Terça-feira é dia de Andy
Esqueci-me que hoje era dia de Andy; esqueci-me - ainda por cima era a vez dele de pagar; acabou por não ser: um chula-me literariamente, outro chula literalmente :-) -, mas ele relembrou-me da efeméride semanal. E ainda bem.
O senhor do "é melhor não" (eu não espalho os nossos segredos, senhor holandês, ninguém percebe esta porque eu não contei, mas eu gostava muito, apesar de ninguém acreditar se eu contar, dás-me permissão para contar?) diz, ao jantar, com um golpe de charme implacável, que me tira o chão de tábuas de madeira por debaixo dos pés - atira isto sem aviso, ao lusco fusco, com o barulho das ondas e o vento do Guincho a fazer com que a cena seja ainda mais perfeita -, que para ele é já é religioso: terça-feira é dia de Diana. E continua, sem piedade: revela que, todas as manhãs, abre o mail, vê a correspondência e logo a seguir vem para este quintal, ver o que andei a cavar nesta terra esupidamente fértil, onde as palavras nascem, crescem e dão flor a um ritmo alucinante, pouco natural - qualquer dia esgoto a força desta terra, e não terei outra opção a não ser avançar para um pousio forçado.
As terças-feiras eram dias maus. Desde que a tradição das reuniões da associação dos socorros mútuos começou - e começou no dia do "é melhor não" -, o segundo dia da semana é mais feliz (é uma pena, mesmo, os astros não se quererem alinhar a nosso favor).
Mas eu esqueci-me, hoje, que era dia de Andy. Ando com a cabeça na lua e ao almoço, a Cat, que me viciou em Blasted Mechanism, reparou logo: "o que é que tu tens que estás tão bonita, tão feliz, tão luminosa?? Estúpida, estás mesmo o máximo, os teus olhos brilham...". E isto é mesmo verdade, o que ela diz, os dois espelhos cá de casa nunca viram tantos sorrisos, tanto branco dos meus dentes, e eu, ao almoço, feliz e com uma covinha na bochecha direita, falei à Cat do meu assado, da minha alhada, do meu chulo literário, mas, há coisa de um mês, naquele mesmo Magnólia, a Cat viu-me chorar, chorar convulsivamente, sem me importar com quem estava a olhar para o espectáculo, pelo mesmo senhor, pela mesma letra do alfabeto, e nesse dia, a Cat preocupou-se comigo a sério, porque eu estava desesperada, porque nesse dia abateu-se sobre mim uma tristeza muito grande e ela vaticinou que isto não vai resultar, que não pode dar certo nunca, porque, mais cedo ou mais tarde, vou andar a pedir-te, minha musa literária (que te deves estar a torcer com ciúmes do senhor holandês; eu sou má!), provas a torto e a direito, a pedinchar evidências da minha importância na tua vida. Que até podia dar certo se eu me sentisse verdadeiramente importante, mas nesse dia, e na semana que se seguiu, o meu lugar na tua vida foi relativo, fui posta a um canto, remetida ao silêncio e aos meus monólogos febris, religiosamente depositados, várias vezes ao dia, na tua conta de Gmail.
Continua assim, continua diferente, invulgar, intenso, está cada vez melhor, sabe cada vez melhor, mas acho que já comecei, tipo CSI, à procura, de lupa, das tais provas, por mais subtis e praticamente invisíveis que sejam.
A Cat conhece-te, Andy, há muito tempo. Conhece-te sem jamais te ter visto. Sabe que tens os olhos verdes, que fazes umas ruguinhas lindas junto ao canto dos olhos quando te ris, que tens uma cicatriz enorme no nariz, que as tuas mãos fazem quase duas das minhas, sabe até a história do "é melhor não" (e, depois de muito tempo sem acreditar, acha que nós somos arraçados de super-heróis, que só assim se explica).
A Cat ouviu a minha explicação para o brilho nos olhos, acreditou, mas no final da petit salade de mozarella que me serviu de forro ao estômago ao almoço, chamou-me à atenção para o facto de, durante uma hora, eu só ter falado praticamente de ti, senhor Vring.
Terça-feira é dia de feira da ladra. E de Andy. Com exclusividade, pelos vistos.
2 comentários:
E agora? Aterça feira é dia de quê?
É impressionante ver como as coisas mudam e perdem significado, não é?
Tu continuas linda!
As terças é que mudaram...
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