segunda-feira, setembro 12, 2005

Torradas num fim-de-semana atípico

A tristeza foi-se embora.
Quando estou triste fico assim (este é o auto-retrato da minha tristeza, depois de um banho e do primeiro ataque de choro com soluços da semana, ainda as olheiras, os olhos inchados e o terçolho não tinham desfigurado esta carita laroca profundamente triste; é para mais tarde recordar)

Tristeza

Perdoem os assíduos deste quintal neurótico, mas não consigo ainda escrever como deve de ser.

Este post está em draft há demasiado tempo, já mudou de título e de conteúdo uma boa dúzia de vezes.

A tristeza foi-se e deu lugar a um limbo. Não estou triste. Não estou contente. Não sei como estou, não sei nada sobre o devir. Nada será como dantes, decerto.

Aqui na janela ao lado, dizem-me que não se percebe nada deste blog: "É chulo literário para aqui, para acolá, private messages. Gostava mais quando escrevias histórias fantásticas", queixa-se aquele que foi o grande amor da minha curta existência, algures numa quintarola a poucas dezenas de quilómetros de Lisboa.

O post já está a ganhar vida própria.
Eu digo-lhe, ao senhor assessor meu ex-marido, que não há histórias fantásticas. Eu penso que as vejo, no café, no cabeleireiro, quando vou a conduzir, na rua onde moro, no baú das recordações da minha família invulgar, mas invento-as, é tudo mentira: pinto a merda da realidade de cores primárias berrantes (numa outra encarnação fui expressionista), quando ela é monocromática; escrevo contos bonitos por estas bandas, mas eu sou meia esquizofrénica, não há nada de extraordinário, é apenas uma imaginação demasiado fértil, é apenas fruto de alguém demasiado só, que sonha alto demais, que, invariavelmente, se dá mal.
E apesar de nunca resultar, não mudo, teimosia minha, insisto que não sei ser de outra forma.

Mas os pombos são só pombos, são aves (e não pássaros - isto vai dar um post autónomo, um dia, quando eu tiver paciência e, sobretudo, inspiração) odiadas por 90 por cento da população, e os que toda a gente gosta, os que ninguém chama de ratos com asas (hoje apanhámos um pombo lá em casa, que não passa desta noite, está mesmo muito doente, moribundo, mas lá na casa onde me educaram, defende-se que nenhum ser vivo deve morrer ao frio do sereno da noite - nem um pombo, nem uma ratazana), os pombos-correio, esses, são tratados a pão de ló, estão anilhados, têm dono e cadastro na associação colombófila da área da sua residência.
E os holandeses hão-de continuar a aparecer do lado do oceano, a levar-nos a jantar às terças-feiras, a brincarem com os nossos filhos embriagando os nossos sentidos, irão telefonar de surpresa numa sexta-feira à tarde só para dizerem "hi", mas não haja ilusões: irão, de certeza, desaparecer da mesma forma que apareceram - sem pré-aviso.

Mas este post não era sobre nada disto. Andou na minha cabeça a tarde toda, estava eu em passeio por Chelas profunda com o candidato apoiado pelo PSD (o fim-de-semana foi todo ele atípico e começou muito bem na tarde de sexta-feira com a minha mana pequenina na Martinha em grande gafanhotisse assistida por webcam pelo senhor chulo literário, mas isso fica para outra história).

Este post era sobre torradas.
Os traços gerais da personalidade de uma qualquer pessoa são-nos revelados pela forma como esta come uma torrada. Os sapatos também são o espelho da alma de um ser humano, mas no caso de dependentes da indústria do calçado, como é o caso desta vossa amiga escriba, a coisa torna-se muito mais difícil de analisar, porque eu trato os meus sapatos conforme a sua importância hierárquica, é rebuscado e perturbador, eu sei que sim.

Quatro cantos. Dois meios.
No meio é que está a virtude. Os meios da torrada são uma delícia.
Quem come primeiro os meios não é de se fiar; é precipitado, não sabe esperar pelo que é bom. Faz o que bem lhe dá na telha, está cagando para os outros. Quem come os cantos e guarda o melhor para o fim é pleasure delayer, espera, engole sapos (neste caso cantinhos) se preciso, porque sabe que o melhor está ainda para vir, que vale a pena esperar.
Depois há os equilibrados, que são um bocado chatos de tão previsíveis: comem um meio intercalado por dois cantos. Há também os calculistas, os meio aloucados, que estudam o problema, fazem uns cálculos matemáticos no guardanapo para determinar a sequência lógica pela qual vão comer a torrada.
Durante muito tempo, fui pleasure delayer. Primeiros os cantos. No final os meios.
Agora, mando aparar a torrada. Seis meios.
Sou da pior espécie.

5 comentários:

K disse...

do meu ponto de vista..isso é preverso...isso quer dizer que alguem vai comer 6 cantos?

SGTZ disse...

(Para levar a discussão para outro lado, que eu sou contra o cultivo de limbos dolorosos)

É a estória do Mundo, há uns que têm direito ao meio das torradas e outros que se dão por contentes quando apanham um cantinho. Será que os cantos valem menos que o miolo? Ou será que o sabor, embora seja diferente, é igualmente bom?

Anónimo disse...

Eu agora, também sou das que aparam as torradas... mas é por causa do aparelho e das brackets descoladas... ;-)

Mary Lamb disse...

Come-se a torrada por onde se pode. Aqueles que podem...
Eu já não como nem cantos nem meios há algum tempo, e por isso abriria os braços para qualquer parte canto ou não, de uma bela torrada...
Ana

Carrie disse...

Vim à procura de um post sobre uma mentira e o blogger presenteou-me com uma torrada. É lindo este texto, como o são, aliás todos os outros. Escrevo sem medo de que me encontrem aqui perdida nas Traquitandas mais antigas, sem receio de que me chamem delicodoce, esquizofrénica ou seja lá o que for. Também eu como primeiro os cantos, o que deve deveria querer dizer que sou pleasure delayer, mas é mentira, furo a tua lógica, as tuas estatísticas. Porque para poder saborear devidamente preciso de primeiro comer uma torrada inteira de uma vez, só depois saciada a fome, consigo entrar na degustação.