Fotografia
Eu estranhei logo, franzi o sobrolho, vinquei, ainda mais, a ruga que tenho a meio das sobrancelhas, quando a Magui te deixou dar-lhe dois beijinhos.
Na minha família ninguém se beija. Somos alérgicos a demonstrações públicas de afecto; nem quando a minha mãe estava nos cuidados intensivos a beijei. Quando me deixaram entrar, menos de dois minutos, dei-lhe a mão.
[O coitado do Ricardo quase ficou traumatizado quando ela se negou a dar-lhe uns beijos e, ela adora o Ricardo, não tem nada a ver com gosto ou desgosto. Não é muito polida socialmente... Não somos, aliás.]
O senhor holandês, desgraçado, ontem conheceu a família Addams toda - a de duas e a de quatro patas.
E eu achei logo lindo, ele querer subir, alertei-o que ele podia morrer de alergia, por causa da quantidade imensa de gatos, de cães e pássaros que existe por metro quadrado em casa da Magui, mas ele quis subir.
De manhã, no café das velhas, disse à Magui que ia jantar com o Vring. E que levava a Carolina, já que ela não estava no mood de baby sitting. A minha mãe disse que ia espreitar o espécime da janela, para ver se ele era estrupício (foram estas mesmas as palavras).
Depois de o senhor holandês ter reaparecido do outro lado do oceano, e de termos escrito umas linhas giras, um em cada ponta do atlântico, durante três ou quatro dias - e de eu o ter perdoado por tudo o que ele me fez, quase imediatamente -, eu não contava à Magui que o via, que me encontrava com ele, porque sabia que ela achava que eu estava a ser parva.
A Magui não é banana como eu, não perdoa as ofensas de quem a ofendeu, muito menos de quem ofendeu os seus filhos - o seu passaporte para a eternidade, como ela diz acerca de mim e do Leonardo e, mais recentemente, da Carolina, que é a sua cara cuspida e escarrada, essa sim, parece sua filha. Eu não lhe dizia que ia jantar com o Andy, era até engraçado, parecia uma adolescente a namorar às escondidas da mãe, ou a dizer que ia dormir a casa de uma amiga para, na realidade, ir à discoteca.
Mas ele quis subir, conhecer a família (a família é bonito; dá um toque siciliano à coisa, e, de facto, nós somos arraçados de mafiosos, os Oliveira-Ralha, com a nossa Mama no comando da sua prole) e, puta da coincidência: estava lá tudo - o mano e a cunhadinha linda, pronto, foram feitas as apresentações e o Andy não teve uma reacção alérgica muito má (nem aos bichos, nem à família), só começou quando já estávamos de saída.
Gostou do "paraíso" da Magui - uma reserva natural, um santuário, onde gatos e cães convivem alegremente, onde pombos bébés dormem numa gaiolinha em cima dos bancos da sala dos bichos (temos uma sala cagona para as visitas, onde quem tem quatro patas não entra), com felinos de todas as cores, feitios e idades a rodeá-los.
O jantar foi uma maravilha, o sítio é lindo, ao pé do mar, caipirinhas, a Carolina a portar-se lindamente, um anjo, nem bateu às outras crianças. Houve silêncios. Mas não dos perturbadores, dos que me fazem dar à perna de stress.
Na minha cabeça, esteve em repeat one esta:
Eu, você, nós dois
Aqui neste terraço à beira-mar
O sol já vai caindo
E o seu olhar
Parece acompanhar a cor do mar
Você tem que ir embora
A tarde cai
Em cores se desfaz
Escureceu
O sol caiu no mar
E a primeira luz lá embaixo se acendeu
Você e eu
Eu, você, nós dois
Sozinhos neste bar à meia-luz
E uma grande lua saiu do mar
Parece que este bar
Já vai fechar
E há sempre uma canção para contar
Aquela velha história de um desejo
Que todas as canções têm pra contar
E veio aquele beijo
O beijo não veio, é bom mesmo que não venha, ainda estragava tudo, mas a noite foi perfeita, a música do Jobim chama-se Fotografia e eu tirei uma foto, a noite passada; está guardada no meu cartão de memória de um milhão de gygas, um SD que está alojado na minha cabeça - nós os três na esteira, rodeados de almofadas, a fazermos guerras de cócegas à Carolina.
A Magui adorou o holandês. Daí ter-te deixado dar dois beijinhos.
2 comentários:
;-)
e a propósito de fotos... onde estão mais fotos da Carol no Zoo?! Dona Dia e Dona Qui Qui?! M.
Ui...
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