Espaços de incompreensível
Espaços de incompreensível *.
Este blogue está cheio deles, buracos negros, poços de ar, soluços como aqueles que eu dava no ventre da minha mãe, quando era anfíbia, quando a vida era tão simples e tranquila quanto nadar num mar quente e doce, sem vagas, e só às vezes acordava em sobressalto, de um sonho recorrente: o playback do dia em que escolhi nascer dentro daquela mãe loira e dura, era um sonho de um mergulho a pique, de cabeça, era uma espécie de dor – toda a vida começa com dor, é um aviso para o devir –, e eu despertava com muita sede e, nesses amanheceres, lembro-me bem, tinha a certeza de que seria sempre uma sobrevivente, e fazia-se um redemoinho nas águas paradas e eu tropeçava no lago onde vivi mais protegida, e engolia água, pela boca e pelo nariz, e vinham os soluços, ao som de um tum-tum do tambor do coração da Magui (e este blogue é como um queijo suíço, também, cheio de buracos, a avó Zá dizia-me que era assim porque a vaca estava com soluços quando lhe tinham tirado o leite; e alinhava em todas as minhas explicações estapafúrdias e primitivas do mundo e do Universo; fazia-me crer que era especial, e claro que a lua estava pendurada nos céus por uns cordelinhos).
E vem aí mais um. Um que só fará sentido para mim, que baralha e dá e torna a dar três mil quinhentos e cinquenta e três assuntos num só naco de prosa mal cozido. Nem percebo como cá continuam a vir – arruíno a média de 1,3 posts diários, devia publicar o post em “draft” escrito na madrugada de 25 do 4, cortar o cordão, dar a tão desejada carta de alforria a este blogue, conceder-lhe uma morte bonita, pelo fogo, talvez, imagino uma chama anilada e um fumo amarelado e hinos celestiais, cantados por meninas de dois anos e cinco meses. E abri há pouco o Statcounter, a primeira vez desde segunda-feira, e vejo, sem me importar, sem ficar triste ou contente, que continuam a cá vir todos os dias. Duas centenas e meia de pessoas. Duas centenas e meia de gente é assustador, mesmo para mim, que não tenho pânico a multidões, imagino-as todas aqui, no primeiro piso de um andar “open-space” da Rua Viriato, um quarto de milhar enchia isto, e a máquina do café e o garrafão de água “Selda” da Nestlé não daria vazão à sede de 250 criaturas (e, certamente, há muita gente, como o João, que não me conhece de lado nenhum, apenas daqui, e eu não sou esta, metam na cabeça que eu não sou esta. Esta é o melhor e, também, o pior da Diana]
Nem percebo o que lêem nas entrelinhas. O João diz-me que o escritor que tire os cavalinhos da chuva, que é a falácia não sei do quê – a memória está cada vez pior, conto, cada vez mais, com as hereditárias doenças degenerativas do sistema nervoso central, esqueço-me, esqueço-me, tenho que parar, tenho que deleitar os meus sete sentidos com montanhas de hortenses azuis, plantar-me ao sol, tenho que destilar os meus medos e distúrbios numa atmosfera sufocante com 100 por cento de humidade relativa, passar os dias a contar sardas e sinais, para ver se me recomponho, se volto à condição de extraordinário reservatório de conhecimentos inúteis –, que é um erro, uma perda de tempo, tentar ler condicionado pela intenção do autor (é a falácia da “intenção, diz-me ele da janelinha do Talk, na árdua tarefa de rever 180 páginas de enfiada). O autor, portanto, que se cure da síndrome centro do mundo. Cada um lê o que quer, cada um vê o que quer, tudo bem, ainda bem que é assim, teriam pesadelos se percebessem tudo, é como diz um leitor atento, muitas pontas soltas, grande poder de síntese, ou grande desassossego, diria eu, seria essa a minha interpretação dos textos em arquivo, a ganharem mofo.
Fiz o impensável. A vida está dura, apercebo-me, e os loucos – tenho um L na testa – perseguem-me. Bem, sou como pão para malucos, e a frase não é minha, tenho pena, não sou assim tão genial, a frase é mesmo de um louco com quem privei há uma hora atrás, antes de bater à “máquina” (ao computador, mas não fica tão bem) uma carta de uma leitora indignada com as quotas de produção de leite impostas pela União Europeia (os fins-de-semana de “piquete” são do melhor…). Sento-me nas mesas deprimentes do Pingo Doce da Tomás Ribeiro - e isso é o impensável: em vez de ir lanchar ao Storia D’el Caffé, não, fui ao supermercado comprar uma sanduíche e um pacote de leite com chocolate Pingo Doce e sentei-me na esplanada improvisada, junto ao vasilhame, com a provedora da Jerónimo Martins impressa, em tamanho real, ao meu lado, e o brasileiro da Selecção, como se chama?, eu vivo num mundo à parte, enfim, aquele que tem bigode e vende relógios do Euro2004 no canal 18 da TV Cabo, a apelar à solidariedade, e nada de extraordinário acontece. Isso é que era bom. Não um, nem dois, mas sim três loucos merendam no refeitório da Jerónimo Martins (e não estou a contar comigo; ainda bem que chegaste, João, ainda bem que chegaste à 50.000ª visita – como é que isto se diz quinquagésima milésima visita? – porque eu estava por um fio, porque os bonsais da sala morreram por mim, e o jasmim de Madagáscar também, foram saco de pancada de tudo de mal que tem acontecido, aguentaram o impacto, protegeram-me e ainda bem que chegaste porque isto acontece todos os dias, mais do que as pessoas acham, passa-se a fronteira com a mesma facilidade que se paga 60 cêntimos por uma bica sem se refilar e sem se dar conta que são 120 paus e que se podia comprar três pacotes de leite com chocolate no Pingo Doce e ainda receber três cêntimos de troco), um que chega já estou eu a acabar o pacotinho de leite com chocolate, traz um saco de pequenas baguettes, chamam-se brasileiros e sabem a plástico, e diz-me: vou dar pão aos malucos. E sim, confirma-se: abre o saco de plástico e distribui pães entre o homem de pouco mais de 40 anos que fala sozinho – desatenta, assumi que estava a falar ao telefone, através de um auricular bluetooth –, o velhinho de casaco azul-escuro pintalgado de caspa (devíamos poder adoptar palavras de outras línguas; caspa é feio e “dandruff” é delicioso) e ele próprio. E eu retirei-me, devagarinho, sem fazer barulho, sem os incomodar.
O piquete chega ao fim, passa das oito da noite, e o fim-de-semana resume-se à carta da leitora que acha que o leite em excesso devia ir para os países onde a fome grassa, e já dei de comer aos leitores, também, tenho saudades, imensas, da metade loira de mim, que passou o fim-de-semana fora de casa, sem não antes se despedir, no sábado de manhã, com um trágico e teatral: “Ohhhh nãooo, mamã…. Ohhhh Deussssss…”. É especial esta minha filha que também soluçava dentro da minha barriga, que canta missas de Mozart e Sérgio Godinho no percurso automóvel Santa Marta- Estados Unidos da América.
* espaços de incompreensível é uma expressão do João. Do meu João.
12 comentários:
Antológico (maizum)!
ahahahahahahahahah! Cóquentão: Mrs. .....000?
fdx...!
é o Scolari, o brasileiro do bigode, a fonte de todas as esperanças.
faço parte dos 250 que cá vêm. e venho sempre, tds os dias, mais do que uma x por dia.
e este é mais um post mt bom.
e é por isso que nós cá vimos. Por que os teus posts são bons, seja lá qual for a média posts/dia. (bom trocadilho este) bjs
Primeiro as pessoas são gente, não passam de um número, de uma entrada marcada no sitemeter. Tens apenas direito a dizer 33.333, «estou aqui deste lado do ecrã» e levar com uma receita prescrita para a farmácia mais próxima. Com o tempo, vão-se ganhando letras. «Mas sabes X, gostavas mesmo que entendesses isto...» Seguem-se as siglas, os petit nons que se prenunciam com mais ou menos carinho, conforme a conversa e a revoada. Vêm os nomes, para marcar as frases, a importância do que se está a dizer. Pronunciar um nome é como fazer uma pausa. Uma espécie de confirmação: conheço-te, espero isto de ti, ouves, és confidência. Asseguras que mesmo em desacordo, estamos ali, estás ali, para o que der e vier, mais não seja até ao próximo post.
No último passo, o tal, quando a coisa fica mais serena, ganha-se o nome com todas as letras, com direito a papel passado de vinte e cinco linhas (desculpem o mau gosto mas gosto de números por extenso), e direito a citação escrita. Também podes ser apenas sigla, às vezes a um pequeno nome ofensivo na linha de golo. Como que a cunhar uma discordância. Um desabafo na pressão limite. No acumular dos posts, já se fala por meias palavras, meias frases, na certeza da compreensão. Não há que se dizer tudo. Apenas o essencial. Pode ser que descubras o resto, pode ser que não, mas estás ali, não há medos, subversões, partimos juntos de walk-talkies ligados mesmo que por auto-estradas diferentes.
Mas o caramelo passou até esta última barreira: ganhou direito a pronome possessivo, masculino singular. A porta fechou-se. Ele é dela. E não estou a falar da escova de dentes ou de outros truques para atraiçoar a placa bacteriana. Agora, ele já pode interromper-lhe pensamentos sem a eles mais voltar. Ganhou o direito a posar na fotografia e, ainda por cima, arrematou-a de borla e com garantia sem o prazo limite de apenas dois anos. Qual é a tua, oh, meu?
um post (33.333) dentro de um post..
esta musiquinha q está a tocar é que é altamente tb... bjs
Já não estás viciada em estatística! :D Agora a tua estatística é outra!
Vejo todos os dias que a tua vida corre bem, basta ver o nick no Messenger que não diz muito para umas quantas pessoas mas que diz tudo para os outros. É sempre com um sorriso que o vejo. Estás feliz e mereces como ninguém minha querida! Que este blog onde derramaste tanta tristeza se transforme agora num blog onde derramas apenas felicidade, nessa tua escrita peculiar que nos deixa completamente dependentes. As tuas palavras são o meu café e o meu cigarro de manhã, são aquele chocolate que tenho que comer todos os dias. São uma droga que preciso de consumir todos os dias. Mas ao mesmo no dia em que tudo acabar sei que tudo estará ainda melhor. Porque a partir daqui só pode melhorar mesmo. :D
Maria, fizeste-me sorrir logo pela manhã. Já não sou viciada em estatísticas, mas continuo agarrada aio vício matinal de "checkar" se alguém comentou durante a madrugada. Geralmente comentas tu e a querida Isa , a horas em que os passarocos já se estão a levantar para mais uma jornada de trabalho (Cristo! que agora parecia mesmo uma sindicalista a falar...)
Temos que combinar um jantar da blogólhada de novo. Eu também adoro os teus nicks no Msn - aquilo é mais uma companhia, tipo TV, está sempre ligado mas longe vão os tempos em que eu tinha grandes diálogos, pela tarde a dentro, a par da concepção de notícias.
Bem, um beijo a todos, tenho que ir acordar a cachopa loira, que enfiou uma haste dos meus óculos nos seus olhinhos azuis e, que, por isso, está com um terçolho enorme.
Ah, Maria, escreveste o comment a uma hora mágica: 3:13 (posso não estar viciada em estatisticas, mas em capicuas continuo)
Querida, esqueço-me sempre de dizer bom dia... BOM DIA!!! :D
Realmente o meu messenger anda sempre ligado, nã consigo desligá-lo e sabe-me bem chegar a casa e ter recados a piscar... Eheheheheh!!!! Boa vida que ando a ter... ;)
Temos que combinar sim senhora esse jantar. A ver se não estou a trabalhar mas isso troca-se! Eu prometo que falo mais desta vez, ou melhor desta vez falo! Ahahahah!
A musica que está a passar no teu blog é de quem?
Olá João,
É do Yann Tiersen, banda sonora do filme Good Bye Lenine.
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