A caminho do IKEA
Eu vivi ali, 200 metros acima, paredes-meias com o Bairro do Zambujal, rodeada de gente ordinária. Fui feliz.Ali, no meio da improbabilidade. Fui suburbana, não tinha cafezinhos ou mercearias com gente patusca (e quem diz patusco é o meu avô Ralha, o tal que eu não tenho notícias, mas isso, em princípio é uma boa notícia) que me contasse historietas que dessem posts, ali só havia o Jumbo e o Continente, mais tarde, a Decatlhon, mas não se perdeu nada, também, eu não sabia que sabia escrever, via telenovelas da TVI deitada na chaise longue, mas, ainda assim, era muito feliz. Tinha uma casa com um terraço gigante, com um barbecue que nunca foi usado, tinha palmeiras roubadas de um viveiro abandonado meu vizinho, tinha dois grand danois, o Pax, todo preto, a Maria, que parecia uma vaca da Mimosa, ou uma dálmata com problemas de gigantismo (eu penso na Maria quase todos os dias, também não conto a ninguém, mas penso nela todos os santos dias), tinha, na minha cama, o grande amor da minha vida, tinha puxadores dourados nas portas que sempre detestei, mas não importava, sabes, era o que menos importava, o móvel da casa-de-banho arrepiava-me, a casa ter sido construída pela cooperativa de habitação da UGT também, lembrava-me sempre dos dentes podres do João Proença, tinha um Twingo e um Frontera longo 2.8 TDI, tive tudo isto aos vinte e poucos anos e deixei escapar, e tu não ouviste nenhuma alteração na minha voz, não escutaste um silêncio que, de facto, não durou mais do que uma semi-breve escrita numa pauta, não reparaste que a mão direita deu três carolos na manete das mudanças, numa raiva contida.
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