terça-feira, fevereiro 21, 2006

Black bird [em draft há muito tempo. Para o 33.333]

[estava há demasiado tempo em draft, a ganhar teias de aranha e mofo; os drafts preparam uma nova revolta e da última vez que se amotinaram eu quase enlouqueci; dei a liberdade condicional a este post, que ficou-se pelo prólogo. Têm a mania que eu sou a melhor escritora mas enganam-se. Quando é a sério, quando é mesmo a sério, eu não consigo]

Se eu começar este post antes da meia-noite, antes de virar bruxa má (não tenho perfil para gata borralheira e prefiro andar no céu de vassoura do que no chão de terra batida, aos solavancos, numa carruagem feita de abóboras), toma este embrulho: não rasgues o papel que é muito bonito, cor de vinho com motivos barrocos impressos a dourado; é para abrir com jeitinho, é muito frágil, é para lavar à mão com Woolite a temperatura baixa, é o teu presente de anos (o relógio do Ibook diz que sim, que eram 23 e 59; escrevi o "Se" e virou para as 12:00).
Se não, se o Blogger o publicar daqui a uma hora e meia, tempo médio de incubadora de um post deste blogue, já com a data de Sábado, dia 4 de Fevereiro, tant pirre; mas é para ti de qualquer forma, eu é que tenho a mania que sou intensa, eu é que gosto de encher a minha vida com estes reptos que não servem para nada, só para eu andar entretida, para não me cansar da vida, ainda há pouco andava perdida pelas ruas da Lapa e surgiu este, para me fazer companhia no labirinto de ruas com casas bonitas, muitas delas abandonadas: se eu arranjar lugar de estacionamento em frente à porta, pelo décimo primeiro dia consecutivo, algo fantástico vai acontecer nos próximos três dias.
Estás a ver como é?
São as vozes da minha cabeça, não chateiam, até me acalmam, eu já estava com um nervoso miudinho, peito encostado ao volante, olhos em busca de um ponto de referência qualquer, às voltas no labirinto sombrio do teu bairro fino: respira fundo, hás-de sair daqui, pensa, o que é que conheces na Lapa? Pouco, mesmo muito pouco, a UGT, a sede dos Trabalhadores Social-democratas, isso é tudo na Buenos Aires, não devo andar longe, mas eu já te disse que nunca fui ao jardim da Estrela?
A Lapa às escuras é bonita, dizes-me que, de dia, tem melros à cata de minhocas, e deixa-me contar-te que onde eu cresci também havia melros, ia para o liceu às primeiras horas da manhã e via melros no estádio 1º de Maio, do Inatel, vês, 1º de Maio não tenho quaisquer problemas em escrever, é só o 25 do 4, mas o estádio antes era da FNAT – Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho – e eu ia lá muitas vezes com o Hugo e com o tio Manuel, e ele, a meio dos anos 80 ainda lhe chamava FNAT, a minha mãe ainda lhe chama FNAT, deixa-me dizer-te que tinha o lugar de estacionamento à porta pelo décimo primeiro dia consecutivo, que os três dias já passaram, passaram quase vinte e nada de extraordinário me entrou pela ranhura da caixa do correio a dentro (eu nunca recebi uma carta de amor, eu queria um dia receber uma carta de amor, em papel, num envelope, tenho aberto a caixa de correio que tem uma lata de um quilo de comida de cão lá dentro, a caixa, castanha, que quase nunca abro, porque ainda me dói, queima quando lhe toco, mas tenho-a aberto à espera de algo extraordinário) e, um dia, convenci-me que os melros eram mau presságio. Vi um bando deles e aconteceu uma coisa horrível nessa semana: eu tinha entrado na faculdade, e os gatos da Magui começaram a morrer como tordos, morriam sem explicação, ficavam com o olhar perdido, vidrado, como os olhos das bonecas, sabes como é?
E eu lembro-me de pegar na Eva, que era uma persa azul, era a minha gata, de ver a minha imagem com ela junto ao peito a triplicar, no toucador arte nova do quarto da Magui, e dizer “Não, não, não”, assim, três vezes, tantas quantas as imagens reflectidas nos espelhos do toucador. Passadas algumas horas ela estaria morta, eu sabia disso, nessa semana, morreram 17 gatos e eu deixei de chorar pelos gatos, e ainda hoje não estou certa que os melros sejam bom presságio.

[O resto da tua prenda há-de ser parida. Um dia]

3 comentários:

Isa disse...

adorei mais este post. gosto cada vez mais de te ler. sério, parabéns!

Beijos,

CDS: o meu pai tb diz FNAT!!! :-D

Mary Mary disse...

Também gosto mais de ser bruxa, tem mais piada e com este nariz, ui ui!!!

Já vivi também na Lapa, mas em que zona ainda é que eu não vivi? Hum, qualquer dia escrevo sobre as minhas casas... :)

Qualquer dia ainda recebes uma carta de amor, vais ver! E depois nunca mais param... :) Também nunca recebi nenhuma agora que me lembro mas já me escreveram umas quantas coisas...

[ t ] disse...

eu sou só meio louca, e este post deu-me uma ideia daquelas que enfim... até já! risos