Fadinhas e tremoços
Meia noite.
Fadinha, como se chama aquele feijão que tomámos junto com a cerveja?
Sms holandês, directo de Amesterdão.
Eu desmaiada a meio da cama, de barriga para baixo, estoirada - desde que me mudei para a Martinha passei a dormir a meio da cama, expandi os meus horizontes, resignei-me: não vai aparecer ninguém para ocupar o lado direito da minha cama e a meio é que está a virtude, parafraseando os meus amados ditados (no Amélie Poulain, uma personagem do Jeunet acredita que quantos mais provérbios populares se sabe, melhor pessoa se é...)
Não vem assinado, é de um número que não conheço, mas eu sei que só há uma pessoa neste mundo que me chama "fadinha" - há uma outra que me chama "meu doce", ou "doce dia", de quem eu tenho muitas, muitas saudades.
"Fadinha, como se chama aquele feijão que nós comemos junto com a cerveja?"
E eu, meia cega, meia atordoada, meia triste por andarem para aí a matar pombos a torto e a direito: Stucky, do que falas? Arrisquei: "pataniscas de bacalhau com arroz de feijão?" (eu levei o Stucky a comer pataniscas na noite em que o mar o trouxe até a mim, uma noite inesquecível, nas esfumaçadas escadinhas perto da Bicaense, podia ser isso...)
"Não... Não te lembras? No porto, da primeira vez... Parecia favas. Num pratinho. Como se fosse amendoins"
Uma tarde maravilhosa na Rocha do Conde de Óbidos, uma hora com o meu marinheiro, a minha fadinha ainda muito pequenina, ainda andava à frente na cadeirinha, costas voltadas para o trânsito, a minha fadinha a dormir e eu aflita para fazer xixi, parada no trânsito em Alcântara.
Tremoços!
Os feijões que o Stucky queria saber como se chamavam, sabe-se lá porquê, na noite holandesa (quererá importar tremoços?), são tremoços!
Eu adoro tremoços. A avó Tóia fazia-me as trançinhas, encaracolava as pontinhas do cabelo, e depois iamos à praça de Alvalade comprar cartuchos de tremoços, na banquinha do senhor goês, que desde sempre se apercebeu que eu também era da terra dele.
A Magui preocupa-se com o aquecimento global. Com os glaciares que estão a derreter. Com o nível do mar que vai subir 60 metros nas próximas décadas. Com a perda do magnetismo da Terra.
A Magui preocupa-se com isto e eu ando angustiada com outras temáticas: qual é o sentido da vida, quantas horas preciso de estar em silêncio para dar em doida (eu acho que é por causa desse silêncio que depois falo demais quando abro a boca).
A Magui não é uma dona de casa qualquer. É uma fada do lar, é pois, mas, apesar da recente adicção nas idiotisses brasileiras do canal GNT, é um poço de sabedoria.
No café da esquina da Gama Barros falámos hoje de tremoços. Ela ainda recorda o cheiro delicioso dos tremoçeiros em flor.
Os tremoçeiros em flor, e ela a explicar-me que o tremoçeiro é o melhor fertilizante das terras de agricultura. As raízes do tremoçeiro, ensina-me, têm umas visículas, repletas de nitrogénio.
Os homens de mãos ásperas e calejadas e rosto cortado pelo sol, que cavam a terra, não sabem o que é isso do nitrogénio, mas sabem que a seguir à colheita da batata semeia-se tremoço.
Porque sim.
E quando o tremoçeiro está em flor (que lindas são as flores do tremoço, que raio, eu nem sabia que o tremoço era uma leguminácia, nunca me tinha dado ao trabalho de pensar de onde é que eles vinham), arrancam-se da terra, escava-se valas e enterram-se os tremoçeiros debaixo do solo. Não se deixa o tremoçeiro dar o fruto. Porque senão, as visículas de nitrogénio esvaziam-se.
A Magui sabe tudo. Eu não vos disse que ela sabia tudo?
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