domingo, agosto 07, 2005

Obrigada João

[Ao ip 83.240 qualquer coisa, que já veio aqui três vezes para ver as novidades. O primeiro dia de piquete ao fim-de-semana que se desejava calmo, a ouvir Tiersen, e a encher este blog de linhas não foi fácil: carrilhadas, carmonisses e algas na Caparica destruíram uma belíssima tarde de inspiração literária.]

Vejamos se os dias são mesmo à noite, como eu tanto apregoo.


Depois de ter escrito estas primeiras linhas, fui adormecer a minha filha - deitei-me ao lado dela e, em menos de dois minutos, ela estava a sonhar sonhos bons que a faziam sorrir. E deixei-me por lá ficar, ao seu lado, de mãos dadas com o anjo loiro com dentes de mentirosa, a absorver a paz que ela me traz.

Eventualmente, adormeci também. Dois minutos também, não mais, a ouvir a caixa de música que projecta estrelinhas no tecto alto da Martinha.

A ouvir a caixa de música e a separar os sons na minha cabeça. Eu adoro a polifonia. Eu desconjunto sempre qualquer melodia que oiço: separo a voz, a guitarra, o baixo, a bateria, o piano, o acordeão e este post era, originalmente, sobre isto mesmo.

Chamava-se "um, dois, três, um" - um belo compasso -, e eu propunha-me a falar da decisão que tomei hoje: que nem que seja uma gaita de beiços, como disse a Magui quando iamos perto da João XXI, espreitar uma montra onde não há sapatos, mas sim, saxofones, violinos, sanfonas e outros que tais, eu tenho que aprender a tocar um qualquer instrumento musical.

Porque senão, vou passar o resto da minha vida a sentir pena de mim própria, a pensar no quão virtuosa eu com certeza teria sido.

Expliquei isto à Magui, que não é mais uma comichisse minha, passei a mão pelo cabelo, soltaram-se dezenas e dezenas de fios, estendi o braço, abri a mão para a minha mãe ver os restos mortais e disse-lhe: "Eu não estou bem".

E não é que eu precisasse de provas, sei que não estou bem, como diz a minha Cat Gato Pardo, topa-se a milhas que não estou bem, mas o senhor meu cabelo decidiu dar um alerta um pouco mais visível, o senhor meu cabelo sabe que me afecta, que eu me orgulho muito dele, que gosto dos olhares de inveja, que sorrio sempre que uma ressaviada diz "devias cortar o cabelo", o senhor meu cabelo decidiu começar a cair aos cachos desde a semana passada, entupindo o Rolls Royce da Magui e eu bem caladinha a pensar: pode ser que passe, amanhã já não cai tanto, é o stress.

O post na minha cabeça, a música da caixinha de música na minha cabeça, mas eu a sair do quarto da Carolina sem coragem para escrever nada - com vontade de publicar apenas um pedido de desculpas ao ip 83.240 pela falta de material.

Mas nem isso: salvei o post em draft, fui-me deitar.
Adormeci quase instantaneamente. Sonhei com a pessoa do costume, acordei com as melgas. Fui buscar o repelente electrónico, enfiei-o na tomada, adormeci outra vez, mas nem dez minutos depois, o cabrão do rafeiro arraçado de doberman do prédio da frente a latir como se o estivessem a matar, voltas e voltas na cama e nisto toca o telefone, João Cortesão no visor, e do outro lado, Ben Harper, Please Bleed, directamente da Zambujeira.
Desatei logo a chorar, a chorar de alegria, porque, efectivamente, não há dúvida, os dias são à noite e, à uma e trinta e oito da manhã, alguém se lembra de me pôr na Zambujeira,

e eu queria tanto estar lá, a chorar baba e ranho, a ouvir a faixa nº 5 do CD que tu gravaste, senhor da guique, e dedicaste assim - o CD está no carro, mas eu nem preciso de o ver, anda em repeat, a Magui já me implora nova música, mas não dá, saltito da 5 para a 12 - "para a mãe da minha sobrinha e madrinha do casamento".

"Achei que ias gostar", manda o João por sms e eu não gostei, eu amei, tive que vir ligar o computador e dizer-te obrigada.

E quanto a nós, mais que não seja, valeu pelo Ben. E pela história dos sorrisos.

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