Brancas
Era uma amiga anterior ao blog, desconhecia que os dias se escreviam aqui.
Depois do almoço, sobre o laguinho do Picoas Plaza, sítio recolhido por guarda-sóis e aquecedores a gás, onde os pardais eram menos mal-criados e mednigavam lá de longe por umas migalhas e restos deixados nos pratos do almoço, ficou a saber da sua existência.
A outra ficou de lhe enviar o endereço por email. Esqueceu-se. Foi uma sexta-feira dura, o 13 tinha passado há muitas folhas da agenda, mas foi 13, para si foi 13. Não sabia porque esperava outra coisa. Dizia para dentro, em silêncio, com o dedo pai de todos enfiado na boa, já em carne viva: a sorte protege os audazes, mas a mediocridade vence sempre; só se dá bem quem não tem noção das suas limitações.
A partir de agora, iria usar, para sempre, tatuado no braço direito, o epíteto, "miss 90 por cent". Por mais que trabalhasse, por mais que desse de si, por mais que nunca chegasse a tempo de dar banho ou jantar à sua filha geneticamente modificada (por que outra razão teria a pequenina olhos azuis e cabelos dourados?), era sempre avaliada a 90 por cento.
Estava triste. Levava o coração ao peito e isto não era uma figura de estilo: levava, realmente, o coração ao peito; a Magui comprara-lhe um gigante coração de Viana, era suposto abri-lo apenas no seu aniversário, mas ela fazia anos no fim de Julho, não era justo ter o coração fechado tanto tempo; para corações amarrados, banhados a titânio, inquebráveis e à prova de bala, bastava o que lhe batia do lado esquerdo do peito (e isto sim, é uma figura de estilo; qual não sei, já não sou tão boa nisto como era antes).
Chorou. Não sabe bem porquê, mas chorou, escondeu as lágrimas atrás de uns vasos de bambus de plástico, descolorados pelo sol de Verões passados. A amiga reparou nos seus cabelos brancos. Todos os dias nasciam novos cabelos brancos, ela já não os contava, sequer, via-os, à contra-luz, de manhã, no único espelho da casa, o dragão do Gaudi, que comprou no Bairro Gótico de Barcelona, e nessa mesma viagem, numa Páscoa cheia de chuva, uma bruxa disse-lhe, nas Ramblas, que ia ser terrivelmente feliz, depois de viajar muito, mesmo muito, pelo mundo inteiro.
Gostava do inesperado. O telefone tocou, o almoço foi combinado daí a dez minutos, chorou, não por ter sofrido um ataque de auto-comiseração; era demasiado orgulhosa, era demasiado forte para ter pena de si própria. Chorou mais uma vez de raiva. E com aquela lágrima, entre três, ou quatro Davidhoffs, nasceu mais um cabelo branco.
2 comentários:
Oh minha querida, custa-me ver-te assim, não mereces estar triste... Se eu puder fazer alguma coisa para animar diz... Estou aqui para o que der e vier... Um grande beijinho
Não te preocupes, xuxu, isto passa. Passa sempre...
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