segunda-feira, abril 17, 2006

Zé Bastos [saturday night]

[Se forem a ver, Zé Bastos, já em Sines não tínhamos nenhum canabináceo connosco e divertimo-nos como uns piaçabas, no redemoinho da descarga do autoclismo. E se o Zé Bastos dos cabelos encaracolados garantir que volta a Sines este ano, eu cedo a minha cama na pensão que a Teresa já reservou, ou pensa reservar o quanto antes, e vou acampar com ele, de novo, para uma qualquer praia em que acorde com o sol de chapa às nove e picos da manhã e com os pescadores mirones, a tentarem perceber se rolou sexo (ou trepa – um Zé Bastos ensinou-me este vocábulo no Domingo de Páscoa, à saída do Incógnito, muito perto das seis da manhã) por debaixo de um edredão roxo acabadinho de sair da 5-à-sec (e que presença de espírito, ter dois edredões na bagageira do Idea e, sim, é verdade, vou contar-lhes Zé Bastos; se há coisa que eu faço como ninguém é a auto flagelação: nessa madrugada eu disse um surreal “não me ponham areia nos edredões”, quando nos preparávamos para destilar o álcool consumido naquele festival junto às ondas do mar].

O plano para Sábado era ajudar o Telescópio (agora e para sempre Zé Bastos) a mudar os seus trapinhos do Bairro das Colónias para a residencial Zé Bastos, três assoalhas entre o Príncipe Real e a saudosa Praça das Flores.
Trapinhos o tanas. Dobrei cuecas, camisolas, chiça, que o gajo tem tanta roupa como eu, enfiei tudo em mochilas de campismo, e ele não teve hipótese, não podia esperar outra coisa ao pedir-me ajuda e carro nesta mudança: o Sagrado Coração de Maria de néon que lhe ofereci pelo Natal há três anos - e que iniciou uma tradição sinistra de oferecermos as coisas mais surreais pelos natais e aniversários – foi com ele, terá que ter lugar de destaque na residencial (e repara como sou matreira e os três volumes das memórias da Irmã Lúcia que me ofereceste de “prenda de mudança” estão no teu caixote de papeladas e fotos, algures no chão do ninho de ratos para onde te mudaste no passado sábado).
Eu achei que teria de carregar móveis, edredons, bibelôs, o Zé Bastos carregou em Julho, quatro andares a cima, dois roupeiros cheios de roupa, era o mínimo que podia fazer. Por isso, fui de ténis. É certo que tinha os saltos altos no saco, para a eventualidade de ter de emprestar algum glamour à mudança. Mas não me maquilhei, não estiquei o cabelo, e até o prometido decote até ao umbigo não passou de uma vã promessa.
E a mudança, para mim, não foi além de uma estante de cd’s vazia com pés de pato e duas mochilas de peso aceitável para quem carrega todos os dias uma loirinha de 15 quilos a contar até 60, e não é a contar segundos que subo, é a contar degraus, mas numa outra madrugada, com o 50.000 (mil perdões se está a ser demasiado citado, mas é que gosto de si), descobri que há sempre alguém pior que nós, que a contagem deste meu amigo da caixa de comentários vai até aos cem.
Começou bem. À porta do 25, malas e caixotes à entrada e chave não nem vê-la. Telefona ao Zé Bastos senhorio, que larga o terceiro Zé Bastos, o que me deixou passar o “rio” com as rodas enormes do Frontera, algures no Bairro Alto.
Ninho de ratos. Buraco. Um monitor de 21 polegadas que o Zé Bastos dos caracóis te empandeirou sem vaselina (acho que o sagrado coração de Maria de néon pode ficar ali, em lugar de destaque). Caixotes por todo o lado. Tijolos no hall e um enorme espelho de moldura dourada. Casa de homens.
Vais-te perder. Eu sempre disse que te ias perder nesta alteração de morada. Não pensei que fosse literal, estava mais a pensar numa coisa de copos e gajas. Depois de ter visto a residencial com os meus próprios olhos tive pena da empregada doméstica dos Zés e a absoluta certeza que te vais perder nos próximos cinco meses. Entre a tralha e a confusão que vai naquela casa.
Jantar num Bairro Alto cheio de espanhóis e poucos portugueses. Jantar não. Uns petiscos. Que saíram caros. Vinte euros por um picapau e um hambúrguer. Cinco jarros de sangria, ok, está tudo explicado.
Eu e o Zé Bastos dos caracóis, o senhorio, falamos da pobreza em África. Utópicos, na doçura dos nossos 27 e 28 anos, aventamos soluções, mais uma hora e apanhávamos o avião e íamos cuidar da fazenda de café da sua família.
Passeio pelas ruas. Imperiais. Vontade de fazer xixi. Aparece um amigo a quem os Zés chamam de “comuna” e eu já estou por tudo, na tasca, a comer picapaus e a beber sangria atrás de sangria partilhei a mesa e a bebida com elementos do PCP (gostei da ex-deputada) e portei-me bem, apenas um bocadinho de urticária, mas portei-me bem, não fiz passar nenhuma vergonha (acho, porém, que à conversa com o Zé Bastos senhorio, ainda disse que era de direita, mas ninguém ouviu).
O “comuna” comprou uma mota, blá, blá, blá, não me lembro de muito mais e vamos para o Incógnito. Imperiais, imperiais, ex-estagiários de caracóis loiros a dizerem-me, etilizados, que eu sou o melhor do pasquim, que sou a luz deste buraco, a maior, que delirava com as conversas ao telefone que “metiam muitos caralhos”. Dançar, dançar, dançar e ainda bem que não troquei os ténis pelos saltos altos. Até fechar. Conduzem-nos à saída, o Zé Bastos inquilino ensina-me a palavra trepa.
Vamos comer uma cachupa (abriu um restaurante no meu prédio que tem cachupa rica). E eu a achar que era em sentido poético, mas não, segundo andar de um prédio decadente, paredes a escorrerem gordura, um gato laranja ao meu colo. O Zé Bastos senhorio a fazer birra de sono. Eu sem um cêntimo na carteira. Come a cachupa e chama um táxi que nos leva à residencial Zé Bastos.
O Zé Bastos do mato, do todo-o-terreno, dorme no sofá. Só me resta o chão. Venha ele. Almofada e manta por cima. Confortável o tapete. Durmo até às nove e dez da manhã. O ronco do Zé Bastos recém-inquilino é insuportável. O que dorme em cima de mim, no sofá, tem um sono limpo e tranquilo, delicioso. Fico uns minutos a olhar, não abusivamente, porque ele está a dormir um sono bom. Dorme enroscadinho numa manta laranja.
Insisto, tento dormir mais uma hora. Impossível. Na casa-de-banho tenho o pressentimento que, quando achar o amor, ele vai-me roncar de certeza.
Saio em pezinhos de lã.
E não vejo a hora de voltar à residencial Zé Bastos.

2 comentários:

Telescópio disse...

Falta apenas dizer que, no meio dos cinco jarros de sangria, unimos aos mãos ao lato para cantar o «We Are The World». Lindo.

Welcome anytime. ZÉ BASTOS.

Isa disse...

and now 4 something completely different: adorei mais este. bjs