosto da forma como me testas, até consigo achar graça ao facto de teres arrancado um olho a um gato da Magui, e quanto ao problema das cabeças do peixe - e nós não havemos de comer tantas vezes peixe, não me estou a ver a fazer peixe cozido, por exemplo - compramos aquelas embalagens da Pescanova, caras como o caralho, que trazem só lombinhos sem espinhas), mas o Blogger não tinha jantado, os senhores da Google deixaram a fera assim à solta, com fome, e o meu post foi devorado no momento em que carreguei no botãozinho laranja do dashboard que, neste meu Firefox brasileiro (argh), diz: "publicar postagem".
Não gosto de deixar este quintal abandonado por 24 horas; eu sei, porque sou uma boa jardineira (tenho mão verde), que basta um dia de descuido para estragar toda a horticultura. Por isso, a todos os que cá puseram os pés de manhã (estou a lembrar-me do Ford Motors, do Manual e, calro, do senhor meu chulo literário), mandem cartas de reclamação ao Blogger. Eu estava cansada, não me apetecia nada ouvir o debate a cinco do canal um, mas a Prudência (chata da velha está sempre cá em casa a moer-me o juízo) quase me obrigou a ficar com a televisão ligada a ronronar (eu quase nunca ligo a merda da TV; prefiro ler e escrever do que me estupidificar em frente ao rectângulo mágico; e, além disso, irrita-me o raio da caixa, é anti-decoração, fica sempre mal onde quer que eu a enfie, e estou a pensar pintar a minha Sanyo bordeaux de verde fluorescente; se se foder no processo de "maquilhagem" é da maneira que se acaba a televisão aqui na Martinha e deixo de pagar 20 euros à TV Cabo), e lá no fundo, não sei quê do túnel do Marquês, e tirar 200 mil carros da cidade, eu entretida a contar as novidades à minha mana pequenina homónima, minha fotógrafa oficial, e a escrever um post delicioso sobre o meu dia de ontem.
Há males que vêem por bem?, pergunta o meu amigo Kaos no seu comment anterior (está bonzinho, senhor arquitecto? Já não comentava há muito tempo, seja bem aparecido). Talvez. Talvez o blogger tenha sido amigo em devorar a "posta" da noite passada.
Mas foi um grande dia. Perdeu-se o registo, na espuma da noite, na espuma da net. O blogger ficou satisfeito, era um post cheio de pimenta e piripiri, mas digeriu-se muito bem.

quarta-feira, outubro 05, 2005

Implantação

Os 95 anos da República lá se passaram, uma seca, sala bonita dos Paços do Concelho, cadeiras de plástico pintadas de dourado com assentos de veludo carmim, querubins rechonchudos esculpidos em pedestais e outros anjinhos mais ao estilo arcanjo pintados no tecto do salão Nobre da câmara de Lisboa.
O Carrilho e mais os seus tiques nervosos, o Sá Fernandes com um fato tipo poliester que não lhe assenta nada bem (nem falo dos sapatos, do seu andar à Charlot e dos óculos fundo de garrafa com as lentes riscadas), o Carmona nasalado a proferir um discurso sem graça, e o Ruben, enfim, o mais bem parecido (faça-se justiça, nem parece comuna), zangadíssimo com o pasquim onde vomito caracteres - e não consegui ver se o Sócrates deitou a língua de fora ou não, ao içar a bandeira republicana na varanda da câmara, figura que fez na implosão das torres da Torralta.
Mamas mais uma vez à mostra (é um privilégio ter dias destes em Outubro, a mamita quer aproveitar os últimos raios de sol), olheiras imensas de uma madrugada insólita que durou quase até às cinco da matina, réstias de sorrisos na minha cara redonda - é que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há.

[Bloqueaste-me? Eu apaguei-te]

terça-feira, outubro 04, 2005

Bloqueada

O chulinho amuou e bloqueou-me no messenger. Mas a tarde acabou por ser muito animada no reino das janelas mágicas.

Salto alto

Oitavo dia de campanha já cá canta e, mais uma vez, fui demasiado bem vestida para uma visita às entranhas do túnel do Marquês de Pombal (e, novamente, estive com as mamas literalmente de fora, num vestido de inspiração grega) .
Tenho andado a semana toda sem saltos altos, ando fodida com isso, as chinelinhas são bonitas, encarnadas, motivos árabes, mas 1,63 não é altura que se apresente, sinto-me um taco de pia. Todos os dias suspiro no quarto de vestir a olhar para belíssima amostra do que de melhor se faz na indústria de calçado, conforto os meus ex-libris explicando-lhes que já está quase a acabar, que para a semana vamos poder voltar a fazer um vistão nas ruas de Lisboa, digo aos meus acabadinhos de comprar sapatinhos anos 50, de tirinhas rosa carne, rosa chá e brancas, que vamos arrasar já no Domingo - já decidi que vou para a sede de campanha ouvir o discurso de vitória ou de derrota do Carmona com eles calçados, no pézinho de Cinderela tamanho 40 -, enfim, vingo-me nos decotes porque não posso usar os meus sapatos lindos.
O post anterior deu logo merda pela manhã, com direito a e-mail às nove e picos da matina. Quando se é objecto de idolatria literária, chulinho, é para o bem e para o mal, estava implícito no contrato (eu só não posso divulgar quem tu és - desculpa manual), estou apenas a adorar-te pelo avesso, como na canção que a Elis canta tão bem - "dei para maldizer o nosso lar/ para xingar teu nome, te humilhar/ e me vingar a qualquer preço/ te adorando pelo avesso/ só para mostrar que ainda sou tua/ até provar que ainda sou tua" -, e não vou retirar o post, por mais embriagado e sem nexo que ele pareça a todos vós, por mais que ele te tenha chateado.

segunda-feira, outubro 03, 2005

Mentira

"Mentiroso!", apeteceu-me dizer logo pela manhã, mas era em vão, um consumo de energia escusado, não ouvias de qualquer forma, estás fora do meu alcance vocal - quando eu era mesmo muito pequena, perdia horas a olhar para a mira técnica da RTP 1 e ficava naquilo, horas a fio, à espera de uma qualquer locutora de continuidade ou de um interlúdio musical, na sala dos avós - um quinto esquerdo de um prédio da Estados Unidos da América, com sofás alaranjados de napa, que eram frios no Inverno e quentes no Verão -, e recordo com muita nitidez que a minha ambição para quando para quando fosse crescida, algures depois do ano 2000, era ser tenista (?) e queria também entrar no Guinness com o grito mais alto da história da humanidade.
Cinco anos, desdentada, uma caganita, uma amostrinha de gente e uma formiguita já cheia de catarro, a revelar um feitiozinho de merda. Gritar mais alto? Onde é que eu fui desencantar esta? Tenho bons pulmões, sei gritar bem alto, melhor: sei gritar sussurando, mas os meus dotes vocais contigo não servem para nada nada: o nosso negócio é exclusivamente literário (no outro dia, o JPH, mestre blogueiro, perguntava quem era o "chulo literário" e eu resumi secamente a questão: "é um gajo que só gosta de mim pelo que eu escrevo"; na altura pareceu-me injusto, agora acho que o meu poder de síntese esteve no seu melhor).

Mentiroso! Escrevo, então, se não me consegues ouvir daí.
Descubro hoje, por acaso, que deves ter aberto actividade nas Finanças como chulo literário há já algum tempo, que não sou a única a ter-te como objecto de idolatria literária, que escrevemos parecido e tudo, que gastamos folhas amareladas dos mesmos cadernos caríssimos de capa dura preta e elásticozinho a prender o material literário que nos inspiras e os nossos cês cedilhados foram separados à nascença. Se passas recibos, eu quero os meus, sabes a morada, conheces, inclusive, as caixas de correio, já lá estiveste encostado numa sexta-feira feliz, manda os recibos, pode ser que dê para descontar no IRS.
Não sei que raiva é esta, não me parecem ciúmes, estou imune. Dói-me as entranhas, dói-me mesmo muito, falta-me o ar, e se calhar foi mesmo por amor que tu me largaste, para eu não ser mais uma puta literária à espera da sua dose para escrever mais uns posts em blogues que começam a ter audiências assustadoras (221 pageloads hoje; parece que quanto mais negro e sombrio este terreno fica, mais olhos por aqui se fixam, e não há nada como um post de gaja, desesperado, daqueles que, certamente, muito boa gente - incluindo tu próprio - leu mais do que duas vezes, para eu ver que não estou assim tão sozinha: o primeiro foi o Vring, sempre em inglês - I will be 31 in two weeks from now [I know] and i'm alone and broken..... but what da fck [if I ever get a nervous meltdown like last nights, can I call you, Andy?] you can call me, sure don´t even ask], e tu próprio a dizeeres coisas parecidas, em português, e eu a querer gritar "mentiroso!".
E à tarde, no Atrium Saldanha, depois de o Carmona pedir maioria absoluta em Lisboa, café ao som do Schubert, uma pianista bonita a tocar sublimemente bem, eu sentadinha no banco de mármore frio a vê-la passar as folhas dos cadernos cheios de pautas e colcheias. Fiquei lá mais tempo do que podia, derramei mais uns decilitros de água salgada com a sensação desagradável de ter o cú enregelado, e um tipo sinistro ao meu lado, muito míope, a ler um livro chamado: "você sabe que precisa de óculos quando..." e a pensar, ao som do piano de cauda:"ele ainda está online, põe-te a andar ainda o apanhas online", mas isso não me preocupa mais.
Provavelmente, amanhã a primeira coisa que faço é ligar na mesma o computador, aceder ao statcounter e verificar se já vieste cá ler a produção de mais uma madrugada, mas já não me preocupa mais. Hoje, porque tenho um dedo que adivinha, gravei a nossa conversa como "fim".
Não é ciúme não. Estou a sentir-me vulgar.

domingo, outubro 02, 2005

Talvez

Talvez eu não devesse dizer tantas vezes caralho. Talvez fosse melhor não mostrar as mamas com decotes de vestidos caros, não depilar os pelitos invisíveis dos dedos das mãos e não usar o corrector de olheiras da Clinique todas as manhãs. Talvez não fosse mau ter apenas três pares de sapatos no quarto de vestir (vai na volta, até seria melhor não ter quarto de vestir) e talvez um palmo de cabelo a menos não me ficasse nada mal. Talvez fosse mais sensato não dizer tudo o que penso e pensar duas vezes no que digo. Talvez fosse preferível não ser tão inteligente e se calhar não devia escrever tão bem (a Prudência está a sussurrar ao ouvido que talvez fosse sensato não ter este blog). Talvez fosse mais acertado não dar sempre mais do que posso a quem não merece sequer um pestanejar das minhas enormes pestanas (talvez não fosse mal pensado não usar um rímel lash xxl também) e, se calhar, talvez me devesse preocupar com o essencial e ignorar os pequenos pormenores que mais ninguém vê. Talvez fosse melhor não tratar as senhoras da Retalis pelo seu nome próprio, limitar-me a pedir um crédito pelo telefone, maquinalmente, como uma gravação automática.
Talvez, assim, tudo fosse diferente.

(Talvez, se não estivesses há quase 1200 dias fora do alcançe de um telefonema de emergência, eu não fizesse um dramalhão tão grande pelo facto de a minha mãe me dizer ao jantar que estou à porta dos 30)

Hoje estás literalmente de mamas de fora

Foi a frase do dia, saiu da boca de muita gente, mesmo muita, gajos e gajas.
A indumentária para este dia de campanha era a mesma do dia memorável no Zoo, aqui captada pela minha fotógrafa oficial, Diana Quintela.

zoo2

Frase do dia

Ah, quase me esquecia, hoje foi um dia recheado de frases para o meu cantinho das autárquicas.
Em ex-aequo temos:

"Agora só canto o fado para espantar os pombos" - António Carmona Rodrigues
"POrtugal não tem alvará para ser um país" - motorista do taxi 3 da Retalis

Faz-me um blog

[Sim, JPH, sossega, foi auto-censura, não és um ditador fascista.]

O JPH, camarada de secretária, de secção, e o grande ostensivo das cigarradas no edifício verde onde criaturas com doenças crónicas ficam com o nariz a sangrar (ai, cala-te, censura-te, aguenta-te; estavas a ir tão bem...), andou a ajudar-me na redecoração deste blog.
Perdi o geek de serviço há algum tempo, não volta mais, não vale a pena ter esperanças, e, como ainda não há nenhum "Querido mudei o blog", fiquei à espera que o html do template se alterasse por obra e graça do divino espírito santo.
Gosto deste template. Apesar de adorar a cor laranja (sofá laranja, casa de banho laranja, parede laranja e, agora, até sigo o candidato laranja), e de o Vring dizer que este se lê mal (estás vivo, holandês voador?), não consigo alterar o template da (T)ralha para um daqueles que o Blogger tem à disposição do freguês, muito alegres e luminosos.
Este blog não é alegre nem luminoso. Aqui expurgo os meus fantasmas, lavo a alma à mão com sabão azul-e-branco. E este post, aparentemente inofensivo e de conteúdo light, está a ser esrito por uma alma perturbada por um sms de um chulo literário e pela ideia de o Alfredo já ter sido transformado em sabão num qualquer canil municipal e, por isso, antes de me sentar no sofá laranja, com as pernas cruzadas, para começar a dedilhar este post no teclado que ganha vida própria do meu Compaq velhote, fui passar a ferro. Já sabem que me traz alguma paz, os vincos desvincados dos enormes lençóis bordados pela minha mãe, em vários colégios de freiras do Norte do país de onde ela foi sendo expulsa por comportamentos desajustados. Mas não tinha nenhum no cesto de verga da roupa, tentei almofadas e tee-shirts da minha filha e não é a mesma coisa, não me trazem a mesma clarividência.
O JPH é o responsável pelos linquezitos aí do lado direito e pela introdução de uma caixa de correio deste quintal (sugestões, fotos porno, idiotisses, ameaças de morte - está disponível para tudo, 24 horas por dia, 365 ou 366 dias por ano; vá, tarados da blogosfera, dêem o vosso melhor: são mais de 2,5 gigas à vossa disposição, gentilmente cedidos pela Google). E este hepdesk veio de onde eu menos esperava (é tão bom quando as coisas acontecem assim, sem aviso), é um feito notável, vindo de um senhor que é do mais info-excluído que há, que chama Godzila ao meu Firefox, que teima em classificar o supra-sumo dos browsers open source como "pirata" e "amador". Mas ele anda a ficar meio geek e isso nota-se nos sucessivos liftings que o Gloria Fácil tem sofrido (o JPH também não me deixa linkar o Glória; diz que se o fizer vem cá parar todo o bicho careta; mais uma vez, está a proteger a sua coleguinha de secretária e isto é quase paternal e comove-me). Qual cirurgião estético da Corporacion Dermoestética, todos os dias há uma novidade neste blog de referência nacional. E ele vai fazendo aquilo por tentativa e erro e tem-se dado bem.
Não vou mudar de layout, porém. Este tem tudo a ver comigo, eu sou "morceguita", gosto muito do preto, mas há uns tempos encomendei um logótipo para a (T)ralha e vou cobrá-lo rapidamente, para juntar mais uma graça aqui ao quintal.
Queria também por música, Loja de Porcelanas, dos Clã, a música que eu estava a ouvir no dia em que este blog nasceu, a música, com letra de Carlos Tê, que baptizou este quintal, mas o JPH, mestre blogueiro, assim como me sugeriu a auto-censura do post anterior e me aconselhou a não linkar o Glória Fácil, cortou-me as vazas também nesta matéria e lembrou-me da vocação deste cantinho: "O teu blog é para ler".

Estou ainda a pensar fazer um outro quintal, anónimo, sobre sexo (é o que está a dar; que o diga o manual de deus, que quando escrevia sobre o senhor lá de cima ninguém comentava e agora que aborda a temática sexual é um fartar vilanagem), mas o nome que eu queria (acanzana.blogspot.com) já está ocupado. (Se era para ser anónimo, não devia ter escrito aqui. Bolas... )
Já é tarde e amanhã, Domingo, não é dia do Senhor: é dia de Carmona!