Com coragem para comprar batatas
Passaram vinte e dois dias. Ele é bom na contabilidade dos dias e eu espanto-me. Porque traz a roupa pingona por passar e porque tem apenas três pares de calças, deve ser coisa do ofício da caça à gralha, o que parece às vezes não é, ou se calhar, é outro que está preso à realidade, como eu, pode ser isso, deve ser isso, mas eu é que costumava ser ultra-picuinhas, de me lembrar das insignificâncias que o tempo leva para o arquivo morto muito rapidamente, e ele diz que aceita casar comigo, algures no Jardim da Estrela, sabe-se lá quando, algures entre amanhã e os próximos sete anos, e eu abro a boca de espanto, não por ele ter aceite, nem ponho em causa o acto meio tresloucado de o ter pedido em casamento, apenas o 22 me surpreende - o número em que decidi nascer; o número onde decidi viver até há muito, muito pouco tempo -, me faz franzir a sobrancelha e enfiar a unha mal pintada de cor "uva", do polegar direito, entre as duas mandíbulas alinhadas pela titânio.
22. Não é possível.
E eu estou no primeiro casamento do meu grupo de amigas, numa quintarola que tem uma vista de perder de vista (assim mesmo, com redundância) e conhecemo-nos há quase dez anos, é pouco tempo para uma amizade e, no entanto, é tanto tempo, é o mesmo que eu já dei à entidade patronal que me paga o salário que não chega ao dia 22, e ele diz que passaram 22 dias e eu olho para o céu, e o São Pedro mandou a chuva para abençoar a boda, e pergunto à chuva miúda que me encaracola o cabelo: andam a mexer no tempo, não é? Não são 22 dias, não podem ser 22 dias.
E o casamento acaba - o inominável que tem um blogue de referência em tons de laranja com duas meninas da concorrência directa apoderou-se, há uns dois meses, de um desabafo meu no seu blogue, andava meia triste com esta coisa dos casórios, e todas nós já temos rugas, não sou só eu, eu até sou, por dois ou três meses, a mais nova apesar de ser a que já tem a filha de dois anos e meio, e ele também é mais velho seis meses mas, ainda assim, eu pareço uma trintona que anda a desviar meninos acabados de completar a maioridade -, e eu só não me perco na serra de Sintra porque o Telescópio viveu ali a uns metros numa casinha altaneira, e vou a correr para Lisboa, para a porta número 56 que encontrei com a ajuda preciosa da madrinha Thê, e já estamos deitados, e já só dizemos tolices desconexadas que só se ousam proferir quando a madrugada vai alta, e digo-lhe, e esta é a declaração de amor mais sincera que algum dia fiz: contigo ao meu lado, estou com coragem para comprar batatas pela primeira vez na vida. Estou com coragem, com ele aqui à frente, quase a acabar a segunda revisão do livro que tem cerca de 140 páginas às 3 e 12 da manhã, de fazer a primeira sopa para a minha filha e, no entanto, só passaram (agora) 23 dias.
[Não se pode guardar muito tempo os posts na cabeça porque eles cansam-se, vão dormir e não acordam mais; foi o caso. Este post não era assim, na segunda-feira à tarde]
11 comentários:
22, 636, 50000, existe aqui um fascínio velado pelos números...
Vedado e críptico!
Mas olha, vocês são uns super-queridos. Divirtam-se mucho!
Fico invariavelmente sem palavras quando acabo de te ler. Tudo aquilo que poderia escrever me parece demasiado banal. Gosto de ti, Mrs. 50.000.
Não é uma "uva" qq. É uma uva brasileira! ;-)
É giro ver-te/ler-te feliz!
E amanhã? Temos nabos? Hortaliças? E aquela espécie de cogumelos que todos ouvimos falar mas que eu não conheço?
Estou a imaginar a tua cara completamente distraída a olhar para ele a fazer a revisão... E depois? Saem coisas destas e a pessoa fica sem saber o que escrever... É assim, este blog é assim... Deixa-nos sem palavras!
Li as tuas palvras mais do que uma vez...isso quer dizer muito!
Continua!
E há-des ter coragem para muito mais.
Jokinhas
...DA-SE!!!!!!!!!!!!
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ESTÁS CADA VEZ MAIS BICHADA!!!!!!!!!
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ISSO ESTÁ A PRECISAR É DE "ARREBIMBAR O MALHO" !!!!!!!!!!
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ó caríssimo Eu,
As saudades que eu já tinha dos seus comentários inenarráveis... Infelizmente, não lhe faço o gostinho de ficar zangada, sabe que eu gosto de si (e, no fundo, sei que gosta de mim também por detrás desse nick anónimo e só um bocadinho cobarde). Por isso, volte, continue a alastrar o seu charme pelas caixas de comentários deste blog.
A todos os outros, os que não são corrosivos como suco gástrico, um grande beijinho
E, um Dia(tm) destes, arranjas um bocadinho mais de coragem e vais plantar batatas. Estou mesmo a ver-vos... no campo, a comer as alfaces mais caras de europa mas és tu que as colhes, e galinhas e coelhos, sim, muitos coelhinhos: pá mais qui'tudo brincar.
o anonimato, não é só um bocadinho cobarde, é ...........completamente cobarde!!!!!!!!!, mas enfim cada um tem de viver com a sua cruz..........
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verdade seja dita até já tinha umas suadadesinhas de te "abanar".......
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Jinho, fica bem
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PS: quanto ao "arrebinbar o malho", acho mesmo que te faz falta.......hahahahahaah
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