quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Nada de sexo no Ikea [post quase anti-depressivo]

Foi um pouco como no dia de ano novo, no bar do Guincho, em que o casal sem sal se levantou, incomodado, lançando para o ar, um enjoado desabafo “há pessoas que não têm noção”, mas não foi bem um desabafo, nem sequer se pode chamar àquilo de desabafo, foi uma provocação cobarde, não gosto de gente que em vez de correr para a frente, corre para trás, que não enche o peito para parecer maior, que não levanta a crista, não suporto gente que não olha nos olhos. E eu e a thê e o João só estávamos a falar na demanda louca por um novo paradigma das relações amorosas, ou se calhar estávamos a falar de paneleiros, já não sei, o problema é que eu tenho muitas dúvidas, eu questiono tudo, busco a perfeição das coisas, das mais pequenas até e gostava de entender, a sério que gostava, a dona Ester até sugere à sua filha thê a minha homossexualidade apesar de nunca me ter visto na vida, apesar de saber que já tenho descendência, mas eu comentava apenas uma infeliz história de amor gay que me foi revelada, de dois homens que se amavam muito, mas que optaram por seguir caminhos diferentes, porque gostavam do mesmo (foi-me contado mesmo assim, com estas precisas palavras).
E eu sou naïf, sei que não parece, mas sou, não percebi o que isto queria dizer, fizeram-me um cartoon que incendiaria as representações diplomáticas portuguesas de todo o mundo, se tivesse sido publicado num jornal impresso em folhas de bananeira do Burkina Faso (esta história da Noruega dá cabo de mim, puta da globalização, não me bulam com a Noruega, que nos fodem os bacalhaus e eu não sei viver sem o raio do peixe que, no meu imaginário infantil, nadava nos mares gelados do Norte, junto a carradas de petróleo, já espalmado e seco, sem cabeça ou olhos, lembro-me o preciso momento em que, depois de muitos meses a pensar na peculiar anatomia do bicho, a franzir muito o sobrolho e a meter o pai de todos na boca, decidi desfazer todas as minhas dúvidas metafísicas em relação à fisiologia do bicho, e perguntar à avó Tóia, no então Pão de Açúcar da Conde Sabugosa, estava ela a tirar da prateleira um pacote de massas com letras de marca branca, chamava-se assim mesmo, produto branco, estava a atirá-lo para o carrinho das compras, quando eu lancei a minha dúvida: Onde é a cabeça do bacalhau, vovó?).
Gostam do mesmo, ou seja, gostam os dois de levar no cú. E o amor não resiste a isto e estávamos nós a discutir esta problemática e cintos com dildos acoplados, uma bela conversa para o primeiro dia de 2006, sentados perto da lareira, com os sentidos inundados de monóxido de carbono, quando os queques da linha saíram-se com essa do “há gente que não tem noção”.
Este post é para rir. O prelúdio, a posta do lombo que está aí abaixo, é triste, bem sei. Por isso, dei-lhe liberdade, autonomizei-o, separei, com êxito, gémeos siameses à nascença. Porque entrei na loja decorativa, vestida de preto, com um decote indecente, meias encarnadas (sempre que estou com o período abuso do encarnado, mas ainda ninguém reparou na lógica da coisa, que é apenas de 28 em 28 dias que abuso desta cor que significa perigo em toda a natureza, ninguém repara em nada, sabem lá que é às 17h30 que a câmara acende as luzes da cidade) e sapatos tamanho 40, lindos Stilletos comprados a 20 por cento do seu imoral preço, saltos a incrementarem em 12 centímetros a minha mediana altura, entrei acompanhada do meu querido e divertido decorativo, e não pensei mais no Zambujal, não pensei mais no Pax ou na Maria, nem no amor da minha vida, no que perdi, no que ganhei por ter perdido.


Tem esse condão, com um pacotinho de gomas de ursinhos na mão e uma barbicha de meia-foda, um sorriso sacana, uma voz de acordar doentes comatosos, e vinte e dois caralhos por minuto (muito além da minha melhor marca pessoal, que se fica nos 17), que incomodariam muitos casais pseudo pudicos (pudico não leva acento; nãoé uma gralha; é horrível, eu sei) sentados em bares da linha de Cascais, e a linha, ensinou-me a thê, e eu nunca mais esqueço, acaba em Cascais e não no Estoril, como eu pensava.
Fizemos um trato à janela do Messenger. Nada de sexo na visita à cadeia sueca. Íamo-nos portar bem. Objectivo da visita: comprar umas coisinhas para a casinha nova com vista para a ponte sobre o Tejo, candeeiros, tachos, toalheiros, porta-rolos de papel higiénico, piaçaba, eventualmente, um tapete para o quarto e para o hall de entrada. Condicionantes: um baixíssimo orçamento e nada de sexo.
Com o decorativo descobri que tenho cara de foda queca, melhor, que, efectivamente, sou uma boa foda (isto devia estar em aspas; não fui eu quem disse) e ele insiste que apalpar mamas e dar palmadas no rabo, nos corredores do IKEA não é sexual, eu cá sou bem mandada, quando entrevistava ministros nunca largava calão, estou domesticada, não o apalpei nunca, e o espectáculo só começou na recta final ao saque à loja de decoração, quando o porta-rolos de madeira que ele tinha escolhido para a sua casa-de-banho, com peixinhos colados nos azulejos, estava esgotado e ele verbalizou, em volume 37, junto a uma senhora com aspecto anorgásmico, que “anda tudo a cagar demais neste país, é o que é, ò caralho!”

No domingo da neve, andávamos à cata da roupa espalhada pela sala, a pendurar os quadros que tinham caído das paredes, isto foi antes de o meu querido inominável ter ligado e se ter apercebido pelos meus monossilábicos sim e não que algo se estaria a passar, mas, ainda sugeriu que eu escrevesse para a revista Atlântico antes de desligar, a conversa foi longa e o decorativo (ele adora ser chamado de decorativo; dá-lhe um quê de objecto sexual) foi fazer o jantar, e depois desliguei o telefone e achei que se estava a tornar um hábito preocupante eu e o inominável falarmos ao telefone depois de um, ou outro, ter ido para a cama com alguém, mas o adorado homem que andou a dormir na minha cama e que cozinha muito bem, e que passa as suas próprias camisas a ferro, contou-me como o casamento de uns tios tinha acabado, estupidamente, digo eu, depois do tio ter encontrado a tia a evacuar no mato.
Pois muito bem, o orçamento do meu decorativo era baixo, demasiado baixo, e a casa dele é muito bonita, não achei certo que a casa-de-banho fosse decorada com uns toalheiros manhosos e porta-rolos de papel higiénico igualmente rafeiros, esgotados que estavam os de madeira e, daqui para a frente, sempre que estiver a limpar o rabo, lembrar-se-à de mim, do belíssimo porta-rolos inox que lhe ofereci numa espécie de prenda do anti-dia dos Namorados.
E em frente à mesmíssima senhora que não sabe o que é um orgasmo há cinco anos 67 dias e 13 horas 25 minutos, eu: “Decorativo, não permito, não levas essa merda, deixa-me oferecer estes em inox, são iguais aos meus, anda lá, tu não és um qualquer, tens que cagar com alguma dignidade”.
Com o seu orgulho de macho ligeiramente amolgado, apalpou-me outra vez o rabo, pagou ele o seu próprio piaçaba e, em troca, ofereceu-me o escorredor de massa encarnado e comprometeu-se, também, a pendurar o candeeiro da sala de jantar.
Bela troca, mas, regressando à alegoria do divórcio dos tios dele, acho que acabo de arruinar uma bela queca.

4 comentários:

Mary Mary disse...

Eheheheheheh!!! Também achava que os bacalhaus estavam no mar já espalmados. Ainda me lembro da primeira vez que vi um com olhos e escamas e principalmente fechado, toda indignada achava que me estavam a enfiar o barrete... :P

Anónimo disse...

Genial. Bom para a Atlântico...

oldmirror disse...

Ir em missão celibatária ao IKEA é o mesmo que uma edição do Público sem o cantinho do "Público errou". É o desmoronar do mundo que conheciamos.

Dia disse...

Errar é humano, persistir no erro é jornalismo...